Julgamento antecipado de PAR na esfera federal: os parâmetros da CGU em acordos para encerrar processos administrativos de responsabilização de pessoas jurídicas por atos de corrupção 30 out 2023

Julgamento antecipado de PAR na esfera federal: os parâmetros da CGU em acordos para encerrar processos administrativos de responsabilização de pessoas jurídicas por atos de corrupção

por Carolina Caiado e Ricardo Caiado

Quase 10 anos após a edição da Lei Federal nº 12.846/2013 (Lei Anticorrupção) e grandes operações deflagradas pela Polícia Federal e pelo Ministério Público Federal, com as consequentes punições na esfera administrativa, a Corregedoria Geral da União (CGU) tem ampliado mecanismos de resolução consensual para encerrar os processos punitivos.

Para além do já consagrado acordo de leniência, hoje é possível acordar um julgamento antecipado dos processos administrativos de responsabilização administrativa e civil de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administração pública, nacional ou estrangeira (PAR), nos termos da Portaria Normativa nº 19, de 22 de julho de 2022.

Abrangência

O julgamento antecipado é um instrumento sancionador negocial estabelecido pela CGU no âmbito dos PARs por ela instaurados ou avocados. É uma solução aplicável somente aos processos administrativos decorrentes da Lei Anticorrupção em trâmite perante entidades da administração pública federal direta e indireta.

O procedimento geralmente é utilizado quando a empresa objeto do PAR pretende colaborar, mas não preenche os requisitos de um acordo de leniência, como por exemplo, o incremento da capacidade investigativa da administração pública.  Ao instituir este novo instrumento, a CGU pretende fomentar a cultura de integridade no setor privado, promovendo célere responsabilização pelos atos lesivos praticados contra o poder público.

Estados, Distrito Federal e municípios deverão estabelecer mecanismos próprios de julgamento antecipado de PAR ou editar normativos que expressamente adotem o mecanismo estabelecido pela Portaria CGU nº 19/2022. Trata-se de providência necessária em virtude da aplicação do princípio da separação dos poderes, que confere aos entes federados autonomia para administrar seus bens públicos e punir as condutas ilícitas de seus agentes públicos.

Em âmbito federal, a CGU tem competência concorrente tanto para instaurar quanto para julgar o PAR, o que também pode ser feito pela autoridade máxima da entidade federal lesada, e competência exclusiva para avocar os processos instaurados para exame de sua regularidade ou para corrigir seu andamento, podendo aplicar a penalidade administrativa correspondente. No caso de atos lesivos à administração pública estrangeira, compete exclusivamente à CGU instaurar, apurar e julgar o ato praticado.

Responsabilidade e garantias

O procedimento do julgamento antecipado do PAR exige que empresas investigadas admitam sua responsabilidade objetiva pela prática dos atos lesivos e assumam os seguintes compromissos:

  • ressarcir os valores correspondentes aos danos a que tenha dado causa;
  • perder a vantagem auferida, quando for possível sua estimação;
  • pagar valor reduzido da multa prevista n art. 6º, I, da Lei Anticorrupção;
  • não interpor recursos administrativos contra o julgamento que defira integralmente a proposta;
  • dispensar a apresentação de defesa administrativa no PAR;
  • desistir de ações judiciais relativas ao PAR, caso estejam em curso, ou abster de ajuizá-las, conforme o caso; e
  • atender os pedidos de informações relacionados aos fatos do processo, que sejam de seu conhecimento.

A multa será reduzida conforme o momento do requerimento do julgamento antecipado no PAR, com base na combinação de atenuantes previstas no art. 23 do Decreto nº 11.129/2022, quais sejam:

  • antes da instauração do PAR, benefício de 4,5%;
  • até o prazo para apresentação da defesa escrita, benefício de 4,0%;
  • até o prazo para apresentação de alegações finais, benefício de 3,0%;
  • após o prazo para apresentação de alegações finais, benefício de 2,0%.

A norma preocupou-se em garantir que a rejeição do pedido do julgamento antecipado por parte da CGU ou até mesmo a desistência da empresa investigada em levá-lo adiante não implique reconhecimento da prática do ato lesivo investigado. Ademais, em nenhuma hipótese, a desistência do julgamento antecipado ou seu indeferimento configurará justificativa para impor ou agravar as sanções aplicáveis à pessoa jurídica.

A prática tem demostrado que muitas empresas se sentem desconfortáveis com a assunção de responsabilidade objetiva, mesmo com as garantias e os benefícios previstos na Portaria nº 19/2022, por eventualmente denotarem confissão de intenção para a prática do ato ilícito. Contudo, a norma acertou ao tratar do reconhecimento da responsabilidade objetiva e não da confissão de culpa ou dolo acerca da conduta.

Sob a perspectiva jurídica, a Portaria nº 19/2022 trouxe solução assertiva para a questão. A responsabilidade objetiva é excepcional no direito brasileiro, devendo decorrer expressamente de lei, tal como o fez a Lei Anticorrupção.

Reponsabilidade objetiva implica o dever de se responsabilizar pelo dano causado independentemente de dolo ou culpa na conduta ilícita. Exatamente por isso, a opção pelo julgamento antecipado do PAR não significa que a empresa investigada confessará prática de conduta ilícita por seus representantes. A empresa requerente do julgamento antecipado reconhecerá apenas que tem obrigação legal de se responsabilizar pelo ato ilícito identificado pelas autoridades e enquadrado na Lei Anticorrupção.

Ajustes

A responsabilidade objetiva das pessoas jurídicas é um dos principais mecanismos de enforcement previstos na Lei Anticorrupção, além de constituir sanção gravosa que reforça nas empresas a necessidade de fortalecer seus programas de compliance.

O julgamento antecipado é um mecanismo que permite solução célere do PAR e redução substancial das sanções passíveis de aplicação no âmbito da citada Lei. Trata-se de boa opção para empresas que não querem enfrentar longos litígios com a administração pública.

O instrumento é novo e está em fase de maturação. Em manifestações públicas, representantes da CGU já sinalizaram que a Portaria nº 19/2022 deve ser objeto de atualizações em futuro próximo. Um dos pontos avaliados é a possível alteração da nomenclatura e das consequências jurídicas do acordo para algo semelhante ao Termo de Compromisso de Cessação (TCC) no âmbito do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE).

Acompanhe essas e outras atualizações nas próximas edições da P&N.

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