Lei de Biossegurança: o que está em jogo com a ADI 3526
por Carolina Caiado, João Marçal e Vilmar Gonçalves
Cresce a expectativa do mercado de biotecnologia para o julgamento, pelo Supremo Tribunal Federal (STF), da ADI 3526, que tem por objetivo declarar a inconstitucionalidade de dispositivos da Lei Federal nº 11.105/2005, conhecida como Lei de Biossegurança. O texto estabelece normas de segurança e mecanismos de fiscalização de atividades com Organismos Geneticamente Modificados (OGMs), além de instituir a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio), com competência para deliberar sobre a segurança dos OGMs e derivados, sob o aspecto de saúde humana, animal e ambiental, de caráter vinculante.
No mesmo ano de aprovação da lei, em 2005, o então Procurador-Geral da República Cláudio Fonteles ajuizou a ADI 3526 para declarar a inconstitucionalidade dos dispositivos que tratam, em resumo, das competências da CTNBio para liberação ao meio ambiente de OGMs e seus derivados, bem como para prestar apoio técnico e de assessoramento ao Governo Federal na formulação, atualização e implementação da Política Nacional de Biossegurança.
Depois de alguns anos sem movimentação, o STF iniciou o julgamento da ação. o Ministro Alexandre de Moraes pediu vistas, mas a tramitação da ação segue em ritmo avançado, com cinco votos pela constitucionalidade e três pela inconstitucionalidade dos dispositivos impugnados da Lei de Biossegurança. O Ministro Gilmar Mendes votou pela perda do objeto em relação ao art. 36 e conheceu para julgar improcedente a ADI, declarando constitucionais os demais dispositivos da Lei de Biossegurança. Acompanharam este voto os Ministros Dias Toffoli, Luiz Fux e Roberto Barroso. A Ministra Cármen Lúcia acompanhou o voto de inconstitucionalidade do Ministro Edson Fachin. Da mesma forma fez a Ministra Rosa Weber, que antecipou o seu voto.
O julgamento da ADI pode não só impactar o business das empresas que atuam com pesquisas na área de biotecnologia, mas também os próprios consumidores que adquirem os produtos cuja tecnologia já foi aprovada pela CTNBio.
Argumentos do ex-procurador na ADIN
O ex-procurador alega que haveria inconstitucionalidade naquilo que se refere à competência comum da União, dos estados e dos municípios para proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas, nos termos do art. 23, VI da Constituição Federal e ao princípio da precaução à engenharia genética. A inconstitucionalidade decorreria da dispensa da obrigatoriedade do EIA nas atividades relacionadas à biossegurança, em confronto ao art. 225, §1º, IV, também da Constituição Federal. A consequência seria a inobservância ao princípio democrático e desrespeito ao princípio da independência e harmonia entre os poderes.
De acordo com a tese, ao conceder à CTNBio poderes para decidir em última e definitiva instância sobre os casos em que uma atividade seria potencial ou efetivamente causadora de degradação ambiental, bem como acerca da necessidade de licenciamento ambiental, a Lei de Biossegurança estaria colidindo com a competência cumulativa de todos os entes políticos no âmbito nacional. Haveria, ainda, quebra do Sistema Nacional do Meio Ambiente (Sisnama) e fragmentação do processo de licenciamento ambiental.
Quanto ao EIA, o ex-procurador parte da premissa de que qualquer atividade relacionada aos OGMs seria potencialmente causadora de significativo impacto ambiental. Sustenta que, ao suprimir o licenciamento ambiental em atividades referentes à transgênicos, o princípio democrático estaria sendo descumprido, pois a Lei de Biossegurança inviabilizaria a participação comunitária, que se concretiza mediante a realização de audiências públicas.
No que se refere à violação à coisa julgada, o ex-procurador afirma que a existência de decisão judicial determinando o prévio EIA para liberação de OGMs, no meio ambiente, não tolera a edição de norma permitindo a produção, comercialização e o plantio de soja transgênica independente do EIA.
