Ministério da Fazenda publica a Portaria Normativa SPA/MF n° 615, que regulamenta as transações de pagamento envolvendo lotéricas de apostas de quota-fixa 21 maio 2024

Ministério da Fazenda publica a Portaria Normativa SPA/MF n° 615, que regulamenta as transações de pagamento envolvendo lotéricas de apostas de quota-fixa

Foi publicada pela Secretaria de Prêmios e Apostas do Ministério da Fazenda (“SPA”), no dia 16 de abril de 2024, a Portaria Normativa SPA/MF n° 615 (“Portaria nº 615”) que, em linhas gerais, estabelece as regras e obrigações a serem seguidas, no território brasileiro, nas transações de pagamento envolvendo os agentes responsáveis por lotéricas de apostas de quota-fixa e seus respectivos apostadores.

Como previamente definido pela Lei nº 14.790, de 29 de dezembro de 2023 (“Lei nº 14.790”), as apostas de quota-fixa são aquelas em que um fator de multiplicação do valor apostado define o montante a ser recebido pelo apostador em caso de premiação. Nos termos da Lei nº 14.790, as apostas de quota-fixa poderão ter por objeto (i) eventos reais de temática esportiva (assim entendidos como  evento, competição ou ato que inclui competições desportivas, torneios, jogos ou provas, individuais ou coletivos, excluídos aqueles que envolvem exclusivamente a participação de menores de 18 (dezoito) anos de idade, cujo resultado é desconhecido no momento da aposta); e (ii)  eventos virtuais de jogos on-line (definidos, por sua vez, como  canal eletrônico que viabiliza a aposta virtual em jogo no qual o resultado é determinado pelo desfecho de evento futuro aleatório, a partir de um gerador randômico de números, de símbolos, de figuras ou de objetos definido no sistema de regras).

Além disso, a Lei nº 14.790 define agente operador como a pessoa jurídica que recebe autorização da SPA para explorar apostas de quota-fixa no país, sendo, portanto, responsáveis pela administração dos domínios de apostas.

Assim, no presente Alerta iremos expor as principais disposições estabelecidas pela nova portaria, que é de grande relevância ao funcionamento e regulamentação das apostas de quota-fixa no país.

Contas relacionadas às Apostas de Quota-Fixa

De início, a Portaria nº 615 elenca os diferentes tipos de contas a serem envolvidas nas estruturas das apostas de quota-fixa. São elas:

  • Conta Cadastrada: conta de depósito ou de pagamento pré-paga, de titularidade do apostador, utilizada como origem dos aportes e das retiradas dos recursos financeiros;
  • Conta Proprietária: conta de depósito ou de pagamento pré-paga, de titularidade e livre movimentação do agente operador, utilizada para cobertura de despesas operacionais e gerenciamento de liquidez;
  • Conta transacional: conta de depósito ou de pagamento pré-paga, de titularidade do agente operador, utilizada como destino dos aportes financeiros realizados pelos apostadores; e
  • Conta Gráfica: conta virtual, disponibilizada no sistema de apostas para todos os apostadores, que permite o gerenciamento das apostas e recursos financeiros.

Adicionalmente, a norma define como “apostas em aberto” as apostas para eventos esportivos reais ou eventos virtuais de jogo on-line que não tenham sido liquidadas financeiramente pelo agente operador.

Transações de Pagamento

De acordo com a Portaria nº 615, no âmbito das apostas de quota-fixa, o aporte e a retirada dos recursos financeiros deverão ser realizados exclusivamente por transferência eletrônica entre uma Conta Cadastrada do apostador e a Conta Transacional do agente operador, sendo proibidos aportes financeiros que não sejam por: PIX, Transferência Eletrônica Disponível – TED, cartão de débito ou pré-pago, e transferência nos próprios livros (book transfer), em caso de contas mantidas em uma mesma instituição.

