Esforço conjunto: como STF e STJ estão trabalhando para garantir estabilidade de jurisprudência no Brasil 23 jun 2022

Esforço conjunto: como STF e STJ estão trabalhando para garantir estabilidade de jurisprudência no Brasil

por Guilherme Nunes

 

Em busca de segurança jurídica e eficiência, o STF e o STJ têm se esforçado para, com ajuda da tecnologia, estabelecer um sistema de gestão de precedentes conjunto. Esse diálogo é necessário porque há entre os Tribunais uma grave “zona de penumbra”, geradora de insegurança jurídica.

Um levantamento feito pela ConJur no sistema de consulta de recursos repetitivos do STJ mostra que posições firmadas pelo STF levaram à revisão de 16 teses vinculantes da Corte Infraconstitucional (ainda que para reafirmação), além do cancelamento de, pelo menos, 11 temas, os quais não chegaram a ser julgados no mérito.

Nessa conta entram revisões feitas por julgamentos do STF sob o sistema da repercussão geral, mas também casos de Direito Penal em que o STJ optou por readequar suas teses a partir de vários julgados não vinculantes das turmas do Supremo, com o objetivo de preservar a estabilidade da jurisprudência.

Esse impacto pode aumentar porque há ainda outros nove repetitivos com tese já firmada pelo STJ e aguardando julgamento de recurso extraordinário no STF, além de enunciados já contrariados pela Corte Constitucional e que ainda serão submetidos à revisão.

A revisão de julgados do STJ pelo STF é algo natural devido à dinâmica processual. As cortes têm competências distintas, mas isso não impede que uma questão julgada pelo STJ sob o enfoque infraconstitucional seja reavaliada pelo STF com viés constitucional.

Em evento sobre os 15 anos de implementação da repercussão geral no STF, o Ministro Mauro Campbell, do STJ, definiu como absolutamente rotineiro o fato de a corte estar em julgamento e ser informada de algum novo entendimento firmado pelo Supremo. “Adaptamos, não raro em sessão mesmo, os nossos acórdãos. Dizemos: onde estava escrito isso, está agora escrito aquilo que o Supremo disse, e está encerrado o debate“, afirmou. “Isso é um grande serviço que se presta ao jurisdicionado e à cidadania brasileira“, defendeu ele.

Isso é rotina porque o ministro Mauro Campbell integra colegiados que julgam temas de Direito Público no STJ, os mais afetados por decisões do STF. Oito dos nove repetitivos que aguardam julgamento de recurso extraordinário foram firmados pela 1ª Seção. Entre os revisados, são dez em um total de 16.

A zona de penumbra

Para o ministro Sérgio Kukina, do STJ, as decisões conflitantes dos dois Tribunais são compreensíveis, já que a Constituição reserva capítulos densos a determinados temas, o que vai influir na interpretação da lei federal. Ele também afirma que as decisões em desacordo de STJ e STF desestabilizam, em alguns momentos, o que aparentemente parecia já ter sido resolvido. “Eu digo que se trata de uma zona enevoada. A gente, às vezes, fica naquela dúvida: será que esse tema é mais constitucional ou infraconstitucional?“, afirmou ele em entrevista ao Anuário da Justiça Brasil 2022.

Zona de penumbra entre o STJ e o STF” é o título de um livro do advogado paranaense e professor da Faculdade de Direito da UFPR Luiz Guilherme Marinoni. Essa penumbra é causada pela falta de distinção entre a função de interpretar a lei nos termos da Constituição e a função de controlar a constitucionalidade da interpretação da lei. Para ele, é um absurdo imaginar que o STJ, ao interpretar a lei, não possa invocar a Constituição como parâmetro ou critério. Ao STF, resta controlar a constitucionalidade do que disser o STJ.

Ou seja, o STF não tem poder para optar por uma melhor interpretação da lei, ainda que nos termos Constituição, pois isso seria transformá-lo numa corte revisora do STJ, o que seria um absurdo, pois negaria a função de Corte Suprema de ambas as cortes“, explica ele, em entrevista à ConJur. Também por isso, Marinoni defende que o Supremo Tribunal Federal não admita recurso extraordinário sob o argumento de inconstitucionalidade de interpretação de lei federal, quando oriundo de Tribunal de Justiça ou Regional Federal.

Inclusive para a democratização da interpretação da lei federal, é necessário dar aos tribunais oportunidade de discutir a interpretação da lei e espaço para o STJ formar precedente. É equivocado permitir que o STF analise a constitucionalidade de uma interpretação ainda não consolidada em precedente do STJ“, avalia. “Desse modo, evita-se que o STF seja tentado a interpretar a lei antes do STJ“, conclui o advogado.

Para Marinoni, esse contexto gera insegurança jurídica, problema não ignorado pelos ministros do STJ. Se já é complicado explicar esse fato para os atores do cenário jurídico, imagine o que dizer aos jurisdicionados cidadãos comuns. Cria-se um ambiente instável, indesejável em termos de Justiça.

Esse sistema de dois tribunais para dar a última palavra parece que ainda não achou o seu ponto ideal de convivência, de interação, de integração. Existe ainda uma coisa nessa maquinaria, nesse engenho jurídico, faltando ali um ajuste, um parafuso qualquer para que as coisas não aconteçam em modo de solavanco, como vem acontecendo“, disse o ministro Kukina.

A posição do STF sobre o tema é que a dinâmica processual, em que o recurso especial deve ser julgado antes do recurso extraordinário, aceita esse diálogo entre as cortes, não representando algo incomum no sistema jurídico a reversão de uma decisão do STJ pelo STF. Nem todos os temas vão ter a repercussão geral reconhecida e, com isso, terão no STJ a última instância de julgamento. Os que tiverem repercussão, ao serem analisados pelo Supremo em relação à questão constitucional, terão o entendimento do STJ levado em consideração no debate.

 

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