Novas normas emitidas pela Comissão de Valores Mobiliários e Conselho Monetário Nacional implementam mudanças significativas no Mercado de Securitização 23 fev 2024

Novas normas emitidas pela Comissão de Valores Mobiliários e Conselho Monetário Nacional implementam mudanças significativas no Mercado de Securitização

Nos últimos meses, foram publicadas pela Comissão de Valores Mobiliários (“CVM”) e pelo Conselho Monetário Nacional (“CMN”) novas normas que implementaram mudanças significativas ao mercado de securitização no Brasil.

A Resolução CVM nº 194, publicada pela CVM em 17 de novembro de 2023 (“Resolução CVM 194”), tem por objetivo, além de tornar mais precisos alguns conceitos contidos na regulamentação e padronizar regras para todos os títulos de securitização – conforme será detalhado abaixo –, flexibilizar determinadas regras aplicáveis ao setor, sobretudo em aspectos relacionados aos mecanismos de revolvência.

As Resoluções CMN nº 5.118 e 5.119, ambas publicadas pelo CMN em 1º de fevereiro de 2024 (“Resolução CMN 5.118” e “Resolução CMN 5.119”, respectivamente), por outro lado, apresentam nítido objetivo de enrijecer as regras aplicáveis à estruturação de operações envolvendo títulos vinculados ao desenvolvimento projetos do setor imobiliário e agronegócio – que contam com benefícios fiscais e que, por esse motivo, muitas vezes tornam-se mais atrativas do que outras formas de financiamento.

Confira abaixo as principais atualizações implementadas pelas novas normas:

 

  1. Resolução CVM nº 194

A Resolução CVM nº 194 foi emitida pela CVM para alterar e complementar a Resolução CVM nº 60, de 23 de dezembro de 2021 (“Resolução CVM 60”), norma que consolidou as regras aplicáveis às operações de securitização e às companhias securitizadoras de direitos creditórios.

As alterações foram promovidas pela Resolução CVM 194 ainda na esteira das reestruturações legais e regulatórias proporcionadas, sobretudo, pela Lei nº 14.430, de 3 de agosto de 2022 (o Marco Legal da Securitização) (“Lei nº 14.430”), pela Resolução CVM nº 160, de 13 de julho de 2022 (que reformou as regras aplicáveis às ofertas públicas valores mobiliários no país), e pela Resolução CVM nº 175, de 23 de dezembro de 2022 (marco regulatório da indústria de fundos de investimento) – visando, sobretudo, harmonizar as disposições da Resolução CVM 60 ao novo arcabouço jurídico, bem como aperfeiçoar determinados temas, tornando-os tecnicamente mais precisos.

Confira abaixo as principais atualizações implementadas pela nova norma:

 

a) Atualização dos conceitos de “Direitos Creditórios” e “Regime Fiduciário”:

Conforme mencionado acima, uma das principais motivações da CVM na publicação da Resolução CVM 194 foi a de harmonizar as disposições contidas na Resolução CVM 60 ao novo arcabouço legal aplicável às operações de securitização, consolidado na Lei nº 14.430. Nesse contexto, determinados conceitos essenciais foram remodelados, para que assim tornem-se tecnicamente mais precisos e compatíveis com a atual estrutura desse mercado.

Assim, de plano destaca-se complementação feita ao conceito de Direitos Creditórios –fundamental às operações de securitização, que estão diretamente conectadas à existência de direitos creditórios – que passam a ser compreendidos como direitos, títulos ou valores mobiliários representativos de crédito, originários de operações realizadas em qualquer segmento econômico. Pela Resolução CVM 194, portanto, tornou-se expressa a possibilidade de que sejam considerados Direitos Creditórios os valores mobiliários representativos de crédito (hipótese que inclui alguns dos principais ativos do mercado financeiro, como as debêntures, notas promissórias e letras financeiras, entre outros).

Ainda, foi atualizado o conceito de Regime Fiduciário que, pela nova definição, deve ser instituído sobre os direitos creditórios e demais bens e direitos que lastreiam a emissão de títulos de securitização.

