Breve análise do Plano Anual de Fiscalização para 2019 e Resultados de 2018
No dia 06 de maio de 2019 foi disponibilizado no sítio da Receita Federal na internet o Plano Anual de Fiscalização para 2019 e Resultados de 2018, que se destina a prestar contas à sociedade dos principais números e ações promovidas pela Fiscalização Federal em 2018 e das iniciativas que serão executadas em 2019 visando a transparência.
Trata-se de um importante meio para que o contribuinte possa analisar os referidos dados e, entendendo a sistemática de tributação da Receita Federal, traçar uma melhor estratégia de compliance fiscal para o ano que segue.
Diante disso, o presente artigo traz uma análise sintética dos principais aspectos relativos aos resultados apresentados pela Receita Federal e os pontos de atenção decorrentes do plano de fiscalização para este ano de 2019.
O presente artigo traz uma análise sintética de algumas ilegalidades verificadas nas disposições da IN RFB nº 1.862/18.
1. Resultados das Fiscalizações realizadas em 2018
Apesar de inferior ao ano de 2017, em razão da quantidade de auditorias externas e de revisão de declarações ter sido menor, o montante do crédito tributário constituído pela Receita Federal em 2018 superou as expectativas em 25,1%, o que, de acordo com a RFB, demonstra a capacidade da fiscalização em combater a sonegação fiscal.
Ainda com este viés, dá-se destaque à evolução do grau de aderência dos lançamentos efetuados pela fiscalização, que são aqueles mantidos na esfera administrativa e posteriormente pagos, parcelados, em cobrança administrativa ou encaminhados à Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional para cobrança judicial. Ou seja, são considerados mantidos todos aqueles que não foram julgados improcedentes na esfera administrativa.
Entretanto, apesar das menções de que dentre os lançamentos efetuados em 2010 apenas 22,3% dos valores foram julgados improcedentes e de que ainda restam 15,42% dos valores pendentes de julgamento administrativo, é importante mencionar que apenas 38,26% dos valores foram pagos ou parcelados, o que demonstra que, de fato, apenas 38,26% dos valores ingressaram nos cofres do Tesouro Nacional até o presente momento.
Também é importante mencionar que o grau de aderência apresentado pela Receita Federal não faz menção aos lançamentos mantidos por voto de qualidade no CARF.
No mais, a Receita Federal ressalta que o grau de aderência evoluiu após o ano de 2008, uma vez que uma parcela superior a 40% do total do crédito tributário foi pago, parcelado ou está garantido. Porém, cumpre mencionar que o montante que está garantido pode não ser convertido em renda da União Federal, não sendo, portanto, possível analisar o grau de aderência real através deste dado.Considerando que a análise de aderência não leva em consideração autuações canceladas em razão de decisão judicial, tem-se que a avaliação sobre a manutenção das autuações é parcial.
Além disso, o relatório indica um incremento no número de autuações. Um dos motivos para que esta possibilidade seja aventada é o estímulo ao aumento do valor médio das autuações por Auditor-Fiscal da Receita Federal desde a promulgação da Lei n° 13.464/2017, que instituiu o bônus de eficiência, apesar da referida lei ainda não ter sido devidamente regulamentada por meio de Ato do Comitê Gestor do Programa de Produtividade da Receita Federal do Brasil.
Destaca-se ainda que, apesar da Receita Federal afirmar que o montante de crédito tributário recuperado pela fiscalização em 2018 foi de R$ 186,93 bilhões, na verdade, o que se tem é que este é o montante de autuações, já acrescidos de juros e multas que variam de 75% a 150% do crédito tributário, mas a recuperação efetiva destes montantes dependerá, na maioria dos casos, de decisões tanto na esfera administrativa quanto na esfera judicial.
Além disso, apesar do artigo 24 da Lei n° 11.457/2007[i] estipular o prazo de 360 dias para a análise de impugnações e recursos administrativos, o Sindicato Nacional dos Auditores-Fiscais da Receita Federal (Sindifisco) afirma que o CARF leva em média de cinco a dez anos para julgar processos, o que levaria a quase 80 anos para finalizar o estoque de processos atualmente em trâmite[ii].
