Câmara dos Deputados aprova projeto de lei que cria regras para pesquisas clínicas com seres humanos e institui o Sistema Nacional de Ética que regerá as pesquisas clínicas
Na última quarta-feira (29), foi aprovado pela Câmara dos Deputados o Projeto de Lei n. 7082/2017 (PL 7082/2017), que regulamenta a pesquisa clínica com seres humanos e institui o Sistema Nacional de Ética em pesquisas clínicas com seres humanos. O texto já havia sido aprovado pelo Senado, mas retorna à análise dos Senadores em virtude das modificações propostas pela Câmara.
O tema atualmente é regrado por normas infralegais do Conselho Nacional de Saúde (CNS) e da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), e o projeto de lei propõe justamente criar o marco legal para esta frente.
O texto aprovado, do deputado federal relator, Pedro Westphalen, estabelece os direitos que terão os participantes voluntários das pesquisas, notadamente garantias de privacidade, tratamento de dados, indenizações, necessidade de autorização expressa e prévia à participação, entre outros, e os deveres atribuídos aos pesquisadores, patrocinadores e entidades envolvidas na propositura, na autorização e no desenvolvimento e conclusão das pesquisas.
Entre as principais alterações às regras vigentes trazidas pelo Projeto de Lei, temos (i) a redução dos prazos concedidos às entidades competentes para análises e aprovações; (ii) a definição pelo Poder Executivo quanto ao registro, a capacitação e a fiscalização dos Comitês de Ética em Pesquisa (CEP), e não mais pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP), órgão vinculado ao CNS; (iii) a vinculação do CEP à instituição responsável pela pesquisa, e (iv) a alteração das regras de acesso aos métodos e diagnósticos aprovados nas pesquisas clínicas aos seus participantes.
As mudanças propostas, por sua vez, não são um consenso entre os entes envolvidos.
Os extensos prazos concedidos aos órgãos competentes para aprovação e desenvolvimento de pesquisas clínicas nos regramentos vigentes torna os processos bastante morosos em comparação aos praticados por tantos outros países da Europa e dos Estados Unidos da América, assim como na América Latina, atravancando o interesse de investimentos no país neste setor, em que pese a capacidade, potencialidade e relevância nacional para a realização de pesquisas clínicas – o que restou amplamente evidenciado durante a pandemia, quando desenvolvidos estudos clínicos para quatro vacinas contra a COVID-19.
A expectativa, portanto, é de que a aprovação do Marco Legal culmine com o incremento e a aceleração consideráveis de realização de pesquisas clínicas no território brasileiro, beneficiando não só os pacientes, mas o setor da saúde como um todo.
Com relação às demais mudanças propostas pelo Marco Legal, notadamente a possibilidade de os CEPs funcionarem de maneira independente e com regramento próprio, ficando à cargo do Poder Executivo determinar o órgão responsável por registrá-los, fiscalizá-los e capacitá-los, e a vinculação dos CEPs às instituições responsáveis pela realização das pesquisas clínicas, algumas preocupações do ponto de vista ético e de segurança dos pacientes foram suscitadas pelo CONEP, órgão que, pela regulamentação vigente, é responsável pela análise ética de protocolos de pesquisas de alta complexidade, de projetos de pesquisas propostos pelo Ministério da Saúde e de protocolos de pesquisas de média e de baixa complexidade, após aprovação prévia pelo CEP competente.
Esta reformulação representaria uma alteração significativa na regulação proposta para o Brasil. Isso suscita reflexões pertinentes, considerando que nos Estados Unidos e na Europa, normalmente, entidades independentes, tais como o Institutional Review Board (IRB) nos EUA e o Research Ethics Committee (REC) na Europa, desempenham um papel crucial na avaliação ética e na supervisão contínua das pesquisas.
As entidades públicas relacionadas ao CONEP se posicionam de forma contrária à sua não participação no regramento ético das pesquisas clínicas, visto que, conforme disposto no projeto de lei aprovado, serão realizadas de forma independente pelos CEPs que, por sua vez, estarão vinculados às instituições responsáveis pela realização dos estudos, o que fragilizaria as diretrizes éticas nacionais vigentes.
O contraponto dos que defendem o Marco Legal, especialmente os grupos de pacientes e a classe médica, maiores interessados e incentivadores de regramento adequado e célere para esta frente, é no sentido de que as regras éticas, bem como as técnicas e científicas, serão integralmente preservadas, inerentes, inclusive, à realização das atividades de todos os entes envolvidos no processo, públicos e privados.
Por fim, as regras de acesso aos tratamentos resultantes das pesquisas clínicas concluídas aos seus participantes propostas pelo projeto de lei, que divergem do previsto na Resolução do Conselho Nacional de Saúde vigente, também foi objeto de críticas pelos que votaram em seu desfavor, sugerindo que os participantes e o SUS seriam prejudicados. Entretanto, o texto aprovado não exclui do paciente o direito de acesso ao tratamento, mas tão somente estabelece regras para sua obtenção e manutenção.
Independentemente das divergências de entendimentos suscitadas pelas classes interessadas e envolvidas nas pesquisas clínicas para com relação ao projeto de lei aprovado pela Câmara dos Deputados na última semana, e cujas repercussões e discussões devem prosseguir agora no Senado, inconteste que a atualização das normas no âmbito da saúde e a criação do Marco Legal para subsidiar as pesquisas clínicas de forma consistente e segura é premente e fundamental para o desenvolvimento do setor no Brasil.
A perspectiva de posicionar o Brasil entre os dez principais países no ranking global de Pesquisa Clínica é particularmente instigante. A aprovação do projeto é vista como um catalisador para estabelecer no país um sistema jurídico sólido, ético e cientificamente robusto. O reconhecimento da competência dos pesquisadores brasileiros, sua participação destacada em estudos clínicos durante a pandemia e as características únicas do Brasil, como diversidade étnica e um ecossistema de saúde sólido, são elementos que contribuirão para a competitividade nacional nesse cenário global.
O impacto econômico será substancial, com projeções que alcançam múltiplos bilhões de reais, o que reforça a ideia de que a aprovação do projeto não apenas impulsionará a pesquisa clínica, mas também gerará benefícios significativos para o país.
Por fim, e não menos importante, a harmonização das regras em pesquisas clínicas desempenha um papel crucial no contexto da globalização. A natureza transfronteiriça da pesquisa clínica implica colaboração internacional, e a presença de regulamentações diversas pode criar obstáculos e atrasar o avanço científico. A busca por uma legislação internacionalmente alinhada não apenas simplifica a realização de estudos multicêntricos, mas também reforça a confiança no sistema global de pesquisa. E, dada a globalização da informação e dos avanços científicos, é imperativo adotar uma abordagem unificada para garantir a segurança dos participantes, a integridade dos dados e a eficiência na obtenção de resultados. Nesse contexto, a aprovação do Marco Legal no Brasil representa um passo significativo em direção à harmonização das normas em pesquisas clínicas, promovendo o avanço ético e seguro da ciência.
Definitivamente, a interseção entre avanços científicos, desenvolvimento econômico e melhoria da qualidade de vida dos pacientes é, sem dúvida, um ponto central na aprovação deste PL.
O presente artigo descreve o pensamento atual do Campos Mello Advogados sobre estes temas e não deve ser visto como um parecer jurídico.
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