Como apoiar as mulheres para que não abandonem o emprego na pandemia 30 mar 2021

Como apoiar as mulheres para que não abandonem o emprego na pandemia

Denyse Godoy do UOL

A atual crise sanitária e econômica tem atingido mais duramente as mulheres no mercado de trabalho de várias formas. Pesquisas locais e internacionais apontam que a produção de cientistas mulheres caiu pela metade, enquanto a de seus colegas homens recuou pouco menos de 40%. Mais profissionais do sexo feminino ficaram desempregadas no país do que do masculino – a taxa de desemprego entre elas subiu 3,3 pontos percentuais entre o último trimestre de 2019 e o mesmo período de 2020, para 16,4% da força de trabalho, enquanto entre eles subiu 2,7%, para 11,9%, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Um número maior de mulheres precisou deixar o emprego remunerado para cuidar de casa e da família, já que o volume de afazeres no lar cresceu conforme parceiros e filhos entraram em quarentena, e ter funcionários domésticos ficou menos acessível pelas restrições de mobilidade e queda da renda. Do final de 2019 ao final de 2020, o contingente de trabalhadoras mulheres fora do mercado por insuficiência de horas ou por opção subiu 23%, para 17,9 milhões, e o de homens avançou 21,6%, a 14,1 milhões. Elas são 55,8% dos profissionais nessa condição.

A debandada das mulheres do emprego atinge todos os níveis socioeconômicos e vem fazendo as empresas perder talentos. A maior parte das companhias brasileiras assiste a esse movimento de braços cruzados: 61% não adotaram nenhuma medida especial para apoiar as trabalhadoras neste momento, segundo levantamento da consultoria em recrutamento e seleção de funcionários Robert Half. Mas muitas estão se esforçando para encontrar estratégias que evitem a debandada.

“Entendendo o cenário de doença e vulnerabilidade, a empresa não queria ser mais um ponto de pressão na vida das colaboradoras, e sim de acolhimento”, diz Bruna Fonseca, gerente de gestão e de pessoas da Ocyan, que aluga plataformas e sondas para perfuração de poços de petróleo e gás e oferece manutenção de equipamentos usados no setor. “Percebemos, nesse processo, que o papel do líder é fundamental, porque o departamento de Recursos Humanos não consegue acompanhar a situação de cada funcionário individualmente todo dia.”

A partir da identificação das necessidades das colaboradoras, as organizações vêm buscando apoiar mais as profissionais mulheres. Conheça algumas iniciativas:

Jornada de trabalho flexível
Para os trabalhadores que estão em home office, há diversos arranjos de atuação profissional disponíveis. Algumas mulheres preferem adiantar o expediente para concentrar as tarefas domésticas no final da tarde, outras optam por realizar as obrigações do emprego em blocos distribuídos ao longo do dia, intercalando com os cuidados com o lar e a família, e um grupo gosta mais de reservar a manhã para a casa e aproveitar a noite, quando as crianças já foram dormir, para se concentrar nas demandas profissionais. Entender a realidade de cada mulher e acomodar as necessidades do trabalho e da vida pessoal ajuda a diminuir o estresse na pandemia.

No escritório Campos Mello Advogados, que tem 65% dos 210 funcionários do sexo feminino, o que vale é a combinação do líder com o liderado. “Como empresa do ramo de serviços, precisamos estar à disposição dos clientes, porém flexibilizamos tudo que pudermos”, diz Nathalia Businaro, gerente de gente e gestão do Campos Mello. “Cada time encontra a maneira de funcionar melhor. Alguns até combinam dias e horários específicos para ficarem juntos online, em uma reunião de vídeo, de forma a facilitar a comunicação enquanto os membros executam suas tarefas. Como instituição, é nosso dever apoiar as pessoas.”

