Lei Geral de Desapropriação: saiba quais são as novas regras para o procedimento 28 set 2023

Lei Geral de Desapropriação: saiba quais são as novas regras para o procedimento

por Carolina Caiado e Marjorie Iacoponi

O Decreto-Lei 3.365/1941, que disciplina as desapropriações por utilidade pública, passou por alterações recentes em julho. O texto, também conhecido como Lei Geral de Desapropriação, sofreu mudanças que passaram quase despercebidas, pois foram trazidas pela Lei Federal nº 14.620 de 13 de julho de 2023, que teve foco distinto.

Tal lei federal alterou o Programa “Minha Casa, Minha Vida” do Governo Federal, que tem por objetivo ampliar oferta de moradia e reduzir desigualdades sociais, mas também acabou trazendo alterações significativas na Lei Geral de Desapropriação.

Em resumo, as alterações foram as seguintes:

  1. Mudança no procedimento de autorização legislativa para desapropriação de bens públicos;
  2. Inclusão de novas pessoas jurídicas no rol de autorizados a promover a desapropriação;
  3. Obrigação de distribuição de riscos entre: (i) o ente público contratante e (ii) o contratado responsável por obras e serviços de engenharia, incluindo o risco de variação no custo de desapropriação face ao orçamento estimado;
  4. Obrigação de medidas compensatórias no planejamento da ação de desapropriação em imóveis ocupados por população de baixa renda;
  5. Obrigatoriedade de adoção de providências pelo ente público expropriante se houver inviabilidade ou perda objetiva de interesse público em manter a destinação do bem, incluindo a possibilidade de assegurar direito de preferência na aquisição do bem à pessoa física ou jurídica que foi expropriada;
  6. Possibilidade de indenização por danos causados em razão do excesso ou abuso de poder no decorrer das inspeções e levantamentos de campo realizados;
  7. Previsão de juros compensatórios se houver imissão prévia na posse.

Mais inovações
A Lei Federal nº 6015/1973 (Lei de Registros Públicos) também foi alterada para refletir as mudanças nos procedimentos de registro da desapropriação, que é realizado nos cartórios.

Dentre as alterações trazidas à Lei Geral de Desapropriação, duas merecem destaque: a mudança no procedimento de autorização legislativa para desapropriação de bens públicos e a possibilidade de novas pessoas jurídicas no rol de autorizados a promover a desapropriação.

Autorização legislativa para bens públicos
Antes da alteração, a redação do art. 2 da Lei Geral de Desapropriação era pouco técnica, gerava dúvidas sobre as hipóteses que demandavam autorização legislativa. Com a nova regra, sempre que a União pretender desapropriar um imóvel de propriedade dos Estados, Municípios ou Distrito Federal precisará de autorização legislativa do Congresso Nacional.

Por sua vez, o Estado deve obter autorização da Assembleia para desapropriar imóveis de domínio dos Municípios. Um exemplo: caso a União, por intermédio da Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL), demande determinado imóvel estadual, municipal ou distrital para a execução de um projeto para concessão para geração de serviços públicos de energia elétrica, e a agência ou a concessionária não cheguem a um acordo com o ente a ser expropriado, a ANEEL precisará oficiar o Presidente da República – diretamente ou por meio do Ministério de Minas e Energia –  para que a autorização seja emitida pelo Congresso Nacional.

Isso porque o Presidente tem competência privativa para dispor sobre bens públicos, seguindo o racional da Lei Federal nº 9.636 de 1998 (Lei Federal de Bens Públicos) que, em seu artigo 23, exige que a “alienação de bens públicos dependerá sempre de autorização, mediante ato do Presidente da República”.

Se houver consenso entre os entes federativos, tal autorização legislativa poderá ser dispensada. Nesse caso, as partes deverão firmar acordo para fixar as respectivas responsabilidades financeiras quanto ao pagamento das indenizações correspondentes.

Por um lado, a autorização legislativa mitiga o conflito de interesses políticos entre os entes do Poder Executivo para uso de determinado imóvel. Por outro, pode gerar atraso no cronograma dos projetos, tendo em vista que a autorização pode demorar meses para ser expedida.

Novas pessoas jurídicas promovem desapropriação
Outra alteração na Lei Geral de Desapropriação  amplia o rol de legitimados autorizados a promover a desapropriação. A Lei incluiu expressamente no rol: os concessionários, inclusive sobre regime de PPP, permissionários, autorizatários e arrendatários e empresa contratada responsável pela execução de obras e serviços de engenharia sob os regimes de empreitada por preço global, empreitada integral e contratação integrada.

Ao longo do tempo, os entes públicos contratantes identificaram a necessidade de possibilitar que novas empresas em colaboração com o Poder Público pudessem providenciar os documentos técnicos, intermediar as negociações e ajuizar as ações de desapropriação em face dos proprietários. Uma solução encontrada para minorar o fato de que a Administração Pública não detém todos os recursos necessários – financeiros ou humanos – para promover desapropriações de todos os projetos de sua iniciativa, principalmente os grandes projetos, que abrangem grande quantidade de áreas a serem desapropriadas.

Aliás, o rol de legitimados não deve ser interpretado de forma taxativa, porque outras situações podem demandar atuação da iniciativa privada na promoção de atos expropriatórios. Citamos como exemplo o caso de uma empresa que, como resultado de acordo firmado com o Município, precisa desapropriar imóveis localizados em área de risco para implementar projeto de demolição e reconstrução das moradias. O Prefeito é competente para emitir o decreto de utilidade pública, mas poderá delegar à empresa as funções necessárias para a promoção das desapropriações.

Origem
A Lei Geral de Desapropriação é aplicável a todos os entes da federação, que devem seguir o procedimento definido para desapropriação tanto em âmbito administrativo quanto judicial. Ela foi recepcionada pela Constituição Federal de 1988 com força de lei nacional.

A desapropriação é um importante instituto para concretização de políticas públicas. Dentre os casos de utilidade pública que autorizam a desapropriação, podemos citar: a exploração de serviços públicos, aproveitamento industrial de minas e jazidas minerais, criação de estádios, conservação de vias e logradouros públicos, execução de planos de urbanização, dentre outros.

O instrumento é uma das formas mais gravosas de intervenção do Estado na propriedade privada, podendo também recair sobre imóveis públicos. A desapropriação distingue-se da servidão administrativa, pois esse último instituto não implica a retirada da propriedade, mas restringe seu uso em atendimento a determinado interesse público.

Ao longo do tempo, a Lei Geral de Desapropriação foi alterada para acompanhar a evolução, não apenas dos procedimentos de composição de conflitos com os proprietários, mas também das parcerias firmadas entre a Administração Pública e a iniciativa privada para implementação de projetos de relevância pública.

Acompanharemos como as mais recentes alterações impactarão os procedimentos de desapropriação e a celeridade dos projetos de relevância pública. Se o projeto exigir desapropriação de bens públicos, o envolvimento da área de relações institucionais das empresas autorizadas a promover a desapropriação pode ser estratégico para a celebração do acordo, evitando a necessidade de provocar o Congresso Nacional ou Assembleia Estadual para obtenção da autorização legislativa.

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