Desta forma, ficam vedados aportes financeiros realizados por meio de dinheiro, boletos, cheques, cartões de crédito ou quaisquer outros instrumentos de pagamento pós-pagos, criptoativos, dentre outras hipóteses não previstas nas opções elencadas acima.

Além disso, no intuito de controlar a atuação dos agentes operadores, a portaria define certas vedações aplicáveis a eles, como: (i) permitir a realização de apostas sem prévia liquidação da transferência eletrônica do aporte financeiro feito pelo apostador; (ii) conceder adiantamento, antecipação, bonificação ou vantagem prévia para incentivar a realização de apostas; (iii) firmar parceria, convênio ou qualquer tipo de contrato que viabilize ou facilite o acesso a crédito pelo apostador; (iv) promover ou permitir acesso, por meio de seu estabelecimento físico ou de seus canais eletrônicos, à pessoa física ou jurídica que conceda crédito ou realize operação de fomento mercantil a apostadores; e (v) manter recursos de sua propriedade nas contas transacionais.

Conta Transacional

As Contas Transacionais só poderão ser mantidas por agentes operadores junto a instituições financeiras brasileiras que tenham autorização do Banco Central do Brasil (“BACEN”) para funcionar. Dentre suas principais funcionalidades, as contas devem permitir aos apostadores que efetuem aportes financeiros e retiradas de recursos financeiros perante os agentes operadores, bem como que recebam os valores de prêmios que lhe sejam devidos.

A Portaria nº 615 ainda estabelece, em importante disposição, que as Contas Transacionais (i) constituem patrimônio separado, que não se confunde com o do agente operador; e (ii) não respondem direta ou indiretamente por nenhuma obrigação judicial envolvendo o agente operador, não compõem o ativo deste para casos de falência, recuperação judicial e outros casos e insolvência e, por fim, não podem ser entregues como garantias para débitos assumidos pelo agente operador.

Vale destacar que é permitido a utilização de diferentes contas transacionais por um mesmo agente operador, inclusive em instituições financeiras ou de pagamento distintas.

Outra importante exigência estabelecida pela norma é que o saldo agregado das Contas Transacionais do agente operador deve ser permanentemente equivalente ao somatório dos “saldos financeiros disponíveis” de todos os apostadores, acrescido do saldo agregado das apostas em aberto.

Para fins da regra mencionada acima, considera-se “saldo financeiro disponível” o saldo líquido dos aportes liquidados e das retiradas financeiras realizadas, acrescido dos prêmios recebidos que forem mantidos na conta gráfica, e deduzido do valor das apostas realizadas.

Finalmente, a nova norma determina que é vedado ao agente operador manter recursos de sua propriedade nas Contas Transacionais, bem como utilizar os recursos dos apostadores mantidos nas Contas Transacionais, mesmo que transitoriamente, para cobertura de prêmios devidos ou quaisquer outras despesas de responsabilidade do agente operador.

Na nova norma, a SPA inova permitindo que agentes operadores apliquem o saldo diário total ou parcial das Contas Transacionais em (i) títulos públicos federais, registrados no Sistema Especial de Liquidação e de Custódia (“SELIC”) ou em (ii) operações compromissadas lastreadas em títulos públicos federais admitidos à negociação no SELIC, devendo a aplicação ser feita por intermédio da instituição financeira que mantém a Conta Transacional ativa.

Sobre tais aplicações financeiras, vale destacar que os referidos títulos públicos federais devem: (i) ser denominados em reais e adquiridos no mercado secundário; (ii) ter prazo máximo a decorrer de 540 (quinhentos e quarenta) dias até o vencimento: e (iii) não estar referenciado em moeda estrangeira. São vedadas as aplicações do saldo diário em quaisquer tipos de investimento não previstos na portaria e o compartilhamento dos ganhos resultantes das aplicações com os apostadores.

Conta Gráfica

O agente operador deve disponibilizar em seu sistema de apostas uma Conta Gráfica, individual a cada apostador cadastrado, que permita ao apostador gerenciar suas operações e seus recursos financeiros no âmbito da plataforma de apostas.