 

b) Revolvência

Em uma de suas principais inovações, a Resolução CVM 194 fez alterações ao regime de revolvência nas operações de securitização. Em primeiro lugar, vale destacar que o termo revolvência passou a ser expressamente definido. Isso permite compatibilizar a regulação à redação utilizada na Lei nº 14.430.

De acordo com a Resolução CVM 194, considera-se revolvência a aquisição de novos direitos creditórios com a utilização de recursos originados pelos direitos creditórios e demais bens e direitos que compõem o lastro da emissão.

Além disso, atendendo às solicitações dos participantes do mercado de capitais, a Resolução CVM 194 passou a permitir que sejam realizadas revolvências em todas as operações de securitização – hipótese que era antes apenas possível aos CRAs e, inclusive, expressamente vedada aos CRIs.

Importante também ressaltar que a Resolução CVM 194 introduziu nova seção à Resolução CVM 60, para tratar especificamente do tema. Dentre outras regras, exige-se que a revolvência somente ocorra se atendidos os critérios de elegibilidade dos direitos creditórios, bem como os demais termos e condições estabelecidos no instrumento de emissão, assim como que não seja alterada, para menor, a remuneração dos investidores ou o montante total dos direitos creditórios vinculados à emissão, nem tampouco postergado o cronograma da operação.

Além disso, enquanto não utilizados para a aquisição de novos recebíveis, os recursos decorrentes da revolvência somente poderão ser utilizados para aplicação em títulos públicos federais, operações compromissadas com lastro em títulos públicos federais ou em cotas de fundos de investimento classificados nas categorias “Renda Fixa – Curto Prazo” ou “Renda Fixa – Simples”. Por outro lado, recursos decorrentes da revolvência que não forem utilizados dentro do prazo estabelecido no instrumento de emissão para aquisição de novos direitos creditórios deverão ser utilizados para a amortização ou resgate dos títulos de securitização.

 

c) Alterações ao regime das Assembleias Especiais de Investidores

Outro tema atualizado pela Resolução CVM 194 foi o regime aplicável às assembleias especiais de investidores, quando convocada e instalada especificamente para deliberar sobre matérias relacionadas à insuficiência de ativos integrantes do patrimônio separado para satisfação integral dos títulos de securitização – tema amplamente abordado pela nova norma.

Pelo antigo regime, para a instalação de assembleias para tratar do tema mencionado acima, a convocação era feita investidor a investidor.

De acordo com as novas regras, basta que a convocação seja disponibilizada pela companhia securitizadora na página que contém as informações do patrimônio separado na internet. Além disso, o prazo para convocação de assembleias para deliberação a respeito do mesmo tema foi reduzido, excepcionalmente, de 20 (vinte) para 15 (quinze) dias – sendo que o restante das deliberações ainda está sujeito ao prazo de convocação de 20 (vinte) dias.

Adicionalmente, as novas regras passaram a exigir que, para a instalação de assembleias especiais de investidores destinadas a deliberar a respeito da insuficiência de ativos integrantes do patrimônio separado para a satisfação integral dos títulos de securitização, estejam presentes, em primeira convocação, titulares de títulos de securitização que representem, no mínimo, 2/3 (dois terços) do valor global dos títulos – sendo que, pelas regras anteriores, a assembleia poderia ser instalada com a presença de qualquer número de investidores, independentemente do tema a ser deliberado.

Por fim, ainda em relação às deliberações relacionadas à insuficiência de ativos integrantes do patrimônio separado para a satisfação integral dos títulos de securitização, a Resolução CVM 194 determinou que, especificamente para esse tema, serão consideradas válidas as deliberações tomadas pela maioria dos presentes, em primeira ou segunda convocação – enquanto, para outras temáticas, ainda é possível que o respectivo instrumento de emissão estabeleça quórum distinto para as deliberações da assembleia.

 

d) Limites de Exposição por Devedor e Dispensas

A Resolução CVM 60 já determinava que, em emissões de CRAs e CRIs, os devedores ou coobrigados dos títulos de securitização nelas emitidas poderiam deter, no máximo, exposição equivalente a 20% (vinte por cento) da emissão, direta ou indiretamente – exceto se o devedor ou coobrigado for: (i) companhia aberta; (ii) instituição financeira ou equiparada; ou (iii) entidade que tenha suas demonstrações financeiras relativas ao exercício social imediatamente anterior à data de emissão do título de securitização elaboradas em conformidade com o disposto na Lei nº 6.404, de 15 de dezembro 1976, e auditadas por auditor independente registrado na CVM.