A Receita Federal não apresenta nenhuma informação a respeito do cancelamento de autuações pelo Poder Judiciário, provavelmente porque a cobrança nesta fase é feita pela Procuradoria da Fazenda Nacional, o que pode alterar substancialmente os dados apresentados no relatório ora em comento.
Além disso, o CARF ainda deixa de aplicar entendimentos consolidados nos Tribunais Superiores (Superior Tribunal de Justiça e Supremo Tribunal Federal) sob a alegação de que não houve o trânsito em julgado de uma decisão a respeito de determinada matéria, o que gera despesas para a União Federal com o pagamento de sucumbência em favor dos advogados dos contribuintes.
De forma a exemplificar as referidas decisões contrárias ao entendimento consolidado pelos Tribunais Superiores, cita-se a ementa abaixo, por meio da qual o CARF entendeu este ano que, apesar do STF ter fixado a tese de que “o ICMS não compõe a base de cálculo para incidência do PIS e da COFINS”[iii] em 2017, não se aplicaria o precedente por não se tratar de decisão definitiva, uma vez que ainda estão pendentes de análise os Embargos de Declaração opostos pela Fazenda Nacional.
“Assunto: Normas Gerais de Direito Tributário
Data do Fato Gerador: 30/06/2002
REPERCUSSÃO GERAL. ART. 15 DO CPC/2015. PROCESSO ADMINISTRATIVO. SOBRESTAMENTO. NÃO CABIMENTO.
Só há uma lacuna de ordem processual a ser colmatada pelo julgador no subsistema especial do processo administrativo fiscal com a aplicação por analogia de instituto do CPC, nos termos do seu art. 15, quando houver uma incompletude indesejável ou insatisfatória no referido subsistema.
Não é porque inexiste disposição normativa que determine o sobrestamento no âmbito do processo administrativo fiscal que se pode dizer que há uma lacuna a ser preenchida com o traslado de tal instituto do CPC para o processo administrativo fiscal.
A vinculação dos julgadores do CARF é unicamente às decisões definitivas de mérito referidas no art. 62, §2º do Anexo II do Regimento Interno do CARF, de forma que, enquanto ela não sobrevenha, o processo administrativo deve ser julgado normalmente em conformidade com a livre convicção do julgador e com os princípios da oficialidade e da presunção de constitucionalidade das leis.
PIS/COFINS. BASE DE CÁLCULO. INCLUSÃO DO ICMS. RECURSO REPETITIVO. STJ. TRÂNSITO EM JULGADO. CARF. REGIMENTO INTERNO.
Em 13.03.2017 transitou em julgado o Recurso Especial nº 1144469/PR, proferido pelo STJ sob a sistemática do art. 543-C do CPC/73, que firmou a seguinte tese: “O valor do ICMS, destacado na nota, devido e recolhido pela empresa compõe seu faturamento, submetendo-se à tributação pelas contribuições ao PIS/PASEP e COFINS, sendo integrante também do conceito maior de receita bruta, base de cálculo das referidas exações”, a qual deve ser reproduzida nos julgamentos do CARF a teor do seu Regimento Interno.
Em que pese o Supremo Tribunal Federal ter decidido em sentido contrário no Recurso Extraordinário nº 574.706 com repercussão geral, publicado no DJE em 02.10.2017, como ainda não se trata da decisão definitiva a que se refere o art. 62, §2º do Anexo II do Regimento Interno do CARF, não é o caso de aplicação obrigatória desse precedente ao caso concreto.
Recurso Voluntário negado.”[iv]
Destaca-se abaixo outro acórdão do CARF, contrário, desta vez, ao entendimento pacificado pelo STJ, no que tange a incidência de contribuições previdenciárias sobre verbas cuja natureza indenizatória já foi reconhecida em julgamento submetido à sistemática dos recursos repetitivos.
