Marco Legal das Garantias
Produzido pela equipe de Imobiliário e Bancário e Financiamento
O Marco Legal das Garantias (lei nº 14.711/2023), publicado no final de 2023, foi elaborado para modernizar a legislação vigente sobre o tema, com intuito de promover uma maior segurança jurídica às garantias prestadas, notadamente a hipoteca e a alienação fiduciária, bem como para facilitar a sua execução e diminuir os riscos relacionados à inadimplência dos devedores.
Essa ampla alteração legislativa, que impacta não somente o direito imobiliário, mas também operações bancárias, busca, dentre outros, reaquecer o instituto da hipoteca, otimizar o funcionamento das alienações fiduciárias e promover um ambiente mais propício para a tomada de empréstimos imobiliários, com a diminuição de seus juros, uma vez que facilitou a localização de bens e sua execução pelo credor.
Uma mudança sensível está na possibilidade de constituição de alienação fiduciária superveniente sobre o mesmo bem imóvel.
Isso significa que um bem imóvel já gravado por alienação fiduciária poderá ser dado em alienação fiduciária subsequente, visando garantir obrigação distinta daquela que originou o gravame inicial. Dessa forma, em caso de excussão de imóvel gravado com mais de uma alienação fiduciária, as anteriores terão prioridade em relação às posteriores, sendo certo que os direitos dos credores posteriores sub-rogam-se no preço obtido com a venda do bem. Caso o credor pague a dívida do fiduciante, ele irá se sub-rogar tanto no crédito quanto na propriedade fiduciária.
A alienação fiduciária superveniente é suscetível de registro no cartório de registro de imóveis desde a data de sua celebração, mas apenas se torna eficaz a partir do cancelamento da propriedade fiduciária anteriormente constituída.
As novas regras otimizam o funcionamento das alienações fiduciárias de imóveis no Brasil, pois, diferentemente do modelo anterior, em que costumava haver descasamento entre o valor da dívida e o valor do imóvel (principalmente nas parcelas finais do pagamento da obrigação), o imóvel ficava “preso” a uma dívida muito inferior ao seu valor. Assim, com a alienação fiduciária superveniente, os imóveis podem ser envolvidos em diversas obrigações e seu valor não fica restrito a assegurar uma única dívida.
Podemos destacar, também, outras duas novidades trazidas, agora, (i) há a previsão legal de as partes fazerem constar no contrato que, em caso de inadimplemento, o credor poderá declarar vencidas as demais obrigações garantidas pelo mesmo imóvel de que for titular e (ii) foi formalizada a possibilidade de a alienação fiduciária ser contratada com escopo de garantia de dívida de terceiros, além de dívida própria.
A nova lei trouxe mudanças, ainda, ao procedimento de consolidação da propriedade. A partir de agora o contrato poderá definir o prazo de carência para expedição da intimação, e, não existindo tal previsão, será expedida em 15 dias. Além disso, foram criados dispositivos de forma a evitar que o devedor se beneficie de sua ausência. Exemplo disso é que, doravante, presume-se que o devedor e, se for o caso, o terceiro fiduciante, encontram-se em lugar ignorado quando não forem encontrados no local do imóvel dado em garantia, nem no endereço que tenham fornecido por último, e em local inacessível aquele em que o funcionário se recuse a receber a intimação ou que não haja funcionário para tanto.
Ainda, no segundo leilão referente ao procedimento de cobrança, purgação de mora, consolidação da propriedade fiduciária e leilão decorrentes de financiamento para aquisição ou construção de imóvel residencial, o lance mínimo para arrematar o imóvel é composto pela dívida garantida pela alienação fiduciária mais antiga + despesas + encargos; e, se não houver lance que atenda ao referencial mínimo para arrematação, a dívida será considerada extinta, com a recíproca quitação, hipótese em que o credor ficará investido da livre disponibilidade.
