Concessão de Aeroportos: a privatização de Congonhas, relicitações e perspectivas para o setor
Carolina Caiado, Co-Head da Área de Direito Público e Assuntos Governamentais no Campos Mello Advogados, in cooperation with DLA Piper
A Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC) realizou Leilão da 7ª Rodada de Concessões Aeroportuárias, com adjudicatários em todos os 3 blocos de aeroportos licitados e o surpreendente ágio de 231,02% no Bloco SP-MS-PA-MG, ao qual pertence o Aeroporto de Congonhas. Os seguintes grupos sagraram-se vencedores:
- Aena Desarrollo Internacional SME SA, vencedora do Bloco SP-MS-PA-MG, com ágio 231,02% em relação ao lance mínimo inicial de R$ 740,1 milhões, tendo arrematado as concessões para operação dos aeródromos por R$ 2,45 bilhões. Aeroportos: Congonhas (SP); Campo Grande, Corumbá e Ponta Porã (MS); Santarém, Marabá, Parauapebas e Altamira (PA); Uberlândia, Uberaba e Montes Claros (MG).
- XP Infra IV FIP EM INFRAESTRUTURA, vencedor do Bloco Aviação Geral com apenas 0,01% de ágio em relação ao lance mínimo inicial de R$ 141,3 milhões, tendo arrematado os ativos por R$ 141,4 milhões. Aeroportos: Aeroporto Campo de Marte (SP) e Aeroporto de Jacarepaguá – Roberto Marinho (RJ).
- Consórcio Novo Norte Aeroportos, formado pelas companhias DIX e SOCICAM, vencedor do Bloco Norte II, arrematou os ativos por R$ 125 milhões é ágio de 119,78% em relação ao lance mínimo inicial de R$ 56,9 milhões. Aeroportos: Aeroporto Internacional Val-de-Cans – Júlio Cezar Ribeiro (PA) e Aeroporto Internacional Alberto Alcolumbre (AP).
O resultado foi positivo, segundo avaliações tanto do Governo Federal quanto do setor privado. No Bloco SP-MS-PA-MG, embora tenha tido somente um licitante, o valor ofertado pela espanhola Aena surpreendeu a todos, registrando ágio de 231,02% antes mesmo da fase dos lances viva-voz.
Em entrevista ao Valor Econômico, os representantes da Aena declaram-se animados com o projeto, pois o Aeroporto de Congonhas será uma de suas maiores operações aeroportuárias em nível global.
Considerada uma das “joias da Coroa”, junto com o Aeroporto de Santos Dumont, ainda se encontra sob administração da Infraero, o valor de outorga pela concessão do Aeroporto de Congonhas foi alto. Fica a dúvida se a operação conjunta com os demais aeródromos integrantes dos Bloco SP-MS-PA-MG será economicamente viável, uma vez que são aeroportos regionais avaliados pelo mercado como deficitários.
No Bloco Aviação Geral, a XP Investimentos inaugurou sua participação no setor aeroportuário, em parceria com a francesa Egis. A expectativa é o bom aproveitamento dos imóveis incluídos nos sítios aeroportuários do bloco e as possibilidades da aviação executiva, sobretudo em São Paulo, onde o Aeroporto Campo de Marte foi incluído nos ativos concedidos.
No Bloco Norte II, sagrou-se vencedor consórcio da SOCICAM, empresa que já administra diversos aeroportos regionais e terminais de ônibus em todo Brasil.
Avanços e desafios
Trata-se de significativo avanço na infraestrutura aeroportuária brasileira, que há mais de uma década tem a operação de aeródromos públicos delegada à iniciativa privada. Por meio da 5ª e da 6ª Rodadas de concessões aeroportuárias, foi concedida à iniciativa privada a operação de 34 aeródromos públicos, com mais de R$ 10,4 bilhões de investimentos privados nos ativos, segundo balanço publicado pelo Ministério da Infraestrutura. De 2011 até 2022, o número de operadores privados aumentou significativamente, mas a realidade do setor está longe de ser “céu de brigadeiro”.
A 8ª Rodada de Concessões Aeroportuárias será marcada pela relicitação de ativos importantes, a exemplo do primeiro ativo a ser concedido à iniciativa privada, o Aeroporto de São Gonçalo do Amarante, o Aeroporto de Viracopos e a o Aeroporto do Galeão, que possivelmente será concedido em conjunto com o Aeroporto Santos Dumont, que assim como o Aeroporto de Congonhas, é considerada “joia da Coroa”.
Relicitações
Nesse contexto de avanços e retrocessos, a ocorrência de relicitações merece aprofundamento. A relicitação consiste “no procedimento que compreende a extinção amigável do contrato de parceria e a celebração de novo ajuste negocial para o empreendimento, em novas condições contratuais e com novos contratados, mediante licitação promovida para esse fim”, nos termos do art. 4º, III, da citada lei.