“Assunto: Contribuições Sociais Previdenciárias
Período de apuração: 01/07/2005 a 31/12/2007
CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS/ OBRIGAÇÃO PRINCIPAL/ REMUNERAÇÃO/ SALÁRIO DE CONTRIBUIÇÃO/ PRIMEIROS 15 DIAS DE AUXÍLIO DOENÇA, AUXÍLIO ACIDENTE
Os valores decorrentes da obrigação legal de pagar o salário devido ao empregado nos primeiros 15 dias de afastamento por doença/acidente caracteriza interrupção do contrato de trabalho, mantida sua característica de verba salarial, assim passível de sofrer a incidência das contribuições previdenciárias, patronal e a cargo do empregado.
SALÁRIO DE CONTRIBUIÇÃO. AVISO PRÉVIO.
O aviso prévio faz parte da retribuição que remunera o contrato de trabalho e que inexiste previsão de sua exclusão na norma tributária previdenciária impõe-se a exigência do tributo sobre essa rubrica da folha de pagamento quando o empregador não efetua seu recolhimento.
TERÇO CONSTITUCIONAL DE FÉRIAS. INCIDÊNCIA DE CONTRIBUIÇÃO. ART. 214, §4º, DO DECRETO nº 3048/99.
A remuneração de férias e seu respectivo adicional de que trata o inciso XVII do art. 7º da Constituição Federal possuem natureza remuneratória e, nessa condição, integram o salário de contribuição, para fins de incidência de contribuições previdenciárias, nos termos expressos no §4º do art. 214 do Regulamento da Previdência Social, aprovado pelo Dec. nº 3.048/99.
IMPOSSIBILIDADE DE OBSERVÂNCIA DE DECISÃO DO STJ. AUSÊNCIA DE TRÂNSITO EM JULGADO.
Nos termos art. 62 do Regimento Interno do CARF, aprovado pela Portaria 343 de 09 de junho de 2015, enquanto não transitado em Julgado decisão do STJ acerca da não incidência de contribuição previdenciária sobre um terço de férias, aviso prévio indenizado e 15 primeiros dias do auxílio doença ou auxílio acidente, não se pode afastar regra expressa do Decreto 3048/99 quanto à incidência de Contribuições Previdenciárias.
APLICAÇÃO DE PENALIDADE. PRINCÍPIO DA RETROATIVIDADE BENIGNA. LEI Nº 8.212/1991, COM A REDAÇÃO DADA PELA MP 449/2008, CONVERTIDA NA LEI Nº 11.941/2009. PORTARIA PGFN/RFB Nº 14 DE 04 DE DEZEMBRO DE 2009.
Na aferição acerca da aplicabilidade da retroatividade benigna, não basta a verificação da denominação atribuída à penalidade, tampouco a simples comparação entre dispositivos, percentuais e limites. É necessário, antes de tudo, que as penalidades sopesadas tenham a mesma natureza material, portanto que sejam aplicáveis ao mesmo tipo de conduta.
O cálculo da penalidade deve ser efetuado em conformidade com a Portaria PGFN/RFB nº 14 de 04 de dezembro de 2009, se mais benéfico para o sujeito passivo.”[v]
Assim, os resultados apresentados pela Receita Federal precisam ser analisados com parcimônia, uma vez que representam a visão do órgão sob o ponto de vista de lançamento e cobrança, sem levar em consideração a judicialização, que costumeiramente ocorre após o final do processo administrativo.
2. Plano de Fiscalização para 2019
A expectativa da Fiscalização da Receita Federal é de lançamento de ofício do montante de R$ 164,96 bilhões, de forma que 303.287 contribuintes com indícios de irregularidade já atraíram a atenção do Fisco.
Dentre as principais operações de fiscalização planejadas para o ano de 2019, se encontram (i) evasão nos setores de cigarros, de bebidas, papel imune e de combustíveis; (ii) setor de biodiesel/etanol; (iii) operações especiais de fiscalização, tais como Lava Jato, Fraudes de Títulos Públicos, Zelotes, Calicute, Fundos de Pensão, Repatriação e Acrônimo; (iv) agentes públicos; (v) Panamá Papers; (vi) aposentadorias especiais; (vii) ativos no exterior; (viii) contribuição previdenciária; (ix) construção civil; (x) reorganizações societárias e operações com partes relacionadas; (xi) planejamentos tributários abusivos; (xii) benefícios para falsos investidores estrangeiros e outros incentivos fiscais; e (xiii) algumas atuações em âmbito regional ou local.
