O futuro da energia está no mar: regulamentação de eólicas offshore inaugura nova fronteira para a geração de energia sustentável no país 19 jul 2022

O futuro da energia está no mar: regulamentação de eólicas offshore inaugura nova fronteira para a geração de energia sustentável no país

por Roberta Arakaki

 

Os empreendimentos eólicos localizados em terra, também conhecidos como “onshore”, já representam uma realidade inegável no Brasil, com quase 22 GW de potência instalada de acordo com a ANEEL – isto é, 8,8% da oferta de energia nacional. Recentemente, porém, o governo voltou sua atenção para o mar: em 25 de janeiro de 2022, foi publicado o Decreto nº 10.946/2022, por meio do qual foi regulada a geração eólica offshore.

Dentre as principais vantagens que justificam o estímulo aos empreendimentos offshore, está a densidade energética dos projetos, quando comparados aos empreendimentos onshore. Ou seja, os parques eólicos offshore possuem, em regra, potência nominal notadamente mais elevada do que os empreendimentos

onshore, em virtude do maior diâmetro das turbinas offshore e da elevada qualidade dos ventos marítimos (em média, mais fortes, contínuos, com menos turbulência e maior constância em relação aos terrestres).

Adicionalmente, o   é de 700 GW, em locais com profundidade de até 50 m, o que possibilitaria ao Brasil a ocupar, em um futuro próximo, a posição de liderança mundial no segmento. Isso porque o país possui não somente um vasto litoral – segundo o IBGE, a   brasileira tem aproximadamente 3.539.919 km² –, mas também condições climáticas favoráveis para o desenvolvimento do potencial da geração de energia por fontes eólicas.

Foi considerando esse potencial que, em 2018, a Empresa de Pesquisa Energética – EPE pormenorizou as questões atinentes às eólicas offshore no Brasil, por meio de uma Nota Técnica, que tratava do “Potencial dos Recursos Energéticos no Horizonte 2050”. Mais tarde, em maio de 2020, a EPE disponibilizou o “Roadmap Eólica Offshore Brasil”, documento que teve por objetivo identificar possíveis barreiras a serem superadas para o desenvolvimento dessa fonte de geração energética no país.

Nesse ponto, vale ressaltar que o Roadmap produzido pela EPE apontava alguns desafios específicos para as eólicas offshore, tais como:

(i) o escoamento da produção de energia – isto é, a interligação das centrais geradoras localizadas ao Sistema Interligado Nacional (“SIN”), tendo em vista as potências elevadas dos equipamentos de geração;

(ii) a localização do ponto do acesso físico às instalações, já que a implantação de linhas de transmissão em locais distantes e de maior complexidade pode gerar um impacto na esfera socioambiental;

(iii) o regime de uso do espaço marítimo, considerando que os empreendimentos offshore são implementados necessariamente em áreas de domínio público, resultando na necessidade de especificação, por meio da regulamentação;

(iv) o licenciamento ambiental dos empreendimentos, devido à complexidade das análises envolvidas (impactos nas correntes oceânicas, gestão de resíduos, redução de áreas de pesca etc.);

(v) o descomissionamento das eólicas offshore, considerando a complexidade para a desmontagem e destinação final dos aerogeradores e dos demais equipamentos de modo ambientalmente adequado.

Embora, em tese, seja possível aplicar, em certa medida, a regulamentação já existente, voltada para empreendimentos eólicos onshore, tais normas não endereçam adequadamente as barreiras peculiares à geração offshore.

Nesse contexto, a iniciativa do governo brasileiro de editar um decreto específico para essa modalidade de geração eólica foi bem recebido no Setor Elétrico. Publicado em 25 de janeiro de 2022, o Decreto nº 10.946/2022 representou o pontapé da regulamentação dos empreendimentos eólicos offshore no Brasil.

De pronto, é possível notar que o normativo em referência solucionou, ao menos, dois dos obstáculos supracitados ao desenvolvimento dos empreendimentos eólicos offshore, notadamente (i) a forma de uso dos espaços físicos sob domínio da União; e (ii) o descomissionamento das centrais eólicas instaladas no mar.

Adicionalmente, o regulamento também previu a necessidade de apresentação de uma Declaração de Interferência Prévia (“DIP”), que consiste no documento que visa mapear as possíveis interferências do empreendimento em outras instalações e atividades, a ser emitido pelas entidades governamentais envolvidas.

