Abertura do Mercado Livre de Energia: impactos nas contratações do poder público 27 dez 2023

Abertura do Mercado Livre de Energia: impactos nas contratações do poder público

Por Carolina Caiado, Fabiano Gallo e Rogerio Campos

A abertura e flexibilização do mercado de energia prometem mudar a forma pela qual os órgãos e entidades da administração pública direta e indireta contratam sua energia. Há pouco mais de um ano, o Ministério das Minas e Energia autorizou, a partir de 1º de janeiro de 2024, que qualquer consumidor do Grupo A escolha seu fornecedor de energia elétrica, independentemente da carga consumida, ao publicar a Portaria nº 50/2022.

Os consumidores do grupo A são de grande porte. Tais consumidores possuem unidades com conexão em tensão maior ou igual a 2,3 kV ou atendidas a partir de sistema subterrâneo de distribuição em tensão menor que 2,3 kV, sendo subdivididos em subgrupos (art. 2º, “c”, XXIII da Resolução Normativa ANEEL nº 1.000/2021).

A flexibilização prevista para esse grupo vai ampliar os arranjos de contratação de energia elétrica à disposição do poder público, até então muito restrito ao ambiente de contratação regulado, no qual os consumidores necessariamente contratam seu fornecimento de energia das distribuidoras locais.

 

Mercado livre e cativo

No Brasil, os consumidores contratam energia elétrica por meio de dois mercados: o Ambiente de Contratação Regulada – ACR, também conhecido como mercado cativo, e o Ambiente de Contratação Livre – ACL.

O ACR é o ambiente de contratação das empresas distribuidoras de energia, que adquirem energia elétrica para atender às necessidades de seus consumidores cativos, com pagamento de tarifas reguladas pela Agência Nacional de Energia Elétrica – ANEEL, ou seja, o consumidor não tem a possibilidade de negociar preços ou condições de fornecimento.

Ao contrário do ACR, o ACL é o ambiente de contratação dos consumidores livres, que podem escolher seu próprio fornecedor de energia elétrica. O consumidor livre não é obrigado a contratar a distribuidora, e tem possibilidade de escolher preço, prazo e indexação, podendo, até mesmo, determinar a forma de geração da energia que pretende consumir. No ACL é comum que o cliente determine, por exemplo, que consumirá apenas energia de fontes renováveis, cabendo ao fornecedor comprovar origem “limpa” da energia.

A Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE) é o agente que tem a função principal de viabilizar a comercialização de energia elétrica. A CCEE é fiscalizada pela ANEEL e integra geradores, distribuidores, comercializadores e consumidores que operam no mercado livre. Neste ambiente, a compra e venda de energia elétrica é formalizada por meio de contratos com condições livremente negociadas entre as partes.

Para mais informações sobre o funcionamento e evolução normativa do Mercado Livre e do Mercado Cativo, não deixem de consultar a última edição do nosso Boletim de Energia, produzido pelo Time de Energia e Recursos Naturais do CMA/DLA Piper.

 

Contratações no setor público

A Lei Federal nº 8.666/93 facultava aos órgãos e entidades públicas a contratação direta do fornecimento ou suprimento de energia elétrica com concessionário, permissionário ou autorizado, por procedimento de dispensa de licitação. Em geral, o poder público limitava seu horizonte de contratação de energia elétrica às concessionárias distribuidoras, no ACR.

A Lei Federal nº 14.133/2021, a nova Lei de Licitações e Contratos, revogará e substituirá integralmente o texto da Lei Federal nº 8.666/93 em 1º de janeiro de 2024. Na nova lei, a contratação de energia elétrica não é enumerada entre as hipóteses de dispensa licitação, tal como fez a Lei Federal nº 8.666/93. Esta lei será aplicada à administração pública direta, autárquica e fundacional da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.

A Lei Federal nº 13.303/2016, a Lei das Estatais, por sua vez, determinou de forma muito clara que é dispensável a licitação para o fornecimento de energia elétrica ou gás natural. A norma estabeleceu que o fornecimento pode ser contratado diretamente de concessionário, permissionário ou autorizado, segundo as normas da legislação específica, desde que o objeto do contrato tenha pertinência com o serviço público.

A Lei das Estatais rege as relações das empresas estatais não-dependentes, ou seja, aquelas que não dependem de recursos financeiros de seu ente controlador para pagamento de determinadas despesas de pessoal, custeio e capital. Essas empresas atuam como se entidades privadas fossem, pois exercem atividades econômicas e competem com outras concorrentes no mercado. Entre tais empresas estão a Petrobras e SABESP, por exemplo.