Já para a cobrança, purgação de mora, consolidação da propriedade fiduciária e leilão decorrentes de financiamento para aquisição ou construção de imóvel não residencial, o lance mínimo no segundo leilão será a dívida + despesas + encargos. Porém, caso nenhum lance alcance tal valor, o credor fiduciário poderá escolher aquele que corresponda a pelo menos metade do valor de avaliação do bem, podendo o credor executar judicialmente o valor remanescente. Portanto, diferentemente da alienação fiduciária de imóvel residencial, a dívida garantida por alienação fiduciária de imóvel não residencial não se extingue com a execução da garantia.
Consolidada a propriedade em nome do credor fiduciário, este promoverá o leilão do imóvel em até 60 dias. A existência de direitos reais de garantia, ou constrições e indisponibilidade de qualquer natureza sobre o direito real de aquisição do fiduciante, não obstam a consolidação da propriedade e a venda do imóvel. Nessa hipótese, os titulares dos direitos reais sub-rogam-se no direito do fiduciante à percepção do saldo que eventualmente restar do produto da venda.
Por fim, o prazo para realização do leilão público para alienação do imóvel dobrou: passou a ser de 60 dias contados da consolidação da propriedade.
A hipoteca, por sua vez, também contemplada com alterações na referida lei, poderá ser executada extrajudicialmente através de dois leilões, sendo garantido ao devedor ou ao prestador da garantia hipotecária o direito de remir a execução mediante o pagamento da totalidade da dívida, acrescida das despesas com o procedimento de cobrança e leilões no prazo de três dias.
O inadimplemento da obrigação garantida por hipoteca faculta ao credor declarar vencidas as demais obrigações de que for titular garantidas pelo mesmo imóvel.
O procedimento para execução dos créditos garantidos por hipoteca passa a ser o seguinte:
(i) Vencida e não paga a dívida hipotecária, o devedor e, se for o caso, o terceiro hipotecante ou seus representantes serão intimados pessoalmente, a requerimento do credor ou do seu cessionário para purgar a mora em 15 dias;
(ii) A não purgação da mora no prazo estabelecido autoriza o início da excussão extrajudicial por meio de leilão público, que deverá ser averbada na matrícula do imóvel nos 15 dias seguidos ao término do prazo estabelecido para purgação da mora.
(iii) Após a averbação, o credor promoverá o leilão público, que poderá ser por meio eletrônico, no prazo de 60 dias.
(iv) Caso o lance oferecido no 1º leilão não seja igual ou superior ao valor do imóvel, conforme estabelecido no contrato ou ao valor da avaliação realizada pelo órgão público, o 2º leilão será realizado nos 15 dias seguintes.
(v) No segundo leilão, será aceito o maior lance oferecido, desde que seja igual ou superior ao valor integral da dívida, das despesas e das contribuições condominiais.
(vi) Caso o 2º leilão não alcance a totalidade da dívida, o credor poderá apropriar-se do imóvel, ou realizar, no prazo de 180 dias contados do último leilão, a venda direta do imóvel a terceiro, por valor não inferior ao referencial mínimo.
Por fim, vale notar que a hipoteca e a alienação fiduciária poderão ser estendidas para garantir novas obrigações em favor do mesmo credor – no caso da alienação fiduciária, desde que que inexista obrigação contratada com credor diverso garantida pelo mesmo imóvel −, de modo que, caso o credor efetue o pagamento das dívidas garantidas pelas hipotecas ou alienações fiduciárias anteriores, sub-rogar-se-á nos seus direitos.
A Administração Fiduciária
Importante alteração foi realizada através da inauguração de novo capítulo no código civil, denominado “do contrato de administração fiduciária”, com a criação do agente de garantia, que poderá constituir, levar a registro, gerar e pleitear a execução de garantias.
Embora a atuação de agentes de garantia já pudesse ser observada em operações de crédito e financiamento, tendo em vista, principalmente, que essa prática é amplamente utilizada em operações desse tipo no exterior, não havia previsão pátria para a atuação dessa figura até o advento do Marco Legal das Garantias.
De acordo com a nova norma, qualquer garantia poderá agora contar com a colaboração de um agente de garantia, designado pelos credores para, agindo em seu interesse, tratar da constituição, registro, gerenciamento e execução da garantia, inclusive em ações judiciais que envolvam discussões sobre a existência, a validade ou a eficácia do ato jurídico do crédito garantido.