A Resolução CVM nº 194, seguindo a premissa de uniformizar as regras aplicáveis a todos os títulos de securitização, determinou que os limites de exposição e as exceções indicadas acima passem a ser aplicáveis a todos os títulos de securitização.

Além disso, em regra de grande importância, a Resolução CVM 194 determinou de forma expressa que a observância de tais limites de exposição também é dispensada caso os títulos de securitização sejam subscritos e negociados exclusivamente por investidores profissionais.

Por fim, especificamente nas emissões de CRAs, os limites de exposição também serão dispensados caso o subscritor seja cooperativa agropecuária, e desde que esta tenha suas demonstrações financeiras relativas ao exercício social imediatamente anteriores à data de emissão dos CRAs auditadas por auditor independente registrado na CVM.

 

e) Outras alterações

Por fim, visando modernizar determinadas regras e flexibilizar exigências aplicáveis às emissões de títulos de securitização – em linha com as atualizações regulatórias já implementadas nos últimos meses pela CVM – a Resolução CVM 194 alterou diversos aspectos pontuais da Resolução CVM nº 60, dos quais destacamos:

  • Extensão do prazo para atualização da classificação de risco (rating) da emissão: a periodicidade para revisão obrigatória da classificação de risco de emissões de títulos de securitização foi aumentada de 3 (três) para 12 (doze) meses;
  • Possibilidade de contratação do Agente Fiduciário para prestação de outros serviços da emissão: hipótese antes vedada, a Resolução CVM 194 passou a permitir que os Agentes Fiduciários das emissões de títulos de securitização prestem outros serviços (como os de escrituração ou custódia) no âmbito da mesma oferta;
  • Hipótese de dispensa da contratação de Custodiante: com a Resolução CVM 194, em emissões de títulos de securitização exclusivamente destinadas a investidores qualificados e que os ativos não sejam admitidos à negociação em mercado organizado, e desde que o lastro dos direitos creditórios não seja composto por títulos de crédito, pode ser dispensada a contratação do Custodiante, sendo tal papel exercido companhia securitizadora; e
  • Necessidade de registro do Termo de Securitização de CRIs em Cartório de Registro de Imóveis: em alteração que represente, talvez, a única burocratização implementada pela Resolução CVM 194, a norma passou a exigir que os termos de securitização ligados a emissões de CRIs sejam registrados junto ao cartório de Registro de Imóveis Competente (RGI) – salvo nos casos em que os direitos creditórios que lastrearem a emissão estejam representados por cédula de crédito imobiliário (CCI).

A nova norma entrou em vigor no dia 1º de dezembro de 2023.

  1. Resolução CMN nº 5.118

A Resolução CMN 5.118, em síntese, foi emitida para que empresas que não atuam no ramo imobiliário ou do agronegócio, conforme o caso, não mais estejam autorizadas a emitir CRIs e CRAs. A mudança foi realizada, sobretudo, para evitar que empresas que não atuam em tais ramos se valham dos benefícios fiscais concedidos pelos CRIs e CRAs, que os tornam mais atrativos frente a outras formas de financiamento.

A Resolução CMN nº 5.118, em suma, estabelece que CRAs e os CRIs não poderão conter como lastro:

  • títulos de dívida cujo emissor, devedor, codevedor ou garantidor seja:

(a) companhia aberta ou parte relacionada à companhia aberta, exceto se o setor principal de atividade da companhia aberta for o setor imobiliário, no caso dos CRIs, ou o agronegócio, no caso dos CRAs; ou

(b) instituição financeira ou entidade autorizada a funcionar pelo Banco Central do Brasil, ou suas partes relacionadas;

  • direitos creditórios:

(a) oriundos de operações entre partes relacionadas; ou

(b) decorrentes de operações financeiras cujos recursos sejam utilizados para reembolso de despesas.

Em outras palavras, as novas restrições implementadas pela Resolução CMN 5.118 concentram-se em dois principais focos, de forma cumulativa: a natureza do emissor e a origem dos direitos creditórios sujeitos à securitização.

