Distressed assets: ativos problemáticos, mas não descartáveis 29 abr 2021

Distressed assets: ativos problemáticos, mas não descartáveis

Por Daniel Caravetti e Júlia Martini
Fonte: GRI Club

Antigo prédio da Editora Abril deve ser leiloado em maio deste ano

Qualquer empreendimento imobiliário está sujeito a falhas no decorrer do projeto, desencadeadas, por exemplo, por problemas financeiros ou litígios. Nestes casos, o desenvolvedor imobiliário pode perder o bem para o agente financeiro credor ou, simplesmente, haver a estagnação da obra.

Assim se configuram os chamados distressed assets, ou ativos “estressados”, mas muitas vezes ainda proveitosos. Isso porque alguns players do setor imobiliário se interessam pela compra de operações problemáticas, seja dos antigos desenvolvedores imobiliários ou dos bancos que retomaram o bem. O objetivo, obviamente, é recuperar e rentabilizar o projeto.

“Gostamos dos processos mais estruturados, nos quais podemos conduzir uma diligência minuciosa e completa. Acreditamos que os bancos também se beneficiam deste modelo, uma vez que são capazes de vender múltiplos ativos numa única transação”, diz Carl Ainley, vice-presidente sênior e co-head de Real Estate Brazil da Cerberus Capital Management.

Imóveis singulares, por sua vez, são geralmente negociados diretamente com os proprietários finais, via leilões: “Podem ser vendidos para uso residencial ou comercial. Uma empresa, por exemplo, pode adquirir o espaço, reformar e utilizar como laje corporativa. O mesmo pode ocorrer com um investidor que vise locar o escritório”, afirma Diego Fonseca, managing partner da Jive Investments.

Igor Freire, CRO da Resale, empresa que cria marketplaces para a venda de retomados, lembra que o transtorno de um ativo estressado naturalmente reflete no preço de venda: “Existem imóveis que estão ocupados e naturalmente requerem um processo judicial. Quem fica com essa responsabilidade é o adquirente. Por exigir a reintegração de posse, o preço do ativo vem com um deságio”, acrescenta.

 

‘Limpeza’ dos distressed assets

Considerando as grandes operações, o deságio na compra do ativo é um importante ponto para rentabilizar o projeto. Rafael Bussière, sócio do escritório Campos Mello Advogados, cita as pendências mais comuns nestes casos, que incluem problemas relativos à ocupação.

“Entre as adversidades mais relevantes, destacaria a ocupação irregular, eventuais passivos ambientais e questões relacionadas à titularidade, à propriedade do bem. Na sequência tem outros subjacentes, como dívidas dos vendedores e possíveis credores que tentem obstar a venda do imóvel, aponta.

Engana-se quem pensa que é tarefa simples resolver as pendências. Ricardo Cardoso, CEO e sócio da Enforce, assegura que os desafios para ‘desestressar’ um imóvel são complexos e que, judicialmente, há muita morosidade no andamento dos processos.

“Uma reintegração de posse às vezes demora 4 ou 5 anos porque existe a questão social, que são os ocupantes da área. Também há ativos problemáticos por conta de tombamento, por exemplo. Isso caracteriza um pouco da diferença entre a incorporação tradicional e o mercado estressado”, garante.

Nas áreas ocupadas, Bussiere confirma a preocupação do Judiciário com o lado social: “Existe uma preocupação com as pessoas, seja porque são hipossuficientes, seja porque fazem parte de uma comunidade de baixa renda ou porque desenvolvem uma atividade empresarial que garante inúmeros empregos naquela região”.

Ricardo Piccinini, fundador da Solv, comenta que, no caso de torres residenciais estressadas, há significativa complexidade porque a solução é única para cada pessoa que comprou uma unidade, podendo as negociações serem judiciais ou extrajudiciais. “Cada etapa deste processo deve ser feita de forma bem planejada, atuando com transparência com cada um dos clientes envolvidos”, assinala.

Outro aspecto importante mencionado por Piccinini é verificar a vigência dos alvarás, assim como de outros processos administrativos que correm na prefeitura, antes de retomar as obras. Notoriamente, o custo de todos os procedimentos envolvidos na “limpeza” do ativo devem ser calculados antes da compra do mesmo e confrontados com o deságio no preço.

 

Restauração e venda dos distressed assets

O custo da obra é outra despesa que deve entrar na conta. “A maioria dos bens em dificuldade exige algum nível de despesas de capital, seja para fazer face à falta de manutenção nos últimos anos, seja para realizar atualizações”,cita Carl Ainley.

Em alguns casos, inclusive, os novos investidores optam por realizar uma mudança de uso no ativo. “Às vezes era originalmente um imóvel comercial, mas hoje só é viável como residencial, ou vice-versa. Em casos de bens grandes, atualmente pode ser feita uma conversão para uso logístico, atendendo a uma demanda do mercado”, destaca Fonseca.

Um ativo comercial atualmente estressado é o antigo prédio da Editora Abril, que fica na marginal Tietê, em São Paulo. A empresa teve sua dívida bancária comprada em 2019 pela Enforce, que passou a deter o prédio e deve leiloá-lo em maio deste ano. A Resale será a plataforma integradora oficial do leilão.

 

Tamanho do mercado no Brasil 

Considerando apenas ativos retomados, uma pesquisa da Resale calcula que o mercado brasileiro seja de quase R$ 19 bilhões. O diretor Igor Freire acredita que “a tendência é o número aumentar com a pandemia e a crise econômica, dependendo, porém, da estratégia utilizada por cada banco”.

A Cerberus enxerga grande potencial nos distressed assets, principalmente para os investidores institucionais de longo prazo com mandatos flexíveis. “As deslocações de mercado estão criando oportunidades para trazermos as nossas soluções de capital e nossos conhecimentos operacionais”, afirma Carl Ainley, vice-presidente sênior e co-head de Real Estate Brazil da empresa.

Para o CEO da Enforce, Ricardo Cardoso, mesmo que a concentração no mercado de crédito brasileiro dificulte o crescimento do ramo, existem perspectivas positivas: “O mindset dos players tem mudado, os entes públicos estão mais atentos ao mercado e iniciativas vêm acontecendo”.

Por outro lado, Diego Fonseca, managing partner da Jive Investments, afirma que ainda há poucos players no mercado devido à necessidade de tecnologia, capacidade financeira e terminologia interna de resolução de problemas para fazer tais investimentos, especialmente em ativos maiores. Quanto à velocidade na aprovação de projetos, o executivo vê evolução, especialmente na capital paulista.

O sócio do Campos Mello Advogados julga a precificação como o maior desafio em uma operação envolvendo ativos estressados. “Quando chega no ponto de equilíbrio, a operação é bem sucedida”, diz Bussiere.

Enquanto isso, o fundador da Solv enxerga um mercado com infinitas oportunidades. “Já mapeamos mais de 100 obras paradas e estamos com uma perspectiva positiva de crescimento, principalmente para homebuilder”, finaliza.

Comentários