Conceito de Desempenho do Fornecedor nas licitações da Petrobras: quais os fundamentos jurídicos e como o critério é aplicado na prática
Por Carolina Caiado e Carolina Pazzoti
Com o advento da Lei nº 14.133/2021 (Nova Lei de Licitações) e da Lei nº 13.303/2016 (Lei das Estatais), a Administração Pública passou a dispor de maior discricionariedade para avaliar a capacidade técnica das empresas licitantes nas contratações públicas. Ambas as normas conferem à Administração a prerrogativa de definir, conforme as peculiaridades do objeto contratual, os requisitos de habilitação técnica que deverão ser atendidos para comprovar a experiência prévia dos licitantes.
No âmbito da Lei nº 14.133/2021, o art. 67, III, indica os documentos que poderão ser exigidos para comprovação da capacidade técnico-operacional e técnico-profissional das licitantes. Ao tratar dos atestados de capacidade técnica, a Lei admite a apresentação de documento emitido na forma do art. 88, § 3º. Tal dispositivo refere-se ao registro da avaliação da performance do contratado no curso da prestação de serviços ou fornecimento à entidade pública.
Segundo o art. 88, § 3º, o documento registrará a avaliação do cumprimento das obrigações de contratados da administração pública, com menção ao seu desempenho na execução contratual, baseado em indicadores objetivamente definidos e aferidos, e a eventuais penalidades aplicadas.
Por outro lado, o art. 67, § 3º, prevê que, a critério da administração pública, os atestados de capacidade técnica e demais documentos listados no dispositivo poderão ser substituídos por outra prova de que o profissional ou a empresa possui conhecimento técnico e experiência prática na execução de serviço de características semelhantes, hipótese em que as provas alternativas aceitáveis deverão ser previstas em regulamento. Tal alternativa somente não poderá ser aplicável para a contratação de serviços e obras de engenharia, cuja verificação da capacidade técnica é mais hermética.
A Lei nº 13.303/2016, por sua vez, em seu art. 58, inciso II, dispõe que a qualificação técnica será apreciada de acordo com parâmetros definidos em edital. A análise de ambas as leis revela evolução da legislação no que toca aos requisitos de habilitação técnica. Tanto a Nova Lei de Licitações quanto a Lei das Estatais não impõem rol taxativo de documentos necessários à aferição da capacidade técnica das licitantes, conferindo à administração pública a prerrogativa de definir os requisitos de habilitação técnica adequados ao objeto licitado.
Histórico do fornecedor
Nesse contexto, destaca-se a iniciativa da Petrobras, que passou a adotar em suas licitações o chamado Conceito de Desempenho do Fornecedor. Trata-se de parâmetro que considera o histórico de atuação dos fornecedores em contratações anteriores, com base em critérios internos definidos pela própria estatal. Esse conceito é derivado de avaliações periódicas realizadas com base no Índice de Desempenho do Fornecedor (IDF), que avalia o histórico de fornecimento de bens e serviços à estatal. A nota atribuída ao fornecedor pode influenciar diretamente sua participação em novas contratações, seja como fator de desempate, seja como requisito de habilitação técnica.
Desde a criação do Conceito de Desempenho do Fornecedor pela Petrobras, muitos licitantes vêm questionando se o referido parâmetro é utilizado como um critério técnico de julgamento das propostas ou como requisito de habilitação técnica. Também há muito litígio judicial e administrativo questionando a legalidade do parâmetro.
A solução da controvérsia passa, em primeiro lugar, por distinguir os dois conceitos que, embora relacionados, possuem finalidades distintas no processo licitatório: requisitos de habilitação técnica e critério técnico de julgamento da proposta.
Os requisitos de habilitação técnica têm como objetivo verificar se o licitante possui experiência técnica necessária para executar adequadamente o objeto da contratação. Trata-se, portanto, de avaliação voltada à experiência anterior das licitantes, tanto sob a perspectiva da sociedade licitante (capacidade técnico-operacional) quanto dos profissionais que serão alocados na prestação dos serviços (capacidade técnico-profissional), conforme o caso. A habilitação técnica poderá existir em qualquer licitação, independentemente do critério de julgamento das propostas que venha a ser adotado pela entidade licitante.
