Alerta Desportivo
LEI Nº 14.193 IMPLEMENTA A SOCIEDADE ANÔNIMA DO FUTEBOL E ESTABELECE NOVO RUMO PARA O FUTEBOL BRASILEIRO MODERNO
No dia 6 de agosto 2021, foi promulgada a Lei nº 14.193, que estabelece a implementação optativa pelos clubes de futebol brasileiros da Sociedade Anônima do Futebol (“SAF”), definindo sua forma organizacional, administração, governança e controle (“Lei SAF”). A matéria foi sancionada parcialmente pelo Presidente da República sendo que alguns tópicos de extrema relevância, previamente estabelecidos no Projeto de Lei nº 5.516/19 (“Projeto de Lei”) que originou a Lei SAF, foram vetados e ainda serão apreciados pelo Congresso Nacional que decidirá pela manutenção ou não destes vetos.
No tocante aos dispositivos sancionados e atualmente vigentes, a Lei SAF estabelece que a SAF será constituída sob a forma de sociedade anônima com seu objeto social restrito a atividades relacionadas à prática do futebol, bem como deverá ser regida pela própria Lei SAF e supletivamente sujeita às disposições da Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976 (“Lei nº 6.404/76”) e da Lei nº 9.615, de 24 de março de 1998 (“Lei Pelé”). A norma ainda estabelece que o clube de futebol (“Clube”) ou a sociedade empresarial dedicada ao fomento e à prática do futebol (“Pessoa Jurídica Original”) poderão optar por constituir uma SAF – que sucederá suas relações ligadas ao futebol, como, mas não somente, relações com confederações e com atletas profissionais, por meio da (i) sua transformação em SAF; ou (ii) a cisão de seu departamento de futebol, devendo nestes casos serem observadas regras referentes às obrigações e direitos decorrentes das relações ligadas ao futebol. E, por fim, a SAF também poderá ser constituída pela iniciativa de pessoa natural ou jurídica, bem como de fundo de investimento, pela sua constituição originária, sem a existência prévia de um Clube, Pessoa Jurídica Original ou departamento de futebol.
A Lei SAF ainda dispõe sobre um tipo de ação ordinária específica, as ações ordinárias da classe “A” (“Ação Classe A”) que deverão ser exclusivamente subscritas pelo Clube ou Pessoa Jurídica Original cindido e possuem competências e direitos específicos, como por exemplo, necessidade de voto afirmativo para a aprovação de deliberações sociais sobre (a) a alienação, oneração, cessão, conferência, doação ou disposição de qualquer bem imobiliário ou de direito de propriedade intelectual conferido pelo Clube ou Pessoa Jurídica Original para formação do capital social da SAF e (b) a participação nas competições esportivas de que dispõe o Art. 20 da Lei Pelé.
Ademais, quanto aos órgãos de administração, a norma ainda estabelece a existência obrigatória e funcionamento permanente do Conselho de Administração e Conselho Fiscal e o impedimento de certas pessoas de compor estes órgãos, como (a) atletas profissionais de futebol com contrato de trabalho desportivo vigente; (b) treinador em atividade com contrato celebrado com Clube, Pessoa Jurídica Original ou SAF; (c) árbitro de futebol em atividade e (d) membro de qualquer órgão de administração, deliberação ou fiscalização, bem como de órgão executivo, de outra SAF.
Além de cumprir com as obrigações das sociedades anônimas regulares constituídas pela Lei nº 6.404/76, as SAF devem cumprir com obrigações adicionais estabelecidas pela Lei SAF, como manter em seu sítio eletrônico informações referentes à composição dos órgãos da administração e estatuto social, dentre outras.
No tocante à transferência de obrigações contratuais, de acordo com o art. 9º, apenas as obrigações contraídas pelo Clube ou Pessoa Jurídica Original que tenham qualquer ligação com o objeto social da SAF, previsto em seu estatuto social, serão transferidas à SAF, sendo esta, então, responsável pelo seu cumprimento. Não obstante, o art. 10 da Lei SAF prevê que o Clube ou Pessoa Jurídica Original, além de seus recursos próprios, contará também com recursos provenientes de repasses feitos pela SAF para arcar com as demais obrigações sem ligação com o objeto social da SAF.
Ademais, a norma também estabelece expressamente a possibilidade de recuperação judicial ou extrajudicial, nos termos da Lei nº 11.101 de 9 de fevereiro de 2005, conforme alterada (“Lei nº 11.101/05”) e regulamenta o Regime Centralizado de Execuções que consiste na concentração dos litígios patrimoniais em juízo centralizador, que analisará as execuções, bem como as receitas e os valores arrecadados por pela entidade submetida ao regime, em vista possibilitar o pagamento desses valores aos credores em concurso e de forma ordenada.