Abaixo tecemos algumas considerações acerca das fiscalizações que requerem maior atenção.
2.1 Ativos no Exterior – Operação Repatriação
Com relação a ativos no exterior, a Receita Federal destaca que constituiu uma equipe especial de fiscalização visando verificar a regularidade de contribuintes que aderiram ao Regime Especial de Regularização Cambial e Tributária (RERCT).
O RERCT possibilitou a recuperação de mais de R$ 150 bilhões de ativos e objetivava recuperar ativos que não haviam sido declarados ou haviam sido declarados incorretamente, remetidos ou mantidos no exterior por residentes ou domiciliados no País.
As averiguações programadas buscam por elementos que possam indicar sonegação tributária, como o caso de contribuintes que aderiram ao RERCT, mas consignaram valores módicos para efeitos de regularização, na tentativa de aproveitamento dos benefícios do RERCT sem a consignação da totalidade dos valores associados às condutas infracionais.
2.2 Construção Civil
A Receita Federal indica que irá fiscalizar este setor visando coibir, principalmente, sonegações decorrentes de permutas, de redução de base de cálculo e de enquadramento indevido no Regime Especial de Tributação (RET).
No que tange à tributação de permutas imobiliárias, cumpre destacar o entendimento da Receita Federal acerca da incidência de IRPJ, CSLL, PIS e COFINS quando a pessoa jurídica realiza a apuração por meio do regime do lucro presumido.
A Receita Federal e o CARF entendem que o valor do imóvel recebido se caracteriza como receita bruta, devendo ser incluído na apuração no regime do lucro presumido. É o que se extrai do Parecer Normativo Cosit n° 9/2014, que permanece sendo aplicado pelo CARF, conforme as recentes ementas abaixo:
Assunto: Imposto sobre a Renda de Pessoa Jurídica – IRPJ
Ano-calendário: 2001, 2002, 2003, 2004
Ementa:
OMISSÃO DE RECEITA. VENDA DE IMÓVEIS. IN SRF n°. 107/88 APLICÁVEL SOMENTE NO REAL. NOS CASOS LUCRO PRESUMIDO É OBRIGATÓRIA A TRIBUTAÇÃO SOBRE AS VENDAS DE IMÓVEIS
O fato de que a empresa optar pelo regime de apuração tributária, com base no lucro presumido obriga o oferecimento à tributação de todo o valor das permutas.[vi]
***
Assunto: Imposto sobre a Renda de Pessoa Jurídica – IRPJ
Ano-calendário: 2012, 2013
(…)
RECEITA TRIBUTÁVEL. PERMUTA DE BENS IMÓVEIS. LUCRO PRESUMIDO.
Nas empresas que adotem o regime do Lucro Presumido, o valor do bem alienado em forma de permuta deve ser tratado como receita e oferecido à tributação. Havendo torna, tal montante se agrega à receita e igualmente deve ser tributado. Se a permuta envolver bem do não circulante, a tributação deverá ocorrer na forma de ganho de capital e não como resultado da atividade operacional da contribuinte. (…)”[vii]
No entanto, tal entendimento contraria a posição do STJ de que “o contrato de troca ou permuta não deverá ser equiparado na esfera tributária ao contrato de compra e venda, pois não haverá, na maioria das vezes, auferimento de receita, faturamento ou lucro na troca” (Recurso Especial nº 1.733.650/SC).
Ainda que a matéria não tenha sido julgada sob o rito dos recursos repetitivos no STJ, é importante destacar que o entendimento da Receita Federal é prejudicial aos contribuintes que optam pela apuração de lucro presumido, uma vez que o valor do imóvel recebido é tributado, mas o valor do imóvel entregue não representa nenhum abatimento, tornando-se importante se atentar a este fato, seja para evitar eventuais questionamentos pelo Fisco, ou para preventivamente buscar a tutela do Poder Judiciário que declare a inexistência de obrigação jurídico-tributária de incluir o valor do imóvel recebido na base de cálculo do IRPJ, CSLL, PIS e COFINS.
