CO-WORKING: O MERCADO IMOBILIÁRIO BRASILEIRO NA ECONOMIA COLABORATIVA 30 abr 2018

CO-WORKING: O MERCADO IMOBILIÁRIO BRASILEIRO NA ECONOMIA COLABORATIVA

Após a crise financeira de 2008, o mercado – globalizado e conectado – passou a focar no aproveitamento de novas ideias, visando redução de custos, sustentabilidade e flexibilidade. Essa quebra de paradigma propiciou o surgimento de estruturas colaborativas nos mais diversos segmentos da economia, especialmente na área imobiliária.

O primeiro registro de escritório compartilhado ocorreu em Nova Iorque, nos anos 90 e desde então a estrutura vem ganhando espaço em todo o mundo.

Em meio à crise do setor imobiliário, o compartilhamento de ativos se mostrou um caminho vantajoso, vez que os espaços de co-working oferecem uma solução aos problemas de ociosidade de espaço e altos custos de manutenção, aliada à criação de ambientes de cooperação e networking entre seus usuários. Os serviços administrativos agregados ainda auxiliam as microempresas e autônomos a focarem exclusivamente no seu “core business” deixando para os ofertantes de espaços compartilhados as questões burocráticas.

Uma pesquisa independente aponta que até Dezembro de 2017 havia 18.900 espaços operacionais no mundo, com uma média de 130 membros por espaço[1], dominado em sua maioria por empresas especializadas neste segmento, mas atraindo também players tradicionais do mercado imobiliário[2].

No Brasil, o co-working também provocou uma ruptura ao uso do bem imóvel tradicional. Atualmente, existem mais de mil espaços compartilhados em operação, gerando mais de cinco mil empregos diretos e mais de um milhão de empregos indiretos[3]. Seguindo o exemplo de Miami, já existe um projeto em curso em São Paulo que integra, no mesmo prédio, espaços de co-working e residências temporárias (co-living), cujo foco são empreendedores de outros estados ou municípios que buscam estar próximos e integrados ao maior centro financeiro do país8.

Os contratos temporários utilizados por essas estruturas vêm beneficiando pessoas físicas, freelancers, startups, micro e pequenas empresas, empresários individuais, autônomos e até mesmo incubadoras de grandes empresas. Como resultado, os contratos de locação de longo-prazo tradicionais estão sendo substituídos por relações jurídicas mais flexíveis.

O desafio atual no âmbito do ordenamento brasileiro é definir o regime jurídico aplicável a tais estruturas colaborativas, vez que se referem a contratos híbridos de cessão de uso de espaços equipados com serviços correlatos.

Importante destacar, contudo, que não se trata de um assunto plenamente ignorado pela legislação brasileira. Há um projeto de lei de n° 8.300/2017 do Congresso Nacional que pretende, dentre outros temas, regular o co-working.

Um ponto interessante é que tal projeto pretende categorizar a atividade de co-working como uma prestação de serviço e não uma relação locatícia. Essa qualificação gera impactos tributários, tanto em relação às obrigações principais quanto às acessórias.

Adicionalmente, o Município de São Paulo – visando majorar o controle tributário sobre esses novos negócios – promulgou a Lei n° 16.757/2017 que determina responsabilidade solidária dos prestadores de co-working pelo pagamento de ISS de seus usuários (locatários/contratantes), quando estes não estiverem devidamente registrados na Prefeitura de São Paulo.

A lei paulista vem sendo duramente criticada. Suas premissas se opõem ao modelo de negócio de espaço compartilhados – baseado justamente na flexibilidade, livre iniciativa e não interferência nas atividades dos usuários – ao estabelecer aos prestadores de serviços um papel de supervisão sobre as atividades desempenhadas por cada um de seus usuários, sob pena de responsabilizar-se por passivos tributários destes7.

Por outro lado, é interessante ressaltar que a interpretação adotada pelo Projeto de Lei n° 8.300/2017 – que qualifica o co-working como um serviço, afastando-o de uma relação locatícia – também pode se alinhar aos interesses dos players de co-working, visto que a lei de locações (n° 8.245/1991) é considerada protetiva aos locatários em parte de suas disposições.

Em linhas gerais, a lei de locações permite a denuncia vazia (imotivada) pelo locatário, a qualquer tempo, mediante o pagamento de multa proporcional ao tempo de ocupação pactuada. Ao passo que, para o locador, a lei de locações impõe determinadas condições para a rescisão antecipada como, por exemplo, o inadimplemento pelo locatário; ausência superveniente da garantia locatícia; determinação de obras urgentes no imóvel pelo poder público; retomada para uso próprio do locador ou outras circunstâncias específicas em caso de venda do imóvel.

Como demonstrado acima, a falta de uma regulamentação desse modelo de negócio novo no mercado, torna imprescindível a elaboração de uma estrutura contratual sólida para regular esses espaços compartilhados, notadamente pelo fato de que o próprio conceito de co-working encontra-se em constante evolução.

Assim, enquanto a própria atividade econômica se reinventa, o direito busca acompanhar tal evolução, seja através do enquadramento do negócio ao arcabouço legal vigente, seja através da promulgação de novas leis, mas nunca se afastando da importância de uma estrutura contratual bem formatada ao caso concreto.

 

CONTATOS:
Rafael Bussière
Sócio da área tributária
T: +55 21 3262-3048
E: rbussiere@cmalaw.com

Ana Beatriz Barbosa
Associada da área tributária
T: +55 21 3262-3012
E: ana.barbosa@cmalaw.com

 

[1] 2018 Global Coworking Survey, artigo de Carsten Foertsch, referente ao 2018 Global Coworking Survey, que foi patrocinado por Nexudus, Essensys & WUN Systems. Vide: http://www.deskmag.com/en/1-7-million-members-will-work-in-coworking-spaces-by-the-end-of-2018-survey, acesso em 26/03/2018.

[2] A título exemplificativo, o grupo hoteleiro  francês AccorHotels recentemente associou-se com a NextDoor, braço de co-working da Bouygues Immobilier. Vide: https://www.lopinion.fr/edition/economie/geants-l-immobilier-se-mettent-coworking-133291, acesso em 26/03/2018

[3] Conforme a exposição de motivos do Projeto de Lei n° 8.300/2017 e conforme pesquisa feita pela Associação Nacional de Coworking e Escritórios Virtuais – ANCEV. Vide: http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2147960, acesso em 26/03/2018

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