É possível limitar valores de indenização nos contratos administrativos?
por Carolina Caiado
Saiba o que prevê a legislação sobre o tema e como os parâmetros (ou a ausência deles) afetam o mercado
É possível limitar valores de indenização nos contratos administrativos? Trata-se de pergunta recorrentemente feita por clientes que participam de licitações. A resposta não é simples, tampouco óbvia. Demanda interpretação integrada dos art. 5º, caput; art. 11, I; art. 22; art. 89; e art. 120 da Lei Federal nº 14.133/2021 (a Lei de Licitações e Contratos Administrativos), bem como art. 944 do Código Civil.
A pergunta sempre se coloca diante de editais de licitação, termos de referência e/ou de dispensa e inexigibilidade de licitação, respectivas minutas de contrato que transcrevem integralmente o disposto no art. 120 da Lei de Licitações e Contratos Administrativo, que dispõe:
Art. 120. O contratado será responsável pelos danos causados diretamente à Administração ou a terceiros em razão da execução do contrato, e não excluirá nem reduzirá essa responsabilidade a fiscalização ou o acompanhamento pelo contratante.
A redação do art. 120 trata do dever que tem o particular contratado de indenizar tanto a Administração contratante quanto terceiros alheios à relação contratual por danos que vier a causar, sendo certo que a fiscalização e o acompanhamento do contrato pelo poder público não reduzirão a responsabilidade do contratado.
Danos à Administração e terceiros
O dispositivo foi infeliz ao repetir a redação confusa contida na revogada Lei Federal nº 8.666/93, muito próxima da redação atual, que mistura responsabilidade civil contratual e extracontratual. A primeira refere-se a danos causados pelo particular contratado à Administração, durante a execução do contrato administrativo. A segunda refere-se aos danos que o contratado venha a causar a terceiros alheios à relação contratual por danos em decorrência da execução do contrato.
A Lei de Licitações e Contratos Administrativos, ao disciplinar os contratos, visa a tratar das relações entre as partes. Uma vez que se trata de contratos da Administração, de prestação de serviços e fornecimento de bens, não há qualquer sentido em trazer terceiros alheios à relação contratual na disposição sobre responsabilidade civil.
Seria diferente se a lei disciplinasse a prestação de serviços públicos, nos quais os terceiros incluem os usuários dos serviços e são protegidos pela legislação que trata das diversas formas de outorgas à iniciativa privada da operação de serviços públicos. Este, contudo, não é o caso da Lei de Licitações e Contratos Administrativos.
Aplicação supletiva das normas de direito privado
Os contratos da Administração são regidos supletivamente por princípios da teoria geral dos contratos e as disposições de direito privado, além pelas suas cláusulas e pelos preceitos de direito público (art. 86 da Lei de Licitações e Contratos Administrativos). Estas consistem das prerrogativas reservadas à Administração por lei, tais como o direito de rescindir e exigir alterações do escopo contratual unilateralmente, resguardado o direito ao equilíbrio econômico-financeiro conforme proposta apresentada na licitação (art. 37, XXI, da Constituição Federal de 1988).
O fato de os contratos da Administração serem regidos por normas de direito público não implica dever ilimitado de indenização. A responsabilidade civil será aplicada conforme o disposto no Código Civil, que não veda a inclusão de cláusulas limitadoras do valor de indenização. Tanto não o faz, que o próprio art. 944, parágrafo único, prevê: “Se houver excessiva desproporção entre a gravidade da culpa e o dano, poderá o juiz reduzir, equitativamente, a indenização”.