2.3 Reorganizações societárias e operações com partes relacionadas
No que se refere às reorganizações societárias e às operações com partes relacionadas, a Receita Federal ressalta que dedicará atenção, principalmente, à fiscalização de operações que envolvam o aproveitamento de ágio ou a triangulação nas exportações, visando coibir planejamentos tributários abusivos pelas empresas multinacionais.
Apenas no que tange ao aproveitamento de ágio desconsiderado pela Receita Federal nos últimos anos, foram encerrados 160 procedimentos fiscais com a constituição de crédito tributário no montante de R$ 56,6 bilhões.
A Receita Federal indica que tem dado maior importância à análise da apuração dos lucros e dos prejuízos de empresas sediadas no exterior controladas por empresas brasileiras, pretendendo reprimir, desta forma, a amortização de ágio intragrupo considerada abusiva que reduza o lucro das empresas domiciliadas no exterior, o qual seria objeto de tributação no Brasil por meio da tributação de lucros no exterior.
Com relação à triangulação nas exportações, tem sido verificado se os preços praticados nas operações de exportação para empresas localizadas em países com tributação favorecida têm sido subfaturados e se as operações realizadas por meio da triangulação apresentam propósito negocial e substrato econômico.
A Receita Federal reafirma a relevância do combate a planejamentos tributários considerados abusivos, uma vez que para 2019, já foram programados 31 novos casos a serem auditados, com valor esperado de lançamento da ordem de R$ 8 bilhões.
Entretanto, a análise do que torna um planejamento tributário abusivo é extremamente casuística, tornando-se pertinente, então, analisar recentes acórdão do CARF sobre o tema para demonstrar as balizas consideradas para que um tipo de planejamento tributário passe a ser considerado abusivo.
A Câmara Superior de Recursos Fiscais, por meio de recente acórdão, caracterizou como abusiva a reorganização societária sem propósito negocial outro que não fosse a amortização do ágio como despesa dedutível, bem como entendeu aplicável a multa qualificada de 150% para este caso:
“Assunto: Imposto sobre a Renda de Pessoa Jurídica – IRPJ
Ano-calendário: 2004, 2005, 2006, 2007
ÁGIO. REORGANIZAÇÃO SOCIETÁRIA. FALTA DE PROPÓSITO NEGOCIAL. INEFICÁCIA.
A reorganização societária na qual inexista motivação outra que não a criação artificial de condições para obtenção de vantagens tributárias é inoponível à Fazenda Pública. Negada eficácia fiscal ao arranjo societário sem propósito negocial, restam não atendidos os requisitos para a amortização do ágio como despesa dedutível, impondo-se a glosa da despesa e a recomposição da apuração dos tributos devidos.
ÁGIO DE SI MESMO. INCONSISTÊNCIA.
Carece de consistência econômica ou contábil o ágio surgido no bojo de entidades sob o mesmo controle, o que obsta que se admitam suas consequências tributárias.
(…)
Assunto: Normas Gerais de Direito Tributário
Ano-calendário: 2004, 2005, 2006, 2007
ATO SOCIETÁRIO SEM PROPÓSITO NEGOCIAL. ÁGIO DESPROVIDO DE SUBSTÂNCIA ECONÔMICA. PROCEDÊNCIA DA MULTA QUALIFICADA.
Se os fatos retratados nos autos deixam fora de dúvida a intenção do contribuinte de, por meio de ato societário desprovido de propósito negocial, gerar ágio artificial, despido de substância econômica e, com isso, reduzir a base de incidência de tributos, deve-se resguardar a qualificação da multa aplicada pela Fiscalização.”[viii]
No mais, as ementas abaixo, demonstram que as turmas do CARF aplicam este mesmo entendimento, no sentido de que, em operações nas quais a única motivação coerente para a reorganização societária seja a redução da carga tributária, caracteriza-se a ausência de proposito negocial e, portanto, a redução tributária é desconsiderada.