A primeira restrição tem o objetivo de limitar a estruturação de CRIs e CRAs às hipóteses em que o emissor, devedor, codevedor ou garantidor do título de dívida que será securitizado tenha como setor primário o imobiliário ou o agronegócio, respectivamente – concentrando tal restrição, de forma específica, às companhias abertas e partes a elas relacionadas.

Desta forma, nos termos da Resolução CMN 5.118, uma companhia aberta (ou outra sociedade integrante seu grupo econômico) já não estará autorizada a emitir CRIs ou CRAs se o foco de sua atuação não for o setor imobiliário ou o agronegócio, conforme o caso.

Ainda no âmbito da primeira restrição, a Resolução CMN 5.118 veda que instituições financeiras ou entidades autorizadas a funcionar pelo Banco Central do Brasil (ou suas partes relacionadas) atuem como emissoras, devedoras, codevedoras ou garantidoras dos títulos de dívida utilizados para estruturação de CRIs de CRAs – evitando que instituições voltadas aos serviços financeiros se envolvam na constituição de tais créditos.

A segunda restrição, por sua vez, tem como foco a origem dos direitos creditórios sujeitos à securitização.

Em primeiro lugar, é vedado que sejam utilizados na estruturação dos CRIs e CRAs créditos decorrentes de transações entre partes relacionadas. Desta forma, evita que empresas de um mesmo grupo econômico transfiram recursos entre si e, em decorrência de tal movimentação “interna”, estejam aptas e envolver tais créditos em securitização para formação dos títulos mencionados acima, independente do destino de tais recursos.

Ainda, a Resolução CMN 5.118 veda que direitos creditórios decorrentes de operações financeiras cujos recursos sejam utilizados para reembolso de despesas sejam envolvidos na estruturação de CRIs de CRAs, independentemente de quais despesas sejam reembolsadas (isto é, mesmo que tenham relação com o setor imobiliário ou o agronegócio). Referida limitação evita que empresas envolvam todo seu quadro de despesas (como a compra de matéria prima, maquinário, dentre outros passivos operacionais) em um constante processo de operações de securitização, cenário que reduziria substancialmente o pagamento de tributos, em razão dos benefícios fiscais dos CRIs e CRAs.

De qualquer forma, é importante frisar que não serão aplicadas tais regras para CRIs e CRAs que, em data anterior à data de início de vigência da resolução, já tenham sido distribuídos ou tenham sido objeto de requerimento de registro de distribuição perante a CVM, nas ofertas de distribuição pública. Em caso de prorrogação de prazo para os CRIs e CRAs já distribuídos, por outro lado, deve ser considerado o disposto na resolução.

  1. Resolução CMN nº 5.119

Assim como a norma tratada acima, a Resolução CMN nº 5.119 também implementa diversas restrições à estruturação de ativos destinados ao financiamento de projetos do setor imobiliário ou agronegócio. As mudanças, em linhas gerais, restringem as hipóteses em que a destinação dos recursos obtidos pelo financiamento se enquadre como pertencente aos setores mencionados acima, além de eliminar as hipóteses de emissão de tais ativos com curtos prazos de vencimento.

A norma elimina a possibilidade de que Letras de Crédito Imobiliário (LCI) sejam emitidas com prazo inferior a 12 (doze) meses (antes era possível a emissão de LCIs com prazo de 90 dias, desde que não atualizada por índice de preços). Além disso, expõe, de forma taxativa, o que se considera crédito imobiliário para fins de emissão de LCIs (restringindo tal conceito a seis possibilidades apenas).

Da mesma forma, as operações envolvendo Letras de Crédito do Agronegócio (LCA) deverão ter prazo mínimo de 9 (nove) meses (antes, também era possível a emissão de LCAs com prazo de 90 dias, desde que não atualizada por índice de preços), e a norma veda a emissão de LCAs com lastro nos seguintes créditos: (i) adiantamentos sobre operação de câmbio; (ii) créditos à exportação, inclusive certificados, cédulas ou notas deles representativos; (iii) certificados de recebíveis, inclusive certificados de recebíveis do agronegócio; e (iv) debêntures.

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