Por fim, em relação aos demais desafios à implementação de empreendimentos offshore, o Decreto nº 10.946/2022 prevê que o Ministério de Minas e Energia – MME deverá publicar as normas complementares no prazo de 180 dias da entrada em vigor do normativo.

Sob outro ponto de vista, vale destacar que, apesar da capacidade eólica offshore do Brasil e da potencial sinergia com a produção de hidrogênio verde representarem um atrativo para investidores, será imprescindível a previsibilidade regulatória para a viabilização dos investimentos e a implementação dos

projetos no país.

Nesse sentido, muito embora o Decreto não solucione, per se, todas as demandas e desafios à implementação da tecnologia eólica offshore no país, o normativo  representa um importante passo para a construção de um arcabouço regulatório robusto, que possa dar conforto à cadeia produtiva e segurança aos investidores.

Logo, considerando que a geração offshore é ainda recente no país, torna-se crucial que os próximos passos a serem tomados pelo governo, especialmente no que se refere à edição de normas complementares, sejam realizados não somente com celeridade, mas com ampla transparência e participação dos interessados, de modo a reduzir as assimetrias de informação e mitigar a percepção de risco dos agentes do setor.

  • Principais Aspectos Regulamentados pelo Decreto nº 10.946/2022:

 

Regime de uso do espaço marítimo contrato de cessão de uso:

Abrangência: (i) áreas marítimas destinadas à instalação do empreendimento e (ii) áreas em terra necessárias às instalações de apoio logístico.

Gratuidade/onerosidade: a cessão de uso será onerosa quando tiver por finalidade a exploração da central geradora de energia elétrica offshore; por outro lado, a cessão será gratuita quando tiver por finalidade a realização de atividades de pesquisa e desenvolvimento tecnológico.

Modalidades: (i) planejada, mediante processo de licitação, para oferta de prismas previamente delimitados pelo MME; ou (ii) independente, mediante a cessão de prismas requeridos, por iniciativa dos interessados em explorá-los.

Competência: A princípio, a competência para firmar os Contratos de Cessão de Uso e para realizar os atos necessários à sua formalização é do Ministério de Minas e Energia – MME, porém esta poderá ser delegada para a ANEEL.

Principais cláusulas contratuais obrigatórias: (i) garantias financeiras para o comissionamento e descomissionamento das instalações; (ii) obrigatoriedade de realização dos estudos de potencial energético offshore como requisito para obtenção da outorga; (iii) direito de o cessionário assentar ou alicerçar as estruturas destinadas à geração e à transmissão de energia elétrica no leito marinho, desde que atendidas as normas da autoridade marítima e emitida a licença ambiental pelo órgão competente; (iv) estabelecimento do espaço do leito aquático e do espaço subaquático de corpos de água sob domínio da União que o cessionário utilize para a passagem de dutos ou de cabos, e do uso das áreas da União necessárias e suficientes ao seguimento do duto ou cabo até o destino final, sem prejuízo, quando subterrâneos, da destinação da superfície, incluído o espaço para sinalizações, desde que os usos concomitantes sejam compatíveis; (v) disposições sobre o descomissionamento, a extensão da vida útil ou a repotenciação do empreendimento de geração de energia offshore que, na forma do regulamento, deverão ser especificadas para atendimento pelo cessionário.

 

Exigência de Declaração de Interferência Prévia – DIP: emitida com a finalidade de identificar interferências do prisma em outras instalações ou atividades, sendo, nos ditames do Decreto nº 10.946/2022, condição para o desenvolvimento de projetos de geração de energia elétrica a partir de fontes eólicas offshore.

Exige-se, assim, a emissão da DIP pelos seguintes órgãos e entidades: (i) Comando da Marinha; (ii) Comando da Aeronáutica; (iii) Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – IBAMA; (iv) Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade; (v) Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis – ANP; (vi) Ministério da Infraestrutura; (vii) Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento; (viii) Ministério do Turismo; e (ix) Agência Nacional de Telecomunicações – ANATEL.

Leilões de energia: O referido Decreto prevê a possibilidade de realização, pelo Ministério de Minas e Energia – MME, de leilões específicos para contratação de energia elétrica offshore.

Projetos híbridos: adicionalmente, o Decreto possibilita a edição de norma conjunta entre a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis – ANP e a Agência Nacional de Energia Elétrica – ANEEL para a implementação de projetos híbridos de geração de energia e produção de petróleo e gás natural.

*Esse texto foi originalmente publicado na newsletter ENERGY InSIGHT. Para receber a publicação no seu e-mail clique aqui.

 

 

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