“Assunto: Imposto sobre a Renda de Pessoa Jurídica – IRPJ
Ano-calendário: 2011, 2012
REORGANIZAÇÃO SOCIETÁRIA. CISÃO PARCIAL. TRANSFERÊNCIAS DE ATIVOS MOBILIÁRIOS. PARTICIPAÇÕES SOCIETÁRIAS. OPERAÇÕES ESTRUTURADAS EM SEQÜÊNCIA E SEM PROPÓSITO NEGOCIAL. EMPRESA VEÍCULO. ÁGIO DE SI MESMO GERADO INTRAGRUPO.
A outorga da dedutibilidade da amortização do ágio de cisão parcial inserida em um contexto de operações estruturadas e coordenadas em sequência no âmbito de reestruturação societária demanda que as transações estejam regularmente amparadas em atos empresariais não atingidos por manobras artificiais ou vícios sociais albergados por práticas abusivas entre companhias participantes do mesmo grupo societário.
Demonstrada a irregularidade do arranjo societário ante a ausência de propósito negocial e da artificialidade de transações engendradas intragrupo, torna imperativo a manutenção dos efeitos da glosa promovida em decorrência da configuração de ágio de si mesmo gerado derivado de operações de cisão parcial entre partes relacionadas.
DA AMORTIZAÇÃO DE ÁGIO PROVENIENTE DE CISÃO PARCIAL. LAUDO DE AVALIAÇÃO. DEMONSTRAÇÃO INEFICAZ DA ORIGEM E FUNDAMENTO ECONÔMICO DO ÁGIO. FLUXO FINANCEIRO INEXISTENTE. INTERMEDIAÇÃO DO NEGÓCIO JURÍDICO ENTRE PARTES RELACIONADAS. ÁGIO ARTIFICIAL. MOTIVAÇÃO IMPRÓPRIA PARA A GERAÇÃO DO SOBREPREÇO. INDEDUTIBILIDADE.
De acordo com os termos da legislação de regência, a dedutibilidade da amortização de ágio proveniente de aquisição de negócio empresarial mediante cisão parcial de pessoa jurídica demanda a plena observância dos seguintes requisitos essenciais: (i) a realização da transação societária entre partes não relacionadas e independentes; (ii) o efetiva demonstração do fluxo financeiro que evidencie o pagamento do custo aquisição celebrado entre as partes, incluindo-se o montante do ágio; (iii) demonstração do respectivo fundamento econômico do ágio gerado na operação societária que norteou a deliberação em assembleia do corpo diretivo do conglomerado, respeitada as hipóteses prescritas na legislação de regência.
Outrossim, a interpretação sistemática das normas aplicáveis mostra ser compulsório que a prova de demonstração do fundamento do ágio designe a representação fidedigna da negociação empresarial e seja contemporânea às efetivas razões da tomada de decisão pelo adquirente para celebração da relação contratual pelo preço estabelecido.
Evidenciado que o bojo das transações das companhias advém de centralização decisória da cúpula diretiva do conglomerado, não viabiliza reconhecer a pertinência da mais valia aferida no investimento societário, porquanto resultante de processo imparcial de precificação, pois desprovido negociação em ambiente de livre mercado e independência entre as partes contratantes.
As operações de arranjo societário entre companhias integrantes do mesmo grupo econômico cuja indução das transações revela-se tendente à criação de um ágio artificial destinado à redução imprópria da base imponível do imposto de renda, bem assim a obtenção vantagem tributária indevida desamparada de propósito negocial, são circunstâncias bastantes para determinar a perda da eficácia do sobrepreço avaliado e ratificar a negativa de dedutibilidade das parcelas de amortização de ágio computadas no resultado fiscal do impugnante.(…)”[ix]
***
“Assunto: Imposto sobre a Renda de Pessoa Jurídica – IRPJ
Ano-calendário: 2011, 2012
ÁGIO INTERNO. APROVEITAMENTO TRIBUTÁRIO. IMPOSSIBILIDADE.
