A bioenergia no contexto ESG
Fonte: Jota
Por: Rafael Bussière, Gabriela Mello e Bruna Pinheiro.
Ao menos 12 estados e o DF já têm legislação própria sobre economia de baixo consumo de carbono
ESG (Environmental, Social and Governance) ou, em português, ASG (Ambiental, Social e Governança), sigla do momento, é um conceito criado pelo sistema financeiro para nortear as boas práticas empresariais, voltadas para redução de impactos negativos (riscos) e geração de impactos positivos (oportunidades) ao meio ambiente e sociedade, e inseri-las como critério de análise de risco para direcionar investimentos.
Ao longo dos anos e, principalmente diante do cenário de pandemia de COVID-19 iniciado em 2020, o conceito de ESG vem sendo considerado por toda e qualquer organização, independentemente da finalidade de obtenção de financiamentos e do tipo de atividade desenvolvida. A adoção de iniciativas voltadas aos fatores ESG é reconhecida como forma de agregar valor, fortalecer a competitividade e a perenidade do negócio, reduzir riscos e custos, dentre outros benefícios para a organização, além de colaborar com o desenvolvimento sustentável das atividades econômicas.
Apesar de inexistirem “critérios” ESG definidos e consolidados a serem seguidos de forma padronizada (seja pelo mercado, seja pela legislação vigente), são diversas as iniciativas que podem ser consideradas para atendimento à agenda ESG. No que tange, em especial, às iniciativas voltadas para o “E” da agenda ESG, podemos destacar o uso sustentável dos recursos ambientais, a adoção de medidas voltadas à redução de emissões de gases de efeito estufa, a gestão adequada de resíduos, a eficiência energética, e a otimização de processos e produtos (ecoeficiência).
Ao se adotar uma agenda voltada ao “E” do ESG, o que se objetiva, em linhas gerais, é incorporar, na estratégia financeira e na cultura da organização, práticas sustentáveis, como as mencionadas acima, que incluem, porém não se limitam, ao cumprimento integral da legislação ambiental e implementação de sistemas de gestão estruturados e funcionais.
Dentro desse contexto, a adoção de medidas relacionadas ao combate às mudanças climáticas tem ganhado destaque dentre as ações adotadas pelas organizações com o objetivo de mitigar e compensar os impactos ambientais de suas atividades e atenderem à referida agenda ESG. Tais medidas têm sido, inclusive, demandadas pelo mercado[1].
O que se observa, em geral, é que as iniciativas que buscam neutralizar as emissões geradas, alinhadas aos princípios de sustentabilidade, podem contribuir com a transição para uma economia de baixo carbono, na medida em que devem considerar e integrar toda a cadeia de valor da atividade, o que acaba por potencializar a criação de relações positivas entre organizações e novas oportunidades de negócios para todos os setores econômicos.
Para auxiliar no alcance de uma economia de baixo carbono[2], as empresas podem adotar uma série de estratégias, dentre as quais se destaca a transição energética, com eliminação gradual do uso de combustíveis fósseis para geração de energia e substituição para uma matriz energética renovável.
A transição para uma matriz energética renovável é prevista, sobretudo, na Política Nacional sobre Mudança do Clima (PNMC), que estabeleceu a criação de planos setoriais de mitigação e adaptação a mudanças climáticas, voltados aos principais setores da economia, incluindo o de geração e distribuição de energia elétrica, visando à consolidação de uma economia de baixo consumo de carbono. Nos termos do decreto que regulamenta a PNMC, por meio dos planos setoriais objetiva-se implementar ações voltadas à expansão da oferta de fontes alternativas renováveis, sendo instituído pelo decreto o Plano Decenal de Expansão de Energia (PDE), plano setorial específico para o setor de geração e distribuição de energia elétrica. Em sua última versão publicada, PDE 2029, foi previsto que o grau de renovabilidade da matriz energética brasileira aumentará em relação a 2019, atingindo 48% em 2029.
