Inexigibilidade de licitação por exclusividade: o que muda com a nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos
por Carolina Caiado
As contratações por exigibilidade de licitação fundamentadas na exclusividade do prestador dos serviços ou fornecedor dos bens sempre foram um desafio para gestores públicos e empresas. A inexigibilidade de licitação é a situação fática que autoriza o gestor público a realizar contratação direta com o fornecedor ou prestador do serviço em razão da inviabilidade prática de se realizar processo licitatório prévio.
A Lei nº 8.666/1993, que será em breve revogada, traz situações em que a licitação pode ser declarada inexigível por inviabilidade de competição. Entre esses casos, a Lei nº 8.666/1993 enumera as hipóteses em que a demanda da Administração Pública é atendida por solução que só pode ser ofertada por determina empresa ou profissional, em caráter exclusivo.
Nesse sentido, dispõe o art. 25, I:
Art. 25. É inexigível a licitação quando houver inviabilidade de competição, em especial: (…)
- para aquisição de materiais, equipamentos, ou gêneros que só possam ser fornecidos por produtor, empresa ou representante comercial exclusivo, vedada a preferência de marca, devendo a comprovação de exclusividade ser feita através de atestado fornecido pelo órgão de registro do comércio do local em que se realizaria a licitação ou a obra ou o serviço, pelo Sindicato, Federação ou Confederação Patronal, ou, ainda, pelas entidades equivalentes; (…)
O rol do art. 25 sempre foi exemplificativo, pois o que determina a inviabilidade de competição visando à contratação pública é a situação concreta, o mercado em que a Administração Pública tomará o serviço ou comprará determinado bem. Contudo, o inciso I, ao exigir que a comprovação da exclusividade seja realizada por meio de atestado emitido por órgão de registro de comércio local, Sindicato, Federações e outras entidades de classe, sempre gerou muitas dúvidas.
Histórico
A confusão decorre do fato de que tais entidades não conseguem aferir, na prática, se determinado fornecedor ou prestador de serviço é exclusivo ou não. Tal verificação demandaria ampla pesquisa de mercado, em alguns casos em nível internacional. Diante da impossibilidade de realizar tal pesquisa, seja por falta de estrutura de pessoal, seja pelo custo que a empreitada envolveria, o mercado se acomodou com a seguinte solução: a empresa que se entende fornecedora ou prestadora exclusiva declara sua condição unilateralmente a uma das entidades mencionadas no art. 25, I; as entidades, por sua vez, replicam a declaração em atestado.
Na prática, a exclusividade que deveria ser aferida em cada caso concreto, por anos tornou-se exclusividade “no papel”, ou seja, aquela declarada unilateralmente pelo próprio fornecedor ou prestador, que ganhava status de veracidade por ser replicada em documento emitido no formato de atestado pelas entidades citadas no art. 25, I.
Essa prática gerou diversos questionamentos por parte dos órgãos de controle, principalmente por parte do Tribunal de Contas da União – TCU, pois os “falsos atestados” serviram para instruir contratações por inexigibilidade de licitação ilegais. Nesse sentido, o TCU editou a Súmula 255, disponível em https://www.cnj.jus.br/sumula-255-tcu/ (acesso em 23/08/2023):
Nas contratações em que o objeto só possa ser fornecido por produtor, empresa ou representante comercial exclusivo, é dever do agente público responsável pela contratação a adoção das providências necessárias para confirmar a veracidade da documentação comprobatória da condição de exclusividade.
Mudanças
A Lei nº 14.133/2021 – Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos, ao tratar da hipótese de inexigibilidade de licitação em contratações por exclusividade, expressamente excluiu a exigência de atestado por órgão do registro de comércio, Sindicato e outras entidades equivalentes do rol de documentos comprobatórios da exclusividade. Vejamos o art. 74, I, § 1º da Lei:
Art. 74. É inexigível a licitação quando inviável a competição, em especial nos casos de:
I – Aquisição de materiais, de equipamentos ou de gêneros ou contratação de serviços que só possam ser fornecidos por produtor, empresa ou representante comercial exclusivos; (…)
§ 1º Para fins do disposto no inciso I do caput deste artigo, a Administração deverá demonstrar a inviabilidade de competição mediante atestado de exclusividade, contrato de exclusividade, declaração do fabricante ou outro documento idôneo capaz de comprovar que o objeto é fornecido ou prestado por produtor, empresa ou representante comercial exclusivos, vedada a preferência por marca específica. (…)
A Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos tratou da comprovação da exclusividade do fornecedor ou prestador do serviço de forma mais assertiva que a Lei nº 8.666/1993, pois transferiu ao agente público responsável pela licitação a obrigação de demonstrar a inviabilidade de competição baseada em exclusividade de fornecimento ou prestação de serviços.
Outra novidade é que o referido dispositivo legal não estabeleceu rol taxativo de documentos idôneos aptos a demonstrar a exclusividade de determinado fornecedor ou prestador. A nova lei passou a admitir qualquer instrumento jurídico idôneo, tendo vedado somente preferência por marca específica.
Por exemplo, as empresas brasileiras que atuam como fornecedoras, distribuidoras ou representantes comerciais exclusivas de produtos, equipamentos e serviços de empresas estrangeiras, caso não possuam contrato de exclusividade, poderão apresentar documentos que comprovem que suas respectivas matrizes estrangeiras são detentoras de todos os direitos sobre os produtos ou serviços fornecidos à Administração. Tais documentos podem ser declarações, contrato ou estatuto social que comprove a matriz como sua cotista/acionista.
Nova atribuição
A partir de 1º de janeiro de 2024, quando a nova lei entrará em vigor e revogará integralmente a Lei nº 8.666/1993, caberá à Administração Pública realizar pesquisa de mercado e verificar se, de fato, a exclusividade declarada pelo fornecedor ou prestador é verídica. Trata-se de normativa aderente ao disposto na Súmula 255 do TCU, que expressamente atribuiu a responsabilidade de aferir a veracidade das informações ao agente público da entidade licitante.
Ainda segundo o art. 73 da nova lei, o agente público da entidade licitante será responsabilizado individualmente por erros grosseiros na instrução e condução de processos de contratação direta, entre os quais se inclui a inexigibilidade de licitação baseada em exclusividade de fornecedor ou prestador de serviço. Vejamos o disposto no art. 73:
Art. 73. Na hipótese de contratação direta indevida ocorrida com dolo, fraude ou erro grosseiro, o contratado e o agente público responsável responderão solidariamente pelo dano causado ao erário, sem prejuízo de outras sanções legais cabíveis.
As novas regras certamente trarão mais segurança jurídica às empresas contratadas pela Administração Pública por inexigibilidade de licitação, fundamentada em exclusividade do fornecedor ou prestador.
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