ESPECIAL/GREEN BONDS: EMISSÕES DE EMPRESAS BRASILEIRAS SOMAM US$ 8 BI E AINDA DEVEM CRESCER
Por Matheus Piovesana
São Paulo, 26/03/2021 – Em um momento de críticas no exterior às políticas ambientais do governo brasileiro, as grandes empresas locais tentam mostrar que estão desenvolvendo, dentro de casa, políticas que reduzem o impacto ambiental de suas atividades. Com destaque para o setor agrícola e a cadeia que o envolve, além das empresas de papel e celulose, as emissões dos títulos verdes, os green bonds, têm atraído forte demanda no exterior, e até agora, as empresas brasileiras já emitiram US$ 7,9 bilhões em títulos dessa classe, de acordo com a Climate Bonds Initative (CBI). Para analistas, esse montante ainda deve crescer.
No mercado financeiro, as emissões ajudam a divulgar políticas em um momento em que tê-las pode definir quem vai ou não conseguir se financiar. Desde o começo do mês, uma nova lei da União Europeia exige que empresas do setor financeiro que fazem negócios no bloco expliquem qual o impacto ambiental dos investimentos que carregam, e o que estão fazendo para reduzi-lo. Quem não tem nenhuma política, precisa explicar os motivos. O objetivo do texto, aprovado em 2019, é evitar o chamado “greenwashing”: vender como sustentáveis investimentos que não têm essa característica.
Analistas avaliam que a legislação tende a ter impactos além das fronteiras da Europa. Primeiro, porque tornará mais difícil que gestores europeus mantenham em suas carteiras títulos de empresas que não reduzem seu impacto ambiental. Segundo, porque assim como a lei europeia de proteção de dados, o texto tende a inspirar outros mundo afora.
“As empresas estão olhando para essa forma de emissão mais para mostrar que têm investimento ESG do que como uma forma de benefício econômico”, diz Roberto Barros, sócio do escritório Campos Mello Advogados (CMA) nas áreas de direito bancário e financiamento de projetos. “Para o emissor e para o investidor, conta mais o impacto que estão causando do que do retorno que estão tendo.”
Os juros baixos em todo o mundo e a corrida para os investimentos sustentáveis estão ajudando a tornar essas captações mais atrativas. Em 2019, a Klabin emitiu título verde com vencimento em 2049 – o primeiro no País com prazo tão longo – e aceitou pagar taxa de 7% ao ano. No início deste ano, em outra emissão, de bonds ligados a metas ambientais com prazo de 10 anos, a taxa foi consideravelmente menor, de 3,2%.
Thatyanne Gasparotto, head para América Latina da CBI, que faz a certificação de emissões verdes, afirma que este cenário cria a falsa impressão que o green bond é, por si só, mais vantajoso. “Há mais investidores buscando títulos verdes com robustez. Às vezes tem-se o entendimento de que o investidor verde sai de casa disposto a sacrificar seu retorno, mas é o excesso de demanda que leva a esse desconto”, diz.
Isso é possível pela característica de títulos de dívida. O valor de cada um é um todo formado pelo preço unitário do título (quanto cada papel renderá ao emissor) e pelo retorno que o investidor recebe. Se a demanda é maior, o preço do título sobe, e a taxa a ser paga cai. A enorme demanda por títulos verdes exacerba esse fenômeno nas principais emissões.
Demanda alta
Thatyanne define o atual cenário para os títulos verdes de empresas brasileiras como de “aumento exponencial”. Segundo ela, 2020 já deu sinais dessa tendência, mas com o assunto sendo cada vez mais discutido no mundo corporativo nacional e as novas exigências legais mundo afora, ainda há espaço para que mais emissões venham a mercado.
Segundo ela, o agronegócio pode se beneficiar dessa maior demanda. “Tivemos a primeira operação vinculada a agronegócio do mundo que foi a da Rizoma, e deve crescer mais”, afirma. Em setembro do ano passado, a produtora Rizoma Agro, em parceria com o Ecoagro, lançou a primeira emissão verde certificada de acordo com o novo critério para o setor do CBI. A captação, que financiaria a expansão de atividades de agricultura regenerativa da Rizoma, foi de R$ 25 milhões, e ocorreu via certificados de recebíveis do agronegócio (CRAs).
Outro ponto que pode beneficiar o agronegócio nesse tipo de captação, especialmente lá fora, é a força do setor na economia brasileira e seu grau de desenvolvimento. Para profissionais que estruturam emissões, isso reduz a quantidade de “concorrentes” estrangeiros. “Apresentar projetos brasileiros com impacto ambiental positivo no agronegócio chama atenção. Os investidores terão apetite de fazer investimentos porque veem que o setor tem dificuldades neste sentido”, afirma Barros, do CMA.
Comentários