Mercado de Carbono no Brasil: padrões internacionais são opção mais segura até que o Órgão Gestor do SBCE seja criado
Por Carolina Caiado e Carolina Pazzoti
O mercado de carbono no Brasil encontra-se em um momento de consolidação, com avanços regulatórios que estabelecem as bases para sua operação. A recente promulgação da Lei 15.042/2024 é um passo significativo na regulação do mercado de carbono no país. Entretanto, a medida representa o início de um processo mais amplo e complexo.
Da governança prevista na lei para o Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões de Gases do Efeito Estufa (SBCE), apenas o Comitê Interministerial sobre Mudança do Clima (CIM) é estrutura existente no Governo Federal. Espera-se que a regulamentação da lei, prevista para ocorrer nos 12 meses seguintes a sua promulgação, complete a governança do sistema, estabelecendo o Órgão Gestor e o Comitê Técnico-Consultivo Permanente do SBCE.
Como você conferiu na edição anterior da P&N, na qual explicamos tudo sobre o SBCE, o Órgão Gestor é a estrutura principal do sistema, pois será sua instância normativa, regulatória, executiva, sancionatória e recursal. Será uma espécie de agência reguladora, pilar essencial do funcionamento do mercado regulado de crédito de carbono no Brasil.
Compete ao Órgão Gestor, por exemplo, definir as metodologias de monitoramento e regular a apresentação de informações sobre emissões, redução de emissões e remoção de gases de efeito estufa (GEE); elaborar e submeter ao CIM proposta de Plano Nacional de Alocação; criar, manter e gerir o Registro Central do SBCE, entre várias outras atribuições previstas na Lei 15.042. Além disso, caberá ao Órgão Gestor emitir as Cota Brasileira de Emissões (CBEs) e reconhecer os Certificados de Redução ou Remoção Verificada de Emissões (CRVEs), que são os ativos fungíveis e transacionáveis do SBCE.
Até que mercado regulado de carbono esteja plenamente estruturado e operacional, o mercado voluntário continuará desempenhando papel fundamental, operando com base nos padrões internacionais já consolidados.
Mercado voluntário
O mercado voluntário se baseia em compromissos espontâneos de neutralidade e é utilizado por empresas que desejam adquirir créditos de carbono certificados por padrões internacionais. A comercialização desses créditos pode ocorrer diretamente entre vendedores e compradores ou por meio de plataformas especializadas[1].
Contudo, vale observar as diretrizes e restrições já previstas na Lei 15.042 para o mercado voluntário. A lei prevê que os projetos de oferta voluntária deverão seguir a metodologias do mercado regulado. Como ainda não há regulamentação sobre as metodologias que serão aceitas no âmbito do SBCE, caberá aos desenvolvedores de projetos estruturá-los com base em padrões internacionalmente reconhecidos, que certamente serão adotados ou servirão como parâmetro para as metodologias do SBCE.
Nesse sentido, um elemento essencial para garantir a integridade e a confiabilidade das transações de crédito de carbono no mercado voluntário é a certificação de créditos por terceiros independentes[2]. As entidades certificadoras desempenham papel central ao validar e verificar os projetos de carbono, assegurando que eles cumpram critérios rigorosos de redução de emissões, sustentabilidade ambiental e benefícios sociais. Esse processo meticuloso proporciona uma camada adicional de segurança para os investidores, ao mesmo tempo em que contribui para a credibilidade do mercado como um todo.
Os padrões internacionais utilizados na certificação de créditos de carbono desempenham uma função primordial nesse contexto. Modelos como o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL), o Verified Carbon Standard (VCS) e o Gold Standard são amplamente reconhecidos e adotados[3]. Cada um desses padrões estabelece regras e procedimentos detalhados para garantir que os créditos de carbono gerados representem, de fato, reduções de emissões verificadas e permanentes. Essa padronização contribui para a uniformidade e a transparência do mercado, além de criar confiança entre os participantes.
A certificação por meio desses padrões internacionais também facilita a entrada de investidores estrangeiros no mercado voluntário de carbono brasileiro, uma vez que proporciona garantias sobre a autenticidade e a qualidade dos créditos negociados[4]. Assim, o alinhamento a esses padrões não apenas fortalece a segurança jurídica, mas também posiciona o Brasil como um destino confiável e atrativo para investimentos em projetos de sustentabilidade.
Red flags
Cabe aos desenvolvedores e investidores de projetos desenvolvidos no âmbito do mercado voluntário se atentar para as restrições trazidas pela Lei 15.042, que já estão em pleno vigor. Entre as mais relevantes, citamos as titularidades originárias dos entes federativos para determinados créditos de carbono: (i) da União sobre os créditos gerados em terras devolutas e unidades de conservação federais; (ii) dos Estados e do Distrito Federal sobre os créditos de carbono gerados em unidades de conservação estaduais e distritais; (iii) dos Municípios sobre os créditos de carbono gerados em unidades de conservação municipais.
Mas não é só: a Lei 15.042 também garantiu a titularidade originária das comunidades indígenas sobre os créditos de carbono gerados nas respectivas terras indígenas; das comunidades extrativistas e tradicionais sobre os créditos de carbono gerados nas respectivas unidades de conservação de uso sustentável que admitem sua presença; e das comunidades quilombolas sobre os créditos de carbono gerados nas respectivas terras remanescentes das comunidades dos quilombos.
A Lei protege a propriedade privada e usufruto de terceiros, pois muitas unidades de conservação abrangem fazendas privadas. Além das ressalvas feitas nos dispositivos que expressamente tratam da titularidade originária dos créditos de carbono dos entes federativos, há previsão expressa no sentido de que há “titularidade originária dos proprietários ou usufrutuários privados sobre os créditos de carbono gerados em imóveis de usufruto privado”.
Dessa forma, a realização de due diligence jurídica, sobretudo sob as perspectivas ambiental e imobiliária, é essencial para garantir a segurança jurídica dos projetos em desenvolvimento no mercado voluntário.
Presente e futuro
A recente promulgação da Lei nº 15.042/2024, que estabeleceu o SBCE, representa um marco para o país, alinhando-o aos esforços globais de mitigação das mudanças climáticas. A nova lei busca criar um sistema eficiente e transparente para a redução de emissões, integrando práticas internacionais ao contexto nacional.
Nesse contexto, o SBCE se revela como o eixo estrutural do mercado de carbono no Brasil, sendo essencial para o seu funcionamento e efetividade. O sistema será responsável por determinar limites de emissões e estabelecer a estrutura para a negociação dos créditos de carbono.
Contudo, a promulgação da lei é apenas o início da regulamentação do setor, que pode levar no mínimo 5 anos para ser concluída, segundo cronograma estabelecido na própria norma. Até lá, o mercado voluntário continuará desempenhando papel fundamental, operando com base nos padrões internacionais já consolidados.
Quer saber mais sobre as novidades da Lei 15.042? Aguarde a próxima edição da P&N e siga nos acompanhando para se manter informado sobre o mercado de carbono no Brasil e no mundo.
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[1] https://selvaflorestal.com/certificacao-de-creditos-de-carbono-e-sua-seguranca-entenda/
[2] https://selvaflorestal.com/certificacao-de-creditos-de-carbono-e-sua-seguranca-entenda/
[3] https://credcarbo.com/carbono/certificacao-de-creditos-de-carbono-tudo-que-voce-precisa-saber/
[4] https://selvaflorestal.com/certificacao-de-creditos-de-carbono-e-sua-seguranca-entenda/
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