Nos termos do Marco Legal das Garantias, o agente de garantia guardará dever fiduciário com os credores, respondendo a eles por todos os seus atos. Além disso, a norma garante aos credores a possibilidade de substituição do agente de garantia inicialmente constituído por decisão do credor único (se aplicável) ou, no caso de pluralidade de credores, pelo voto afirmativo dos credores que representarem a maioria simples dos créditos garantidos, reunidos em assembleia, cujas regras de convocação e funcionamento deverão constar do instrumento que constituiu o agente de garantia.
Com relação à execução das garantias administradas, o Marco Legal das Garantias estabelece que os agentes de garantia estão autorizados a proceder com a execução extrajudicial da garantia quando houver previsão na legislação especial aplicável à modalidade de garantia.
Não bastasse, em mecanismo semelhante aos utilizados em operações de mercado de capitais, a norma prevê que o produto da realização da garantia, enquanto não transferido para os credores, constitui patrimônio separado daquele do agente de garantia e não poderá responder por suas obrigações pelo período de até 180 (cento e oitenta) dias, contados da data de seu recebimento. De qualquer forma, o valor do produto da realização da garantia deverá ser distribuído pelo agente de garantia aos respectivos credores no prazo de 10 (dez) dias úteis.
Finalmente, embora sua atuação seja em benefício e no interesse dos credores, os agentes de garantia poderão manter contratos com o devedor, com estrita boa-fé, para: (i) pesquisa de ofertas de crédito mais vantajosas entre os diversos fornecedores; (ii) auxílio nos procedimentos necessários à formalização de contratos de operações de crédito e de garantias reais; (iii) intermediação na resolução de questões relativas aos contratos de operações de crédito ou às garantias reais; e (iv) outros serviços não vedados em lei.
Aspectos Bancários
A Lei nº 14.711 também cuidou de implementar medidas para facilitar e, sobretudo, flexibilizar, a emissão de debêntures no mercado de capitais brasileiro.
Uma das principais inovações ao tema tem relação com os processos autorizativos para a emissão de debêntures. Com a nova norma, desde que não haja disposição estatutária em contrário, a decisão poderá ser tomada diretamente pelo conselho de administração ou pela diretoria – exceto nos casos de debêntures conversíveis em ações, cuja aprovação permanece restrita à deliberação por parte da assembleia geral da sociedade.
Visando também a desburocratização do processo de emissão, o Marco Legal das Garantias eliminou a exigência de registro da escritura de emissão de debêntures na junta comercial da sede do emissor. Vale destacar, contudo, que a obrigação permanece válida quanto ao ato societário de aprovação da emissão, que deve ser arquivado na junta comercial e publicado em jornais, como determina a Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976.
No entanto, a nova norma prevê que a Comissão de Valores Mobiliários (“CVM”) deverá disciplinar o registro e a divulgação do ato societário no caso de companhias abertas, e da escritura de emissão das debêntures objeto de oferta pública ou admitidas à negociação e seus aditamentos.
Adicionalmente, em medida que poderá possibilitar novas estruturas e modelos de negócios em emissões de debêntures, o Marco Legal das Garantias passou a permitir que sejam aprovadas emissões de debêntures com valor e número de série indeterminados, dentro dos limites fixados pelo órgão competente da companhia para aprovar a emissão.
Em outras palavras, agora é possível que as emissões de debêntures não possuam valores e estruturas pré-determinadas, que poderão ser definidas pelo emissor (em colaboração com a instituição estruturadora da oferta), no decorrer de sua existência, de acordo com suas necessidades e interesses.
Por fim, objetivando facilitar a convocação e aprovação de deliberações em assembleias de debenturistas, a Lei nº 14.711 determinou que, no caso de debêntures de companhia aberta cuja titularidade esteja dispersa no mercado (situação em que nenhum debenturista detenha, direta ou indiretamente, mais de metade das debêntures), poderá a CVM reduzir o quórum de aprovação original. Cabe destacar, contudo, que a mencionada redução de quórum somente poderá ser adotada em terceira convocação.
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