Atendimento psicológico
A fim de preservar a saúde mental dos funcionários, a rede de academias de ginástica Cia. Athletica criou um canal de atendimento psicológico à distância – que é muito mais demandado pelas mulheres do que pelos homens. “Fizemos um levantamento e constatamos que praticamente todos os atendimentos são relacionados a ansiedade e depressão. No entanto, as queixas femininas são diferentes das masculinas. De todos os atendimentos, 62% foram de mulheres, e os problemas levados foram, em sua maioria, relacionados ao isolamento social e sobrecarga de trabalho, principalmente pelas aulas dos filhos. Há muitos relatos também de crise conjugal causada por problemas de divisão de tarefas em casa”, diz Cinthia Guimarães, diretora executiva de RH da rede. “Enquanto isso, as queixas masculinas são relacionadas a medo de demissão, problemas financeiros e estresse no trabalho.”

Melissa Brasil, analista de suprimentos da Ocyan, conta que o atendimento psicológico a ajudou a administrar a ansiedade de precisar trabalhar em casa e cuidar da filha de quatro anos sem poder contar com a ajuda da mãe quando o marido passa dias embarcado na plataforma de petróleo da empresa em que ele trabalha. “A terapeuta me ajuda a me cobrar menos perfeição”, diz.

Reforço à mentoria de carreira Muitas organizações criaram ou reforçaram os programas de mentoria e coaching de carreira especialmente para ajudar as mulheres a resolver os dilemas atuais e pensar seu futuro profissional no médio e no longo prazo, além das turbulências do momento. “O objetivo do programa é desenvolver as colaboradoras e também mostrar que a vida profissional e a familiar podem andar juntas, por meio de conversas com a nossa equipe de RH e também com outras executivas da companhia”, diz Santiago Bellotti, diretor de RH da multinacional fabricante de insumos para a indústria alimentícia Ingredion.

Apoio para os cuidados com as crianças 
Um dos principais desafios das mulheres que estão trabalhando em casa agora é cuidar dos filhos, também perdidos e estressados por ter a sua rotina virada de cabeça para baixo. A esfera da relação entre pais e filhos era muito pouco acessada pelas empresas antes, com exceção para as festas de confraternização e os dias especiais de visita dos familiares ao escritório, porém passou a fazer parte das preocupações dos gestores.

Como nem todo mundo tem habilidade de professor, as empresas começaram a ajudar as famílias na educação escolar dos filhos em casa. A Espro (Ensino Social Profissionalizante), instituição sem fins lucrativos que encaminha adolescentes e jovens ao mercado de trabalho, contratou quatro instrutoras que ficam disponíveis em tempo integral na intranet respondendo dúvidas e orientando pais e estudantes. “O intuito é auxiliar colaboradores com crianças e adolescentes em casa por meio de dicas para organizar e facilitar a rotina, além de disponibilizar atividades complementares de interação e apoio às dúvidas escolares do Ensino Fundamental 1 e 2”, diz Alessandro Saade, superintendente executivo da Espro.

Manutenção do auxílio-creche
O auxílio-creche, em dinheiro, foi cortado por algumas companhias na crise porque as crianças não estavam mais frequentando as unidades educacionais. Esses recursos podem ser bastante úteis para as mulheres agora. “Essa ajuda de custo pode ser usada para outras despesas relacionadas à educação dos filhos”, diz Amanda Adami, gerente da operação da Robert Half em Campinas, interior de São Paulo.

Oferecer aos homens a chance de se responsabilizar
Com a extensão dos benefícios do horário flexível e dos serviços de educacionais também para os colaboradores homens da empresa, eles podem dividir com suas parceiras os cuidados com a casa e os filhos. Essa medida tende a continuar dando frutos mesmo após a pandemia passar, já que cria novas rotinas e desmistifica as atividades domésticas.

Estimular os líderes a fortalecer a conexão com sua equipe
Atender às demandas individuais dos membros da equipe começa por ouvir com atenção o que os colaboradores têm a dizer. É uma boa hora para os gestores desenvolverem mais a sensibilidade. “Em certas situações é necessário analisar e entender os fatos racionalmente, pensar com a razão. Mas, em outros casos, deixar a emoção conduzir as respostas é o melhor caminho. O negócio só é completo quando esses dois sentimentos permeiam o ambiente corporativo e caminham juntos no dia a dia”, diz Katiuscia Teixeira, diretora de gestão de pessoas da provedora de serviços de comunicação corporativa Zenvia.

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