A hipótese de incidência tributária da possibilidade de dedução das despesas de amortização do ágio, prevista no art. 386 do RIR, de 1999, requer a participação de uma pessoa jurídica investidora originária, que efetivamente tenha acreditado na “mais valia” do investimento e feito sacrifícios patrimoniais para sua aquisição; se inexistentes tais sacrifícios, notadamente em razão do fato de alienante e adquirente integrarem o mesmo grupo econômico e estarem submetidos a controle comum, evidencia-se a artificialidade da reorganização societária que, carecendo de propósito negocial e substrato econômico, não tem o condão de autorizar o aproveitamento tributário do ágio que pretendeu criar.
TRIBUTAÇÃO REFLEXA.
Sendo a tributação decorrente dos mesmos fatos e inexistindo razão que demande tratamento diferenciado, aplica-se à CSLL o quanto decidido em relação ao IRPJ.”[x]
Em relação às operações com partes relacionadas, a Receita Federal já fez uma reunião de conformidade com exportadores do setor cítrico, uma vez que cerca de 85% das exportações de laranjas são para empresas do mesmo grupo sediadas no exterior, para tratar da fixação do preço de operações que não são realizadas no mercado aberto.
Ainda nas operações com partes relacionadas, a fiscalização da Receita Federal irá comparar o fluxo das mercadorias exportadas com o fluxo financeiro, em razão de o pagamento ocorrer em países como a Suíça ou as Ilhas Cayman mas as mercadorias serem remetidas para outros países.
3. Conclusão
Sem a pretensão de esgotar o tema ou formalizar o prévio entendimento acerca de qualquer dos pontos abordados no plano de fiscalização da RFB, este artigo destacou as principais ações da Receita Federal visando auxiliar os contribuintes a traçar uma melhor estratégia de compliance fiscal para o ano que segue.
Ademais, é importante apontar que a Receita Federal apresenta dados para demonstrar o volume de tributos federais por ela fiscalizados que são objeto de autuações, mas isso não representa efetivo ingresso para os cofres públicos. Além disso, a análise da Receita Federal também não leva em consideração as autuações que são discutidas no Poder Judiciário após o fim de esfera administrativa, nem mesmo o custo da estrutura mantida para fazer a cobrança dos valores lançados.
[i] “Art. 24. É obrigatório que seja proferida decisão administrativa no prazo máximo de 360 (trezentos e sessenta) dias a contar do protocolo de petições, defesas ou recursos administrativos do contribuinte.”
[ii] https://www.conjur.com.br/2019-fev-05/auditores-receita-propoem-governo-fim-carf
[iii] Tema 69 da repercussão geral – Recurso Extraordinário n° 574.706, Relatora Ministra Cármen Lúcia, Tribunal Pleno, julgado em 15/03/2017, DJe 29/09/2017
[iv] Processo Administrativo n° 10980.940183/2011-26 – Acórdão n° 3402-006.283 – Sessão em 26/02/2019.
[v] Processo Administrativo n° 13609.000593/2010-97 – Acórdão n° 9202-006.464 – Sessão em 30/01/2018.
[vi] Processo Administrativo n° 11080.004659/2006-11 – Acórdão n° 1302-003.007 – Sessão em 15/08/2018.
[vii] Processo Administrativo n° 10803.720032/2015-28 – Acórdão n° 1402-002.874 – Sessão em 19/02/2018.
[viii] Processo Administrativo n° 16561.000059/2009-29 – Acórdão n° 9101-003.885 – Sessão em 07/11/2018.
[ix] Processo Administrativo n° 16682.722573/2016-71 – Acórdão n° 1302-003.160 – Sessão em 17/10/2018.
[x] Processo Administrativo n° 16682.722013/2015-36 – Acórdão n° 1201-002.357 – Sessão em 15/08/2018.
Autores:
Guilherme Cezaroti
Associado da Área Tributária
guilherme.cezaroti@cmalaw.com
Fernanda Bezerra de Oliveira
Associada da Área Tributária
fernanda.oliveira@cmalaw.com
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