Dentre as fontes alternativas renováveis presentes na matriz energética brasileira, destacam-se os potenciais hidráulico, eólico, solar e de biomassa. Com relação à energia produzida a partir de fontes de biomassa (bioenergia ou bioeletricidade), em especial, o PDE 2029 ressalta que sua produção se consolida como um grande potencial para a matriz energética nacional, com projeção de participação de 19% dos 48% do total de fontes renováveis na matriz energética até 2029.
A produção de bioenergia também vem sendo incentivada e regulamentada do ponto de vista legal, havendo uma série de normas esparsas, em âmbito federal e estadual nesse sentido.
Em âmbito federal, em 2011, a política energética nacional foi alterada para incluir o incentivo à geração de energia elétrica a partir da biomassa e de subprodutos da produção de biocombustíveis (como biodiesel e etanol). Também em 2011, a Política Nacional de Resíduos Sólidos foi editada, prevendo como um dos seus objetivos o incentivo ao reaproveitamento energético dos resíduos sólidos.
Nesse sentido, em 2017 foi criada a Política Nacional de Biocombustíveis (RenovaBio) que tem como um de seus fundamentos a importância de agregar valor à biomassa brasileira e prevê a Certificação de Biocombustíveis, de modo a mensurar a função da eficiência energética e das emissões de gases do efeito estufa, com base na avaliação do ciclo de vida do biocombustível produzido/importado. Podem obter referida certificação a produção de biocombustíveis realizada a partir de biodiesel, biometano e etanol gerado a partir de cana-de-açúcar e milho.
Em 2020[3], tivemos importantes avanços legislativos, destacando-se (1) a tramitação do Projeto de Lei nº 4.476/2020, conhecido como a “Nova Lei do Gás”, o qual prevê incentivos a projetos de geração de biogás e biometano a partir de aterros sanitários e resíduos orgânicos, e (2) a aprovação do marco legal do saneamento, instituído pela Lei Federal nº 14.026/2020, o qual pretende garantir maior acesso à população aos sistemas coleta e tratamento de esgoto, o que ocasionará o aumento de estações de tratamento de esgoto e, assim, o incremento de oportunidades para a utilização de biometano e biogás para a geração de energia.
Em âmbito regional, diversos estados também editaram políticas públicas voltadas ao incentivo de produção e potencialização da matriz energética sustentável, incluindo a bioenergia, com previsão de incentivos financeiros, creditícios e fiscais para tais atividades[4].
Em alguns estados, tal incentivo também se dá por meio de políticas públicas específicas voltadas à produção de biomassa para geração de bioenergia a partir da utilização de madeira proveniente de florestas plantadas, como no caso do Piauí, Rio Grande do Sul e Rondônia, ou no âmbito de políticas públicas voltadas para mudanças climáticas, como também é o caso de Rondônia e Mato Grosso do Sul. Já os Estados de São Paulo, Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Paraná e Goiás instituíram políticas específicas para incentivo à produção de biogás e biometano, de modo a potencializar a geração de gases combustíveis a partir de biomassa.
Além das políticas públicas, há outras normas estaduais de interesse sobre o assunto que concedem condições especiais para o licenciamento ambiental de atividades relacionadas à geração de bioenergia[5].
Tal cenário demonstra que, desde a publicação da PNMC, em 2009, tem havido um aumento significativo do número de programas e políticas públicas estaduais editadas. Ao menos doze estados e o Distrito Federal já avançaram na pauta em termos legais, considerando a bioenergia no direcionamento de seus esforços para consolidação de uma economia de baixo consumo de carbono, em compatibilidade com o quanto estabelecido na PNMC e no PDE.
Observa-se que são diversas as fontes de biomassa disponíveis, assim como as interações que podem ser realizadas entre os setores da economia, voltadas para o aproveitamento do potencial energético da biomassa oriunda de matéria orgânica de origem vegetal e animal. Assim, a bioenergia surge como um caminho para que as organizações avancem com a pauta ambiental da agenda ESG (“E”) e contribuam com a transição para uma matriz energética limpa e sustentável, havendo diversas oportunidades relacionadas, sobretudo para redução de custos atrelados ao uso de energia elétrica.
