Covid-19 e o setor elétrico brasileiro
A pandemia do Covid-19 e o setor elétrico brasileiro
A pandemia do Covid-19 tem causado impactos econômicos globais nos mais diversos segmentos produtivos e o cenário não é diferente para o setor elétrico brasileiro. Alguns efeitos já foram sentidos, como a redução material na demanda de energia causada pelas políticas de afastamento social. Outros, como o aumento da inadimplência de consumidores e a redução da liquidez das distribuidoras, são previsíveis e aguardados. A real dimensão e os impactos desta crise para o setor elétrico, entretanto, ainda são incertos. Mas o que a experiência já demonstrou é que a sobrevivência e sustentabilidade dos seus agentes necessariamente passa por uma atuação articulada das autoridades setoriais, com medidas sistêmicas, consistentes e equilibradas.
A importância da adoção de medidas sistêmicas reside em uma característica central do setor elétrico: a impossibilidade de dissociar os elos da cadeia energética, seja do ponto de vista físico (haja vista que o longo caminho percorrido pela eletricidade, desde a sua geração até o seu consumo, é operado por diversos agentes), seja do ponto de vista financeiro-contratual (sendo um bom exemplo o papel das distribuidoras, que são consideradas a porta de entrada dos recursos ao setor, mas que mantêm apenas 18% do que arrecadam, sendo o restante repassado aos outros agentes envolvidos). Dessa forma, quando um elo sofre, tem-se uma reação em cadeia e coloca-se em risco o equilíbrio de todos.
Nas últimas semanas, vimos agentes adotarem posturas preventivas, notificando suas contrapartes para expor suas preocupações com os potenciais efeitos da crise nos seus contratos, e posturas defensivas, com pedidos de renegociação de condições acordadas ou mesmo a declaração de um evento de força maior. Apesar de compreensíveis e, em certa medida, esperadas, a adoção de medidas individuais e casuísticas não terá o condão de trazer segurança e estabilidade para o setor, podendo inclusive levar a uma judicialização generalizada e uma paralisação do mercado, com efeitos que podem se prologar por anos e que certamente prejudicariam a sua retomada pós-crise. Um bom exemplo dos impactos negativos de medidas descoordenadas é a situação do risco hidrológico (GSF). A omissão governamental levou os agentes a recorrerem ao judiciário e o impasse jurídico causado fez com que os efeitos sejam sentidos no mercado de curto prazo até hoje, com mais de 8 bilhões de reais pendentes de pagamento, segundo dados divulgados pela Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE).
Soluções abrangentes e coerentes por parte do poder público e a atuação coordenada dos agentes do mercado terão um impacto positivo não apenas na manutenção de contratos e de seus fluxos de pagamento, mas também na preservação da estabilidade jurídica e regulatória do setor, a qual é fator fundamental para atração de investimentos nacionais e estrangeiros. Romper com essa estabilidade poderá significar não apenas um afastamento dos investidores – que redirecionarão seus recursos para ativos e empreendimentos que tragam mais segurança em um momento de instabilidade global –, mas também um aumento da percepção de risco do mercado de energia brasileiro. É importante lembrar que a segurança jurídico-regulatório construída pelo setor foi fundamental para o sucesso dos leilões realizados nos últimos anos e para os consequentes avanços na área de energias renováveis e na infraestrutura de transmissão no país.
O governo neste momento, e acertadamente, tem suas atenções centradas nas questões sanitárias e nos impactos mais urgentes da pandemia, mas já mostrou que está atento ao setor elétrico e aos problemas que se avizinham. A Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL), em 24 de março de 2020, estabeleceu um conjunto de medidas para a preservação da prestação do serviço público de distribuição de energia elétrica em decorrência da calamidade pública atinente à pandemia de coronavírus. Já determinou também a constituição de um Gabinete de Monitoramento da Situação Elétrica (GMSE), que terá, dentre outros, o objetivo de “coordenar estudos de propostas estruturantes para preservação do equilíbrio nas relações entre todos os agentes do setor elétrico, da qualidade e da modicidade tarifária”.
Outra medida que buscou solucionar problemas mais imediatos decorrentes da epidemia sobre o setor (especialmente a perda de capacidade de pagamento pelos consumidores e as dificuldades de caixa das distribuidoras) foi a edição da Medida Provisória 950, que isentou os consumidores de baixa renda do pagamento de suas contas de luz até 30 de junho de 2020 e previu a possibilidade da realização de empréstimos em favor das distribuidoras, que serão posteriormente amortizados por meio de um encargo nas tarifas dos consumidores.
Também vale ressaltar o comportamento adotado pela grande maioria dos agentes do mercado livre, que tem se mostrado receptivos e dispostos a buscar alternativas para a continuidade dos contratos de compra e venda de energia, como por exemplo negociando que a energia não consumida durante o período em que perdurar a crise será registrada através de conta gráfica e diluída no período de vigência contratual remanescente, ou mesmo acordando a prorrogação do prazo original dos contratos para diferir o suprimento do montante de energia que deixar de ser consumido durante a pandemia.
A complexidade do setor elétrico faz com que o enfrentamento da crise da pandemia do Covid-19 e a superação dos seus efeitos financeiros e econômicos sejam especialmente desafiadores. Não haverá solução providencial que atue de forma equitativa e de forma a preservar os interesses por vezes conflitantes de todos os players da indústria. E por essa razão torna-se essencial que as autoridades atuem de forma consistente com os princípios setoriais, implementando um conjunto de medidas e ações estruturadas, e que os agentes de mercado busquem uma atuação coordenada, pautada pela boa-fé e pela preservação das suas relações, almejando a manutenção da segurança jurídica, financeira e regulatória do setor.
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