A BR do Mar: o que é a nova lei de estímulo ao transporte marítimo e como conflitos de interesses podem naufragar com a iniciativa
Por Fernanda Calmon
Na primeira semana de janeiro, a Lei nº 14.301/2022 foi sancionada. O texto institui o Programa de Estímulo ao Transporte por Cabotagem1, popularmente conhecida como BR do Mar. A Lei tem por objetivo ampliar a oferta e concorrência no mercado e melhorar a qualidade do transporte por cabotagem no Brasil, criando rotas e reduzindo custos de transporte no país.
Durante sua tramitação no Congresso, o texto foi alvo de intenso debate político e sancionado com vetos que atingiram temas que impulsionaram a votação proposta entre os parlamentares.
O maior deles, foi o veto ao retorno do incentivo fiscal para a compra e equipamentos no setor portuário e ferroviário, o chamado Reporto. O assunto não era alvo da proposta inicial do BR do Mar, de autoria do Poder Executivo, mas foi introduzido ao longo da tramitação no Congresso, contando, inclusive, com apoio de parte da liderança do governo, a fim de facilitar a aprovação junto aos Parlamentares.
As associações vinculadas aos setores portuário e ferroviário usaram de sua força no Congresso Nacional para pedir a aprovação do BR do Mar por causa do retorno do incentivo fiscal, que suspendia a cobrança de IPI, PIS/Cofins e do Imposto de Importação na compra de máquinas e equipamentos. Confirmando-se a manutenção deste veto, o setor portuário prevê uma onda de pedidos de revisão de contratos e investimentos sob a alegação de reequilíbrio econômico-financeiro.
A medida também afasta novos investimentos no mercado, uma vez que a tributação poderá, em alguns casos, chegar a 42% na compra de equipamentos portuários. O retorno do Reporto era aguardado pelo mercado, que estima que existem, pelo menos, R$ 2 bilhões programados para investimentos no setor, que estão aguardando a retomada deste benefício para serem consolidados.
Agora, empresas e entidades do setor de portos e ferrovias trabalham para a derrubada do veto do executivo junto ao Congresso Nacional.
No outro lado desta discussão encontra-se parte do forte setor rodoviário brasileiro. Desde a sua apresentação ao Congresso, uma parcela do setor rodoviário, defendendo seus interesses, criticavam a Lei sob o “frágil” argumento, do ponto de vista jurídico e político, de que as novas regras prejudicariam motoristas que fazem viagens de longa distância, já que os produtos acabariam sendo levados por navios.
Outro receio do setor refere-se a seu possível enfraquecimento diante de investimentos estrangeiros no mercado rodoviário para atender exclusivamente o segmento portuário. Acrescentam, ainda, que caso o Reporto seja reestabelecido, retomaria incentivos tributários às empresas que atuam na cabotagem, o que não ocorre no setor rodoviário.
O Governo, por sua vez, teve que gastar energia para tranquilizar este temido setor sob a alegação de que para cada viagem feita por navio, há pelo menos dois fretes de caminhão: um para levar a carga até o porto, e outra para transportá-la até o destino final. Neste sentido, afirma que o caminhoneiro fará viagens mais curtas, com a possibilidade de ficar mais perto de casa e ter ganhos maiores, com viagens mais curtas e mais bem remuneradas, acréscimo na qualidade de vida e segurança do trabalho.
No entanto, o incentivo à cabotagem no país, com o surgimento de novas embarcações estrangeiras na costa brasileira – que com a Lei poderão ser alugadas para prestarem serviços no Brasil, e o aumento da concorrência em viagens de longas distâncias aparecem em um péssimo momento para o setor rodoviário, que já está insatisfeito com o constante aumento do preço do Diesel no país.
Sem considerar os impactos ambientais e a representatividade do custo do transporte terrestre na produtividade do mercado brasileiro, o setor rodoviário ignora que o incentivo à cabotagem, que hoje representa 11% do mercado de transportes no país, poderá reequilibrar a matriz de logística do Brasil, resultando em um menor custo de produção.
No entanto, o BR do Mar dividiu não só a iniciativa privada: a tramitação da Lei e o veto ao Reporto também colocaram em lados opostos membros integrantes do próprio Governo Federal e congressistas da base do governo no legislativo. De um lado, a equipe do Ministério da Economia e seus apoiadores, sob o argumento de necessidade de redução de incentivos fiscais dados pelo governo federal, eram contrários ao Reporto. De outro, o Ministério da Infraestrutura e seus apoiadores entendem que se trata de política importante para atração de investimentos no setor portuário e ferroviário.
Fato é que para que haja, de forma concreta, uma evolução no setor de transporte e logística do país é preciso eliminar vários entraves operacionais, institucionais e de regulamentação de infraestrutura, o que demandará uma união de esforços entre os diversos setores do mercado e de todo o corpo governamental a fim de um bem maior: o avanço do país.
Pelo lado governamental, ainda em busca do equilíbrio na matriz de logística do Brasil, devem ser corrigidas as falhas de regulamentação, onde o excesso exacerbado de normas acaba onerando o setor e reduzindo a sua atratividade. Pelo lado da inciativa privada, deve-se deixar de lado a constante procura pela satisfação de interesses setoriais para o alcance do interesse público.
Enquanto isso, estima-se que o gasto anual com custo de logística no Brasil é de voluptuosos R$ 811 bilhões, representando mais de 12% do PIB brasileiro. Aproximadamente 60% deste valor é gasto no transporte, contribuindo significativamente para o relevante e extraordinário custo Brasil.
Comentários