Ou seja, a indenização mede-se pela extensão do dano, mas deverá ser arbitrada considerando de forma proporcional à gravidade da culpa e do dano. Ainda que se argumente que o art. 944, parágrafo único, do Código Civil refere-se a situações excepcionais, nos quais há excessiva desproporção entre gravidade da culpa e dano, a proporcionalidade, assim como economicidade e razoabilidade, são princípios que devem nortear a aplicação da Lei de Licitações e Contratos Administrativos, incluindo seu art. 120. É o que dispõe o art. 5º, caput:
Art. 5º Na aplicação desta Lei, serão observados os princípios da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da publicidade, da eficiência, do interesse público, da probidade administrativa, da igualdade, do planejamento, da transparência, da eficácia, da segregação de funções, da motivação, da vinculação ao edital, do julgamento objetivo, da segurança jurídica, da razoabilidade, da competitividade, da proporcionalidade, da celeridade, da economicidade e do desenvolvimento nacional sustentável, assim como as disposições do Decreto-Lei nº 4.657, de 4 de setembro de 1942 (Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro).
O citado art. 5º ainda remete à LINDB ao tratar dos princípios que devem ser observados quando da aplicação da Lei de Licitações e Contratos Administrativos. A LINDB fixou-se como norma nacional de hermenêutica para direito administrativo e as relações público-privado, com dispositivos que preconizam soluções jurídicas proporcionais.
Além do art. 5º, a interpretação do art. 120 também demanda seu cotejo com o art. 11, I, da Lei de Licitações e Contratos Administrativos. O citado dispositivo expressamente prevê que o processo licitatório tem por objetivo assegurar a seleção da proposta apta a gerar o resultado de contratação mais vantajoso para a Administração Pública. Consequentemente, é impossível pensar em selecionar a proposta mais vantajosa sem relacioná-la ao melhor custo-benefício.
Dinâmica da desvantagem
Se o edital de licitação, termo de referência ou minuta de contrato administrativo não apresenta parâmetros para mensuração do valor da indenização ou extensão do dano, inevitavelmente a Administração Pública contratante será onerada. A ausência de parâmetros implicará assunção de riscos não mensuráveis para as empresas interessadas na futura licitação, que tenderão a precificá-los nas respectivas propostas comerciais a serem apresentadas ao poder público contratante.
Por essa razão, para que efetivamente haja a seleção da proposta mais vantajosa, é imprescindível que se definam limites de indenização e parâmetros para mensuração da extensão dos possíveis danos, adequados ao objeto da contratação, ou seja, parâmetros e limites aderentes aos possíveis danos que a prestação dos serviços ou o fornecimento do bem poderá causar à Administração Pública. Não há qualquer impedimento legal para que os documentos de licitação e minutas de contrato os estabeleçam em cada caso concreto.
Ao contrário, a Lei de Licitações e Contratos Administrativos evoluiu ao permitir e fomentar a inclusão de matriz de riscos nos contratos da Administração, visando justamente a garantir alocação eficiente dos riscos de cada contrato; estabelecer a responsabilidade que caiba a cada parte contratante; e os mecanismos que afastem a ocorrência do sinistro e mitiguem os seus efeitos, caso este ocorra durante a execução contratual (art. 22 §, 1º). Em contratos complexos, a matriz de riscos é essencial para disciplinar a alocação de riscos e mitigação dos danos que eventualmente decorram da execução contratual.
Trata-se de mecanismo que não só garante mais segurança jurídica às partes, como também permite aos licitantes elaborarem propostas comerciais mais assertivas e adequadas ao objeto licitado. Se a limitação do valor de indenização é cláusula padrão, licitamente incluída em diversos contratos celebrados entre partes privadas para prestação de serviços e fornecimento de bens, não há razão para tratar o cliente público contratante dos mesmos bens e serviços de forma diversa, sem que haja justificativa para tal.
Manter o dever de indenizar sem qualquer limitação financeira, sem que haja necessidade ou prática de mercado que a justifique, só contribui para que sejam apresentadas propostas comerciais mais caras às contratações públicas, violando tanto o princípio da economicidade quando o objetivo da licitação de selecionar a proposta mais vantajosa. Esperamos que a interpretação do art. 120 da Lei de Licitações e Contratos Administrativos evolua, trazendo o dever de indenizar para a realidade de mercado, bem como as características dos bens e serviços contratados pelo poder público.
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