A CTNBio na Lei de Biossegurança
As políticas públicas de biossegurança e OGMs passam por alto nível de complexidade e tecnicidade. A CTNBio foi criada justamente para exercer o papel de órgão técnico no setor, com o objetivo de aferir se determinado organismo tem potencial para gerar prejuízos para a saúde humana e para o meio ambiente.
A CTNBio é um órgão de caráter consultivo e deliberativo. É formada por 27 (vinte e sete) cidadãos brasileiros com formação acadêmica especializada, competência técnica e destacada atividade profissional nas áreas de biossegurança, biotecnologia, biologia, saúde humana e animal ou meio ambiente. A CTNBIO também é composta por representantes de diversos ministérios, a exemplo do Ministério da Agricultura, Saúde, Meio Ambiente, Ciência, Tecnologia e Inovação, Relações Exteriores, Defesa, entre outros.
À comissão de biossegurança é atribuída a definição de uma atividade potencialmente causadora de degradação ambiental (art. 6º, VI). Cabe à CTNBio, ainda, definir “normas técnicas de segurança e de pareceres técnicos referentes à autorização para atividades que envolvam pesquisa e uso comercial de organismo geneticamente modificado (OGM) e seus derivados, com base na avaliação de seu risco zoofitossanitário, à saúde humana e ao meio ambiente” (art. 10).
O parecer técnico prévio conclusivo da CTNBio vincula, se negativo, os demais órgãos e entidades da Administração, quanto aos aspectos de biossegurança de OGM e seus derivados por ela analisados. Quando positivo, o processo deverá ser encaminhado para avaliação dos órgãos e entidades de registro e fiscalização dos Ministérios da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, do Meio Ambiente, da Saúde e da Secretaria Especial de Aquicultura e Pesca, conforme o caso.
Somente a aprovação pela CTNBio é que resta autorizada a pesquisa, utilização e/ou comercialização de OGMs no Brasil – esta última, em determinadas hipóteses, também depende de autorização de outros órgãos governamentais, como a Agência Nacional de Vigilância Sanitária – ANVISA e o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento.
Impactos e Riscos Jurídicos caso a ADI seja julgada procedente
Em quase 20 anos, a CTNBio já aprovou a biossegurança de importantes tecnologias, tais como vacinas contra a dengue, covid-19 e gripe. Mas, então, o que aconteceria se as competências da CTNBio fossem extintas?
O julgamento está suspenso, mas cinco ministros do STF já votaram pela improcedência. Por essa razão, reputamos como mais provável o cenário de improcedência e manutenção das competências da CTNBio.
Caso a ADI seja julgada procedente, tendo em vista a repercussão social e econômica do tema, as regras de segurança jurídica previstas na LINDB e na Lei Federal nº 9.868/99, e a jurisprudência do STF em casos semelhantes, é improvável que o STF emita decisão que apenas reconheça a inconstitucionalidade de forma simplificada, deixando um vácuo legislativo em matéria de biossegurança.
Cogitando o cenário de a ADI ser julgada procedente, entendemos que é mais provável que o STF aplique efeitos ex nunc, ou seja, a partir do trânsito em julgado da decisão. Nesse caso, o STF modulará os efeitos da decisão de inconstitucionalidade a todos os players impactados, a fim de equalizar o julgado conforme os imperativos da segurança jurídica e do excepcional interesse público, notadamente em razão do grande lapso temporal entre a promulgação da Lei de Biossegurança e o julgamento da ADI. É um cenário em que as autorizações atuais concedidas pela CTNBio a favor das empresas que atuam na área da biotecnologia seriam mantidas.
Por outro lado, diante da extinção das competências do CTNBio, após expirarem os prazos de validade das licenças ambientais pautadas em análises prévias conduzidas pela CTNBio, as empresas teriam que recorrer aos órgãos ambientais licenciadores para comercializar seus produtos e desenvolver suas pesquisas.
Acompanharemos de perto o julgamento da ADI e seus impactos para a indústria da biotecnologia como um todo.
Comentários