Por outro lado, nas licitações cujo critério de julgamento das propostas seja a combinação da melhor técnica e preço, o critério técnico definido no edital será utilizado para parametrizar e julgar a adequação técnica das propostas em si. O critério técnico de julgamento está relacionado à avaliação da proposta apresentada. Não se trata de avaliação da experiência das licitantes ou de seus profissionais.
Isto posto, verifica-se que o Conceito de Desempenho do Fornecedor é um requisito de habilitação técnica, que visa a impedir que fornecedores com histórico insatisfatório de execução contratual sejam novamente selecionados em processos licitatórios. Trata-se de uma medida voltada a assegurar que apenas empresas tecnicamente qualificadas e com desempenho comprovadamente adequado possam contratar com a Petrobras.
Na prática
A título exemplificativo, e considerando a finalidade desse requisito de habilitação técnica, caso um fornecedor que tenha apresentado falhas relevantes em contratos anteriores com a Petrobras estivesse participando de outro processo licitatório e solicitasse à Petrobras a emissão de atestado de capacidade técnica, a estatal não o concederia, justamente por entender que o desempenho insatisfatório compromete a comprovação da aptidão técnica exigida para a habilitação.
A utilização do Conceito de Desempenho do Fornecedor pela Petrobras como requisito de habilitação técnica encontra respaldo no ordenamento jurídico vigente. Isto porque a Lei nº 13.303/2016, por meio do art. 58, II, conferiu às empresas estatais maior autonomia para estabelecer os critérios de qualificação técnica em seus processos licitatórios, facultando à Petrobras a prerrogativa de definir, mediante o instrumento convocatório, os parâmetros utilizados para a verificação da capacidade técnica dos licitantes. Portanto, não há qualquer ilegalidade na sua aplicação e exigência em editais de licitação da Petrobras.
Entendimento
O Tribunal de Contas da União (TCU) reconheceu que o art. 58, II da Lei 13.303/2016 confere discricionariedade à Petrobras para definir os parâmetros de aferição da qualificação técnica das licitantes, sendo possível a utilização do Conceito de Desempenho do Fornecedor, desde que devidamente previsto no edital da licitação[1].
Nesse mesmo sentido se posicionou o Tribunal Regional Federal da 6ª Região, ao entender que as questões relativas ao desempenho do licitante não são meramente formais, sendo descabida a pretensão que vise a substituir os critérios de conveniência e oportunidade escolhidos legitimamente pela administração pública[2].
Todavia, verifica-se que, até o momento, a Petrobras não dispôs em seu Regulamento de Licitações e Contratos (RLCP) de critérios de saneamento e reabilitação dos fornecedores que não atendam ao Conceito de Desempenho do Fornecedor. O RLCP tampouco prevê qual periodicidade de atualização de tal conceito.
A ausência de disposições nesse sentido impede que um licitante com baixo desempenho volte a participar de processos licitatórios promovidos pela estatal, o que se mostra desarrazoado, tendo em vista que nem mesmo a declaração de inidoneidade perdura por tempo indeterminado. Portanto, é essencial que a Petrobras aprimore seus processos para viabilizar critérios que permitam avaliar a reabilitação do fornecedor, estabelecendo parâmetros para que tais fornecedores possam voltar a participar em novos processos licitatórios.
____________________________________________________________________________________________
[1] Acórdão nº 1312/2023 – TCU – Plenário – PROCESSO Nº: TC 002.118/2023-8 – Representação – Relator: Ministro Jorge Oliveira – Data da Sessão: 28/6/2023 – Ordinária. Acesso em 24.07.2025
[2] Mandado de Segurança Cível nº 1015965-35.2023.4.06.3801, Juiz: Ubirajara Teixeira, Data da sentença: 09/01/2024, 3ª Vara Federal Cível e Criminal da SSJ de Juiz de Fora – MG. Acesso em 24.07.2025
Comentários