E atualmente no rol dos ativos a serem relicitados, nos termos da Lei Federal nº 13.448/2017, estão Viracopos e Galeão. Pela relevância desses terminais, é fundamental entender como chegamos até esse cenário. À época em que foram concedidos ao setor privado, estes aeródromos eram considerados bons ativos, sobretudo da perspectiva do potencial de transporte aéreo de cargas.
Contudo, após alguns anos de concessão, os projetos foram considerados inviáveis de chegar aos termos finais dos respectivos contratos de concessão, tendo sido incluídos no PPI-Programa de Parcerias de Investimentos, visando à rescisão antecipada dos contratos e realização de nova outorga à iniciativa privada.
Viracopos
No caso de Viracopos, a justificava de sua relicitação constante nos documentos da nova licitação é fundada em análises técnico-operacionais, bem como avaliações econômicas acerca da demanda por transporte aéreo doméstico e internacional, sobretudo no que se refere ao transporte de cargas; e a concorrência entre o Aeroporto de Viracopos e o Aeroporto de Guarulhos na movimentação de cargas, além de questões tarifárias.
A extinção do atual contrato de concessão do Aeroporto de Viracopos compreendeu processo longo e complexo, que culminou em arbitragem para discussão de indenizações e processo de recuperação judicial da Concessionária Aeroportos Brasil Viracopos S.A. – ABV.
Os eventos que permearam a extinção do contrato de concessão acabaram por atrasar o processo de relicitação, que ainda se encontra na fase de consulta pública das minutas de edital e contrato de concessão. Atualmente, as minutas do novo edital de licitação e contrato de concessão encontram-se sob análise do Tribunal de Contas da União, podendo sofrer alterações em suas versões finais. A previsão da ANAC é de que a nova licitação do Aeroporto de Viracopos aconteça ainda em 2022.
Galeão
No Aeroporto do Galeão, a relicitação ainda depende da extinção do atual contrato de concessão em vigor, o que demandará processo administrativo para pagamento de indenizações e reversão dos bens públicos ao poder concedente.
Além disso, serão imprescindíveis os procedimentos visando à realização de estudos de viabilidade, bem como consulta pública das minutas do novo edital e contrato de concessão. Por essa razão, não há expectativa de que a nova licitação aconteça ainda este ano. Contudo, o Governo Federal já sinalizou que a Infraero não deterá participação acionária na futura concessionária.
Futuro
O novo modelo de concessão proposto pela ANAC tende a reduzir as necessidades de intervenções da agência no modelo tarifário das futuras concessionárias. Do ponto de vista da governança, não haverá participação acionária da Infraero nas futuras concessões.
Espera-se que as novas modelagens para o Aeroporto de Viracopos e Aeroporto do Galeão supram as deficiências que tornaram deficitários e inviáveis ativos outrora bem avaliados pelo mercado. Se Viracopos e Galeão tiveram a Infraero como sócia, numa tentativa de capitalizar a estatal mediante sua participação na iniciativa privada, a concessão do Aeroporto de Congonhas está atrelada à operação de diversos aeródromos considerados deficitários.
Só o tempo e a gestão eficiente da nova concessionária dirão se a operação de Congonhas será suficiente para remunerar o investidor e ainda viabilizar o cumprimento das obrigações relativas aos demais aeroportos incluídos no Bloco SP-MS-PA-MG.
E a Infraero?
Outra incerteza que paira no ar diz respeito ao futuro da Infraero, empresa pública cuja criação teve por objeto a operação de aeródromos públicos e privados em todo país, que ao longo dos anos perdeu seus principais ativos, sendo o mais recente o Aeroporto de Congonhas, cuja operação garantia à estatal boa parte de suas receitas.
Ao longo de distintas gestões do Governo Federal, considerou-se abertura de capital da estatal, numa espécie de tentativa de privatização; sua utilização como empresa dedicada à operação de aeródromos públicos regionais e com demanda insuficiente a viabilizar operação integralmente privada e sem subsídios públicos, e até mesmo sua liquidação.
Certo é que a cada concessão outorgada à iniciativa privada são reduzidas as receitas da Infraero, sem que haja clareza da destinação da estatal. Se havia alguma expectativa de abertura de capital, não é possível pensar nessa alternativa diante do esvaziamento do número de ativos operados pela Infraero.
Igualmente será desafiador dedicá-la à operação de aeródromos públicos privados, pois a 7ª Rodada de Concessões Aeroportuárias inaugurou o modelo de concessão em bloco de ativos rentáveis com ativos não rentáveis, tal como aconteceu no Bloco SP-MS-PA-MG.
O Brasil não permite previsões fáceis, muito menos nos setores regulados como é o caso do setor aeroportuário. Por outro lado, diante do seu evidente esvaziamento, o sucesso da modelagem aplicável ao Bloco SP-MS-PA-MG tem grandes chances de culminar na liquidação da Infraero.
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