As estatais dependentes, por sua vez, ao passarem a ser submetidas à nova Lei de Licitações e Contratos, atuam seguindo regras de licitações, assim como os demais entes da Administração direta, autárquica e fundacional. Entre elas podemos citar como exemplos a Companhia Brasileira de Trens Metropolitanos – CBTU e a Casa da Moeda.

Se para as empresas estatais não-dependentes a regra é clara, no sentido de que podem contratar seus fornecimentos de energia elétrica sem licitação, para as estatais dependentes, entidades da administração pública direta, autárquica e fundacional, cabe um olhar mais detido da nova Lei de Licitações e Contratos.

 

O que muda com a nova Lei de Licitações e Contratos?

Diante do silêncio da nova lei sobre o tema, vislumbramos algumas interpretações possíveis. A primeira delas é a realização de licitação para contratação do fornecimento, que decorre da obrigação constitucional estabelecida no art. 37, XXI, da Constituição Federal de 1988. A regra geral é a licitação, ao passo que as hipóteses de contratação direta – inexigibilidade e dispensa de licitação – são exceções. A modelagem e modalidade do processo licitatório dependerão dos estudos e planejamento energético de cada entidade.

 

Pregão Eletrônico e PPP

A Casa da Moeda, por exemplo, realizou o Pregão Eletrônico nº 79/2023, do tipo menor preço global, pelo modo de disputa aberto, visando ao fornecimento de elétrica na modalidade varejista. O contrato terá 60 meses de vigência, com aquisição de até 3,796 Megawatt médio (MW Médio) de energia elétrica no ACL.

O estado de Pernambuco, em 2022, optou por conduzir concorrência internacional para celebração de um contrato de parceria público-privada (PPP) na modalidade de concessão administrativa, com o propósito de reduzir os custos de energia elétrica em prédios da administração pública estadual e impulsionar os investimentos em energia limpa.

Para viabilizar o projeto, o estado publicou chamamento público para contratar estudos técnicos, econômico-financeiros e jurídicos para construção, operação, manutenção, geração e gestão de usina de autoprodução de energia renovável, com gestão de 52 unidades consumidoras do Estado.

No âmbito do contrato de concessão administrativa, a concessionária ficou responsável pela obtenção da outorga junto à ANEEL para operação da Usina, bem como cumprimento das diretrizes da CCEE. A concessionária é remunerada pelo estado por meio de contraprestação mensal calculada conforme mecanismo definido em contrato, estando autorizada a comercializar o excedente de energia produzida no ACL, a título de receita acessória.

Também em 2022, o município de São Paulo publicou edital de consulta pública para colher contribuições para concepção de projeto de migração, gestão e suprimento de energia elétrica em ambiente ACL de unidades consumidoras municipais. De forma semelhante ao estado de Pernambuco, o município estuda publicar edital de concorrência pública para o modelo de concessão administrativa, por prazo de 35 anos.

O modelo combina contratação de energia em ACL e autoprodução. O critério de julgamento pretendido é de menor preço de energia por MWH, estando a remuneração mensal variável da concessionária atrelada ao consumo e preço da energia. Ambos os projetos de PPP envolveram construção de usinas para geração de energia.

 

Inexigibilidade de Licitação

A inexigibilidade de licitação também se apresenta como hipótese lícita para a contratação do fornecimento de energia elétrica. Neste caso, a inexigibilidade poderá ser justificada pela decisão da entidade pública de migrar do ACR para o ACL, após a realização de estudos, planejamento energético e estratégico de cada entidade.

A partir do momento em que a entidade pública contrata em ACL, há fundamentos jurídicos para que o processo licitatório seguindo as modalidades de licitação previstas na nova Lei de Licitações seja inaplicável, o que justificaria a contratação do suprimento de energia por inexigibilidade de licitação.

Nesta hipótese, a entidade pública substituirá o processo licitatório regular por um processo seletivo de mercado, seguindo regras próprias dos operadores de energia, a exemplo de leilões privados e contratações em bolsa de energia.

 

Tendências

O que se tem visto no mercado é a preferência das entidades públicas por realizar licitação para contratação de suprimento de energia elétrica, apesar da viabilidade jurídica de se realizar contratação em ACL via inexigibilidade de licitação. A licitação acaba sendo um porto seguro para as entidades públicas, que já estão habituadas a realizar processos licitatórios, além de eliminar qualquer dúvida acerca da legalidade dos projetos.

Se a modalidade da contratação pode não estar absolutamente clara, não há dúvidas de que a abertura do mercado de energia a partir de 1º de janeiro de 2024 trará inúmeras oportunidades de negócios para os agentes privados do setor elétrico.

Fique ligado na P&N, nosso time seguirá acompanhando as novidades do setor!

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