Como forma de fomentar os investimentos no futebol brasileiro, a Lei SAF estabelece que as SAF poderão acessar o mercado títulos de valores mobiliários, na qualidade de emissoras, mediante a oferta de uma nova modalidade de valor mobiliário, as Debêntures-Fut, sendo que os recursos captados por meio de Debêntures-Fut deverão ser alocados no desenvolvimento de atividades ou no pagamento de gastos, despesas ou dívidas relacionadas às atividades da SAF.
Além do exposto acima, a Lei SAF também se preocupou em fomentar a parte social do futebol ao instituir o Programa de Desenvolvimento Educacional e Social (“PDE”). As SAF deverão instituir o PDE, em convênio com instituição pública de ensino, para promover medidas em prol do desenvolvimento da relação entre futebol e educação.
Por fim, quanto às matérias vetadas, pelo Presidente da República, vale destacar que estes vetos reduziram consideravelmente a atratividade da Lei SAF aos Clubes e Pessoa Jurídica Original que, até então, pretendiam se tornar em SAF. Conforme abaixo exposto, pode-se observar que a SAF, na atual conjuntura jurídica/legislativa, está restrita a captar recursos e, incialmente, não possuirá benefícios fiscais para sua manutenção e crescimento. Assim, caso os vetos sejam mantidos pelo Congresso Nacional, possivelmente, não observaremos um crescimento em investimentos no futebol brasileiro, como pôde ser observado em outros países que instituíram sociedades anônimas voltadas para clubes de futebol. Desta forma, vale destacar os seguintes pontos quanto aos vetos:
i. Os vetos aos arts. 27 e 30 do Projeto de Lei restringiram a possibilidade das SAF de emitir qualquer título ou valor mobiliário, na forma da Lei nº 6.404/76 e conforme regulação da Comissão de Valores Mobiliários e captar recursos incentivados em todas as esferas de governo. Desta forma, os vetos limitam a captação de recursos no mercado pela SAF somente por meio da emissão das Debêntures-Fut que, conforme veto ao §2 do art. 26, anteriormente, possuía alíquota de imposto de renda zerada para seus rendimentos quando auferidos por pessoa natural residente do Brasil e reduzida a 15% (quinze por cento) para o restante dos investidores. Assim, times em dificuldade financeira e/ou que necessitam de investimentos para contratações e construção de centros de treinamento e estádios, por exemplo, ficarão restritos a um valor mobiliário não incentivado, podendo ter dificuldades de distribuir seu ativo no mercado financeiro e, consequentemente, para captar recursos.
ii. Os vetos aos arts. 31 e 32 do Projeto de Lei, que estabeleciam o Regime de Tributação Específica do Futebol, podem ser considerados como os principais pontos que reduziram a atratividade da Lei SAF, haja vista que este Regime estabelecia o recolhimento unificado mensal de tributos (IRPJ, PIS/PASEP, CSLL, COFINS e Contribuições previstas nos incisos I, II, III e § 6º do caput do art.22 da Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991) sobre as receitas mensais recebidas e definia suas alíquotas para 5% (cinco por cento) nos primeiros 5 anos-calendário após sua constituição e, a partir do sexto ano-calendário, a SAF ficaria sujeita ao pagamento unificado dos impostos acima elencados à alíquota de 4% (quatro por cento) novamente incidente sobre as receitas mensais recebidas. Desta forma, o veto do presidente da República excluiu da Lei SAF o principal benefício fiscal estabelecido no Projeto de Lei e, possivelmente, desestimulará inúmeros clubes interessados na estrutura jurídica da SAF, mas que, atualmente, usufruem de benefícios fiscais e dependem destes para a manutenção de suas atividades.
A necessidade de um marco regulatório com o intuito de tornar o futebol no Brasil, um setor que movimenta bilhões, mais atrativo a investidores, transparente e organizado era evidente e indiscutível e a criação da Lei SAF é um passo importante neste sentido, principalmente se os vetos acima expostos forem derrubados. Contudo, antes de discutirmos o modelo societário dos clubes, é necessário entender que a forma como os clubes são geridos no Brasil é o foco principal e precede qualquer alteração legal ou modelo societário, caso o contrário, teremos SAF mal geridas, não profissionais e sem atratividade para receber investimentos.
CONTATO
Jorge Gallo
Sócio
Setores
Esportes, Infraestrutura, Construção e Transporte, Mercado de Capitais, Serviços Financeiros(Fundos de Investimento e Gestão de Ativos)
Comentários