A Conta Gráfica deverá informar, no mínimo, o histórico de entrada e saída de recursos financeiros dos últimos 36 (trinta e seis) meses, o valor das apostas em aberto e o saldo financeiro disponível ao apostador. O agente operador não tem a permissão de restringir a retirada do saldo financeiro pelos apostadores no âmbito das Contas Gráfica – de forma que os usuários têm total liberdade para fazer depósitos ou retiradas de valores.

Pagamento dos Prêmios

Segundo a Portaria nº 615, os prêmios deverão ser pagos pelo agente operador e realizados exclusivamente por transferência eletrônica, em favor da Conta Cadastrada do apostador em questão. Também é permitido ao usuário manter os prêmios na Conta Transacional do agente operador, para assim utilizar os créditos em futuras apostas. Em hipóteses de não ocorrência dos eventos esportivos, sendo impossível apurar os resultados das apostas, serão devolvidos integralmente aos usuários os valores apostados.

Caso os valores arrecadados pelos agentes operadores, após a liquidação das apostas abertas, sejam insuficientes para pagamento dos apostadores, devem os agentes operadores pessoalmente arcar com os valores devidos, transferindo de sua Conta Proprietária para a Conta Transacional o montante necessário para pagamento dos prêmios devidos.

Após o encerramento dos eventos esportivos ou sessão de jogo on-line, os pagamentos aos apostadores vencedores deverão ser feitos em até 120 (cento e vinte) minutos, contados do encerramento do evento referente à respectiva aposta.

No caso de apostas esportivas, assim que realizados os pagamentos dos prêmios aos apostadores, o agente operador transferirá da Conta Transacional para a Conta Proprietária o valor referente à sua própria remuneração.

Gestão de Liquidez

Visando garantir a higidez financeira dos agentes operadores e do mercado de apostas de quota-fixa de forma geral, a Portaria nº 615 estabelece diversas regras e requisitos relacionados à gestão de liquidez das casas de apostas.

De acordo com a nova norma, deverão os agentes operadores implementar política de gerenciamento da exposição ao risco de liquidez que, no mínimo: (i) estabeleça, de modo objetivo, metodologia de cálculo dos limites de exposição; (ii) preveja processos para mensurar, monitorar e mitigar a exposição ao risco de liquidez em diferentes horizontes de tempo, inclusive no intervalo de um único dia; (iii) contenha plano de contingência para enfrentar situações de estresse de liquidez.

Referida política de gerenciamento deve ser aprovada e revisada anualmente pelos administradores dos agentes operadores, e estes deverão manter à disposição da SPA documentos que comprovem a adoção e implementação da política.

A norma ainda determina que os agentes operadores deverão manter em suas respectivas Contas Proprietárias recursos suficientes para realização de despesas operacionais cobertura de limites de exposição.

Para evitar que casos de insolvência ou iliquidez prejudiquem os apostadores, os agentes operadores devem também constituir uma reserva financeira de, no mínimo, R$ 5.000.000,00 (cinco milhões de reais), destinada ao pagamento dos prêmios e demais valores devidos em casos de inadimplência, só podendo ser utilizada quando esgotadas as demais fontes de recursos previstas no plano de contingência.

A reserva financeira deve ser feita de forma apartada das Contas Transacionais e Contas Proprietárias dos respectivo agente operador, e deverá ser custodiada em instituição financeira autorizada a funcionar pelo BACEN sob a forma de títulos públicos federais, devendo o contrato firmado com a respectiva instituição conter vedação à utilização dos recursos: (i) como garantia de operações assumidas pelo agente operador; (ii) em finalidade que não seja o pagamento de prêmios e demais valores devidos aos apostadores; e (iii) sem prévia autorização da SPA.

 

A Portaria nº 615 entrou em vigor na data de sua publicação.

Principal contato:

Jorge Gallo – Sócio
jorge.gallo@cmalaw.com

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