O QUE SERÁ DOS SHOPPINGS NA PANDEMIA
Por: Cleide Carvalho e Henrique Gomes Batista
Fonte: Revista Época
A crise do coronavírus reduz o movimento nos locais, provoca o fechamento de lojas e obriga o setor a se reinventar, com aposta no comércio eletrônico
Mesmo com controle de temperatura, álcool em gel e limitação de acesso, o brasileiro está longe de retomar o velho hábito das compras em shopping. Uma combinação de temor de contágio após a quarentena prolongada, renda mais curta em razão da crise e mudança de cultura com o consumo on-line no período de isolamento social reduziu o apelo destes templos de comércio, segundo especialistas.
No início da reabertura, não parecia ser esse o cenário. Um shopping em Botucatu, São Paulo, chegou a fazer drive-thru nos corredores para atender quem ainda se sentia desconfortável em sair do carro, mas não perdia o afã pelas compras. A multiplicação de regras produziu outra cena curiosa no interior de São Paulo. Um shopping localizado entre Sorocaba e Votorantim teve autorização para abrir só parte das lojas: as outras permaneceram fechadas em razão das regras de isolamento vigentes em cada município.
Mas, passado um mês, lojistas não veem motivo para comemorar. As vendas em junho ficaram até 80% menores do que em igual período do ano passado, segundo a Associação Brasileira de Lojistas de Shopping (Alshop). De outro lado, a pandemia teve efeito mais brando sobre o comércio de rua, que registrou queda de 42% no mês passado do movimento de clientes, de acordo com a Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC). “Há clara preocupação das pessoas em evitar shoppings, pelo medo da contaminação em lugar fechado”, disse Fabio Bentes, economista sênior da CNC. “Na rua, com custos menores, é mais fácil dar descontos, o que atrai os consumidores.”
O comportamento do consumidor levanta a dúvida sobre qual será o futuro dos shoppings e de seu modelo de negócios. Ao fim da quarentena, pelo menos 13 mil lojas instaladas nesses centros comerciais não deverão reabrir as portas, previu Nabil Sahyoun, presidente da Alshop. É como se, dos 577 centros de compras no país, entre 45 e 65 deles encerrassem as atividades.
Mesmo com medidas de alívio na pandemia, como suspensão de aluguéis ou redução de taxas das administradoras, alguns lojistas começam a rever a estratégia e centram esforços nas vendas on-line, por meio de sites ou redes sociais. “A indústria do shopping se expandiu numa época em que vendíamos muito e a conta fechava. Os aluguéis são indexados ao IGP-M, e as vendas não acompanham. E ainda tem as taxas. A gente não aguenta mais esse custo”, afirmou Sergio Zeitunlian, dono da rede de roupas Handbook, com 41 lojas em sete shoppings do país. “Para fechar uma loja, a multa varia de dez a 20 aluguéis, o que representa algo que pode chegar a R$ 400 mil.”
Já em 2019, a Handbook passou a investir em comércio eletrônico, com vendas pelo site e pelas redes sociais. De março a junho, com o isolamento social, o e-commerce da marca cresceu 200%. De lá para cá, Zeitunlian demitiu 218 dos 698 empregados, entre vendedores e funcionários da fábrica, que fica no interior de São Paulo. Sete lojas foram fechadas em shoppings de São Paulo, Paraná e Minas Gerais. “As pessoas gostam de sair, de serem vistas. Isso não acaba. A loja presencial continua, mas o modelo de negócio dos shoppings tem de evoluir”, disse Zeitunlian.
Antonio Yezeguielian, dono da rede Tennis Station, com 47 lojas, afirmou que o custo de manter lojas em shopping se tornou proibitivo com a queda de vendas na pandemia. “Há dias em que acordo com vontade de fechar a metade delas. Estou esperando para não tomar uma atitude precipitada”, disse o empresário, que, por enquanto, fechou apenas duas unidades e se queixa da estrutura cara dos centros comerciais. “Tem shopping em que minha loja paga R$ 3 mil de ar condicionado por mês, é o valor do condomínio do apartamento onde moro.”
O professor Samuel Barros, coordenador do curso de administração do Ibmec-RJ, acredita que a pandemia acelerou o processo do consumidor rumo ao digital. “O que ia levar dez anos, vai ocorrer agora. O consumidor descobriu a comodidade da compra digital. Ele tem possibilidade maior de escolha, de verificar o preço entre lojas e até de customização de cor e desenho. Na loja física, só tem o que está na arara”, disse Barros.