A bioenergia também se destaca ao contribuir para o avanço da economia circular e novas oportunidades de negócios, de modo que subprodutos de diversos processos produtivos possam ser reaproveitados na cadeia de valor, minimizando a geração de resíduos e otimizando a utilização dos recursos naturais para reduzir os impactos ambientais, favorecendo o desenvolvimento sustentável.
[1] No início de janeiro de 2020, o chairman e CEO da gestora de ativos BlackRock, Lerry Fink, publicou uma carta à sociedade ressaltando a importância da sustentabilidade como forma de gerenciamento de riscos, com enfoque nos riscos relacionados às mudanças climáticas e a necessidade de uma transição global para uma economia de baixa emissão de carbono. Já no início de 2021, Larry Fink publicou nova carta, pressionando as organizações a divulgarem, de forma transparente, plano de negócios alinhado com a meta de limitar o aquecimento global abaixo dos 2ºC, de forma consistente à meta global de atingir a neutralidade das emissões de gases de efeito estufa até 2050, determinada no âmbito do Acordo de Paris.
[2] Economia de baixo carbono, segundo o Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável – CEBDS, “é uma configuração propositiva do ambiente de negócios, que favorece novas tecnologias em prol da preservação do meio ambiente e da redução da emissão de Gases do Efeito Estufa (GEE), especialmente o dióxido de carbono (CO2)” – acesso em 18.02.2021: https://d335luupugsy2.cloudfront.net/cms/files/14773/1524251633E-book_CEBDS_4Passos.pdf
[3] A Estratégia Federal de Desenvolvimento para o Brasil, publicada em outubro/2020, prevê para o período de 2020 a 2031 a promoção de oportunidades de negócios sustentáveis em meio ambiente, incluindo o fomento de pesquisa científica e o desenvolvimento da cadeia produtiva da bioeconomia, com foco no aproveitamento das potencialidades da biodiversidade para a utilização como bioenergia e outros campos de interesses da indústria.
[4] Dentre estas políticas, destacam-se, na região Sudeste, Minas Gerais com o “Programa Mineiro de Energia Renovável” e o Espírito Santo com “Programa Estadual de Eficiência Energética e de Incentivo ao uso de Energias Renováveis – PROENERGIA” e “Política Estadual de Incentivo às Energias Renováveis”. Na região Sul, temos o Paraná com o “Programa Paranaense de Energias Renováveis – Iluminando o Futuro” e “Projeto Smart Energy Paraná”; Santa Catarina com o “Programa Catarinense de Energias Limpas (Programa SC + ENERGIA)”; e o Rio Grande do Sul com o “Programa Gaúcho de Energias Renováveis – RS Energias Renováveis”. No Nordeste do Brasil, temos o Rio Grande do Norte com a “Política Estadual de Geração Distribuída com Energias Renováveis – GDER”. Já no Centro-Oeste, o Mato Grosso com a “Política Estadual de Incentivo ao Uso de Biomassa para Geração de Energia” e o Distrito Federal, com a “Política Distrital de Incentivo à Geração e ao Aproveitamento de Energia Solar, Eólica e de Biomassa e à Cogeração”.
[5] Como destaques, temos São Paulo, onde foram editadas diretrizes para o licenciamento de unidades de preparo de Combustível Derivado de Resíduos Sólidos – CDR e da atividade de recuperação de energia proveniente do uso de CDR. No Paraná, normas relativas às atividades de geração de energia a partir de uso agrícola de resíduos provenientes de usinas de beneficiamento de cana-de-açúcar. No Ceará, é permitido o licenciamento ambiental simplificado dos sistemas de micro e minigeração distribuída de energia elétrica renovável oriunda de biogás e biomassa, com potência instala de até 5 megawatts (MW). No Rio Grande do Sul, = a atividade de geração de termoeletricidade a partir de biomassa passou a ter potencial poluidor baixo para fins de licenciamento ambiental. O Mato Grosso criou legislação específica sobre o licenciamento ambiental da indústria de etanol gerado a partir de grãos amiláceos e tuberosas.
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