ESG e o mercado de capitais
Por Roberto Vianna do R. Barros
Fonte: Estadão
Na área ambiental, o grande desafio diz respeito à redução das emissões de carbono. O dicionário Oxford declarou que a expressão emergência climática foi a “palavra” do ano de 2019, demonstrando a urgência do tema. O Acordo de Paris pretende manter o aumento da temperatura média global em bem menos que 2° C. Para tanto, os signatários se comprometeram a reduzir substancialmente suas emissões de carbono. Entretanto, segundo relatório recente do Painel Intergovernamental de Mudança Climática, 75% dos 184 países signatários não estão no caminho para cumprir as metas estabelecidas para 2030. Depois de uma redução das emissões no ano passado, em razão da pandemia, já podemos observar um novo crescimento em 2021. Com relação ao Brasil, que é um dos 10 maiores emissores do planeta, o problema não está tanto na sua matriz energética, mas no agronegócio (grande responsável pelas emissões do País) e no desmatamento ilegal. As consequências do fracasso do Acordo podem ser catastróficas.
As questões sociais não são menos desafiadoras. O “Social” do ESG está primordialmente ligado a políticas de diversidade e inclusão nas empresas, mas pode também dizer respeito a monitoramento da cadeia de fornecedores e ações sociais com a comunidade local da empresa. De uma forma geral, o grande problema a ser abordado neste aspecto é a enorme desigualdade que assola o mundo em geral, e o nosso País em particular. Segundo relatório da Oxfam do ano passado, o Brasil era o sétimo país mais desigual do mundo. Com a pandemia, essa situação só piorou. Segundo o IBGE, no ano passado, 10,3 milhões de brasileiros estavam em situação de insegurança alimentar grave. Essa diferença atinge de forma mais impactante a negros e pardos. As empresas podem e devem ter um papel importante na redução dessas diferenças, não só incentivando a formação e a capacitação da mão-de-obra (que podem ajudar na redução do desemprego, atualmente elevado em todas as regiões do mundo), como também com políticas protetivas dos seus funcionários e o incentivo à adoção de políticas semelhantes pela sua cadeia de fornecedores.
Como vemos, os desafios são enormes.
O mercado de capitais tem um papel muito importante na potencialização dos resultados das ações de ESG. Já há, por exemplo, na Europa e nos EUA, fundos que têm como objetivo o investimento prioritário ou exclusivo em empresas que adotem práticas ligadas a ESG. No Brasil, fundos ESG também já estão começando a ser oferecidos no mercado, incluindo critérios da PRI (Principles for Responsible Investment) nas suas análises. Em outras palavras, para conseguir ter acesso a esse capital, as empresas precisam adotar ações que enderecem questões ambientais, sociais e de governança. Isso certamente servirá de incentivo para a adoção e multiplicação dessas práticas no mercado.
Nesse sentido, a CVM colocou em audiência pública uma regulamentação que, segundo o regulador, tem o “objetivo de reduzir o custo de observância e de aprimorar o regime informacional dos emissores de valores mobiliários com a inclusão de informações que reflitam aspectos sociais, ambientais e de governança corporativa”. De um lado, a regulamentação trará um aprimoramento de campos do Formulário de Referência que trata do assunto. Particularmente importante será a adoção da regra de “pratique-ou-explique”, de modo que emissores que não divulguem relatórios de sustentabilidade ou documentos equivalentes ou, ainda, que não tenham indicadores-chave de desempenho para questões ambientais e sociais, forneçam explicações ao mercado sobre as razões de não o fazerem. Por outro, a CVM introduz novas exigências de informação ligadas a questões ambientais, sociais e de governança corporativa, em particular com relação a (a) dados agregados sobre diversidade dos órgãos de administração e a indicação dos canais, se houver, pelos quais questões críticas em temas ambientais e sociais cheguem a conhecimento do conselho de administração; (b) esclarecimento sobre se a remuneração dos administradores é afetada por indicadores ambientas e sociais; e (c) informações sobre diversidade da força de trabalho e diferenças dos patamares de remuneração.
Além disso, desde setembro do ano passado, a B3, em conjunto com a agência S&P, desenvolveu um novo índice: o Índice B3/S&P Brasil ESG. O índice foi criado para medir o desempenho de valores mobiliários que cumpram critérios de sustentabilidade. Atualmente, o ele é composto por 96 empresas.
Outra ação inovadora nessa área é a utilização de fundos de investimento em direitos de crédito na estruturação de financiamento para empreendimentos com viés socioambiental, em particular para pequenos agricultores que praticam a agricultura regenerativa. Os créditos concedidos a essas operações são cedidos para o FIDC, que pode emitir cotas júnior e mezanino para investidores que têm um apetite maior para venture philanthropy (investimento em ativos com baixo interesse no retorno). Essas operações também podem envolver compras de crédito de carbono gerados pelo projeto para aumentar o retorno no investimento.
Finalmente, vale ressaltar que bancos e empresas estão fazendo emissões no mercado de capitais internacional de títulos de dívida atrelados ao financiamento de projetos na área ambiental. São os chamados green bonds. Esses títulos têm tido uma procura crescente por investidores que buscam investimento consciente em projetos ambientais que cumpram com determinados critérios de avaliação de certificação. No mercado internacional, as certificações podem ser feitas pela Climate Bond Initiative, que tem liderado esse processo principalmente na Europa e nos EUA. No Brasil, a certificação pode ser feita segunda as regras do Guia Para Emissão de Títulos Verdes no Brasil, editado pela Febraban e pelo Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS).
Em 1970, Milton Friedman publicou um artigo no New York Times que se tornou famoso. No próprio título ele já declarava a ideia central: a responsabilidade social de uma empresa é maximizar seus lucros. Muitos defendem hoje que essa forma de gestão está caminhando rapidamente para o seu fim. Ao invés de análises de risco e retorno (como defendido por Friedman e seus seguidores), empreendedores terão de pensar de forma tridimensional: risco-retorno-impacto. Empresas que não incluam nos seus objetivos, além de entregar valor para os seus acionistas, atuar de forma colaborativa com os seus fornecedores, investidores, empregados e a comunidade na qual está inserida para a construção de um mundo melhor, ficarão paradas no tempo e perderão oportunidades de investir e de receber investimento. Esse parece ser um caminho sem volta para o futuro da gestão empresarial.
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