“AS VENDAS DE JUNHO FORAM ATÉ 80% MENORES QUE NO MESMO PERÍODO DE 2019, SEGUNDO A ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE LOJISTAS DE SHOPPING. O IMPACTO FOI MAIS BRANDO NO COMÉRCIO DE RUA, COM QUEDA DE 42%, DE ACORDO COM A CONFEDERAÇÃO DO SETOR”
Com a sacola em dois cliques, Barros avaliou que alguns segmentos vão migrar para o digital mais rapidamente, como ocorre no resto do mundo. Eletrônicos e celulares já são exemplo dessa migração. No mercado de vestuário, a tendência é que roupas do dia a dia sejam compradas pela internet, e as mais elegantes e de festa em lojas físicas. “O shopping não acabou nem vai acabar. O brasileiro gosta de tocar, é sinestésico por essência. Mas as lojas vão ter de se acostumar a vender digitalmente o mesmo volume ou até mais do que nas lojas físicas”, afirmou.
arros lembrou que, até 2010, os shoppings eram ambientes exclusivamente de compras. Depois disso, passaram a oferecer outros chamarizes, como cinemas, teatros e lazer infantil. Na prática, tornaram-se um ponto de encontro. O professor acredita que o novo cenário obriga os shoppings a se reinventar novamente, oferecendo mais entretenimento e novas experiências de consumo. Uma delas será a realidade aumentada, em que o consumidor experimenta roupas e acessórios virtualmente, como os aplicativos que hoje permitem testar vários cortes de cabelo. “Varejo por varejo, o shopping vai ser um elefante branco na mão de muitas administradoras”, resumiu.
Em meio à pandemia, a rede brMalls, com 32 shoppings espalhados por 12 estados e 23 cidades, criou uma diretoria de Estratégia, Tecnologia e Novos Negócios. Leonardo Cid Ferreira, que fez carreira com negócios digitais, ocupa o posto. “A briga não é entre o físico e o digital. A briga é pela multicanalidade”, disse o executivo. Ferreira afirmou que o modelo de negócios dos shoppings é muito resiliente e, com a reabertura, muitos deles registraram até mesmo aumento no tempo de permanência de pessoas em seus corredores. Segundo ele, as pessoas vão aos shoppings para se entreter, almoçar, comparar preços e também comprar. O passo agora é incorporá-los na vida desses consumidores do lado de fora. “Temos de levar o shopping para a casa das pessoas”, afirmou.
Shoppings como Tijuca, no Rio de Janeiro, e Villa Lobos, em São Paulo, que fazem parte da rede brMalls, já estão na palma das mãos dos clientes, em aplicativos. A novidade é que, quando ele faz a compra, o produto chega no mesmo dia. No e-commerce tradicional, dificilmente a entrega é tão rápida. A maior parte das grandes redes, campeãs em negócios digitais, têm centros de distribuição no interior de São Paulo, o que faz a mercadoria demorar mais tempo e chegar mais cara ao cliente. “Vamos servir o comércio eletrônico com o estoque que está nas lojas, com custo muito mais baixo. Uma caixa com três pares de tênis pode custar até R$ 50 para ser enviada, mas, se o produto está no shopping mais próximo, sairá mais barato”, afirmou.
“NOS ESTADOS UNIDOS, OS SHOPPINGS COSTUMAM SER INSTALADOS EM ÁREAS MAIS AFASTADAS, ENQUANTO NO BRASIL SE TORNARAM CENTROS DE REFERÊNCIA DAS CIDADES E, EM MUITOS CASOS, ÚNICO LOCAL DE LAZER E DE VIDA SOCIAL DOS MORADORES”
Tornar as lojas de shoppings distribuidoras de produtos para o e-commerce é também o modelo de negócio do Delivery Center, que tem três administradoras de shoppings entre seus acionistas — a própria brMalls, a Multiplan (Barra e Morumbi shoppings) e a CPP (Metropolitano Barra e Cidade de São Paulo, entre outros). A startup conecta lojistas de shoppings aos pedidos do comércio eletrônico. O volume de entregas triplicou depois da escalada da pandemia de Covid-19 no país. Até o fim do ano, a plataforma planeja ter centros de distribuição em 35 cidades de 20 estados.
Mas engana-se quem pensa que o maior rival dos shoppings é a vitrine virtual. O Brasil é grande, e cada canto do país tem suas peculiaridades. Marcelo de Souza e Silva, presidente da Câmara de Dirigentes Lojistas de Belo Horizonte, estima que 30% dos lojistas poderão sair dos centros de compra em direção a pontos de venda de rua. Em sua avaliação, num momento em que o preço dos aluguéis comerciais está mais baixo, é mais fácil negociar esse valor direto com o proprietário de uma loja de rua que com uma rede de shoppings. E esse movimento, se for bem aproveitado, poderá ajudar na revitalização de bairros e vias comerciais por parte das prefeituras. “Há uma revalorização da rua. Antes as pessoas iam para os shoppings por medo da violência. Agora, vão para a rua por medo do vírus”, disse o executivo.
Ainda assim, