Mudanças climáticas e setor público: o papel das infraestruturas resilientes na prevenção de desastres 25 out 2024

Mudanças climáticas e setor público: o papel das infraestruturas resilientes na prevenção de desastres

Por Diego Fernandes e Carolina Pazzoti

 

Os recentes eventos climáticos no Rio Grande do Sul expuseram os graves impactos que o avanço das mudanças climáticas pode trazer, com perdas humanas e significativos prejuízos materiais. Embora este evento seja alarmante, ele é parte de um cenário mais amplo de vulnerabilidade climática em todo o Brasil.

Um tema recorrente no debate sobre os desastres climáticos é a adaptação das cidades a esta nova realidade, o que passa pelas infraestruturas resilientes, construções projetadas para suportar condições adversas, como sistemas de drenagem eficientes, pavimentos permeáveis e construções elevadas, que ajudam a prevenir enchentes e minimizar os danos causados por eventos extremos. No âmbito internacional, este tema é tratado pela Agenda 2030 e pelos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), especialmente o ODS 9 (indústria, inovação e infraestrutura) e o ODS 11 (cidades e comunidades sustentáveis), que fornecem diretrizes para integrar a resiliência climática nas práticas administrativas, visando criar comunidades mais seguras e adaptáveis às mudanças climáticas.

Inserido em um planejamento urbano mais amplo, a administração pública pode promover essa abordagem de diversas formas, como através das contratações públicas, incluindo critérios de sustentabilidade e resiliência nos editais de licitação. Isso garantiria que as empresas contratadas pelo setor público utilizassem materiais e técnicas apropriados para enfrentar os efeitos das mudanças climáticas, como tempestades e enchentes. Adaptar as licitações públicas também permite a adoção de tecnologias inovadoras e sustentáveis, incentivando padrões de construção mais seguros e duráveis.

Cenários interno e externo

No Brasil, já há normas que permitem uma atuação proativa da administração pública. O princípio constitucional da eficiência, por exemplo, exige que a administração pública adote soluções que maximizem os benefícios ao menor custo possível. Infraestruturas resilientes garantem maior eficiência ao reduzir os custos com reparos frequentes e aumentar a durabilidade das obras, tornando-se soluções mais econômicas a longo prazo. O princípio do desenvolvimento nacional sustentável, incluído na nova Lei de Licitações, é outro exemplo de norma que orienta gestores públicos a priorizar materiais e práticas que respeitem o meio ambiente, garantindo que as contratações públicas contribuam para a sustentabilidade.
No contexto das mudanças climáticas, a aplicação destes princípios significa projetar e construir infraestruturas que respondam às novas realidades ambientais. Embora o custo inicial de tais obras possam ser mais elevado, sua durabilidade e capacidade de proteção a longo prazo justificam o investimento.

Apesar dessas previsões legais, ainda baseadas principalmente em princípios gerais, o Brasil está no início dessa jornada. No que diz respeito à implementação das ODS, o país ainda está iniciando a elaboração seu Plano Clima, que definirá diretrizes para a política climática nacional até 2035. No legislativo, alguns projetos de lei abordam a adoção dos ODS por entidades que recebem verba pública, além de prever regras orçamentárias para a prevenção de desastres, com a implementação de infraestruturas resilientes.

No âmbito federal, o Novo PAC, lançado em 2023, destina recursos para Cidades Sustentáveis e Resilientes, englobando áreas como esgotamento sanitário, gestão de resíduos sólidos e prevenção de desastres por meio de contenção de encostas e drenagem urbana. Essas iniciativas demonstram que o setor público brasileiro pode (ou deve) desempenhar um papel central na promoção de infraestruturas resilientes, embora sua adoção como regra das licitações públicas ainda pareça estar distante.

Ao redor do mundo, países como a Bélgica já avançam no sentido de exigir serviços confiáveis em face de impactos climáticos em contratos públicos. Entretanto, segundo a OCDE, em estudo de 2017, o exemplo belga ainda é pouco seguido na União Europeia, concluindo que poucos países incorporam amplamente a resiliência climática em suas contratações públicas, apesar da tendência crescente de “compra verde”.
Futuro
Os trágicos eventos no Rio Grande do Sul devem servir como um alerta para que o poder público adote a infraestrutura resiliente como uma prioridade central. As perdas humanas e materiais mostram que os desafios climáticos são urgentes e exigem mais do que respostas pontuais; é preciso planejar e construir com a resiliência em mente.

Dados do Atlas Digital de Desastres do Brasil mostram que, entre 2014 e 2023, 83% dos municípios do país foram afetados por eventos decorrentes das mudanças climáticas, gerando prejuízos de mais de R$ 421 bilhões, 1,5 milhão de moradias danificadas e quase 5 milhões de pessoas diretamente atingidas. A plataforma AdaptaBrasil ainda revela que mais da metade dos municípios apresenta alta vulnerabilidade a desastres, como enchentes e deslizamentos, enquanto 48% têm baixa capacidade para enfrentar secas.

Esses dados reforçam a necessidade de infraestruturas adaptadas, que resistam e protejam as cidades. Ao incluir critérios de sustentabilidade e resiliência nas licitações públicas, o setor público pode não apenas reduzir custos futuros com reparos, mas também cumprir seu papel constitucional de eficiência e proteção ambiental.

A implementação das diretrizes dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), como o ODS 9 e o ODS 11, e o avanço de programas como o Novo PAC, são passos importantes, mas é necessário que esses princípios saiam do papel e se tornem práticas concretas. Investir em infraestrutura resiliente é investir em segurança, economia e bem-estar para as futuras gerações.

Para enfrentar as mudanças climáticas, o Brasil precisa de uma ação coordenada, que envolva todos os níveis de governo e fomente parcerias com o setor privado. Apenas assim será possível transformar a resiliência em uma prioridade, promovendo cidades que estejam realmente preparadas para os desafios do futuro.

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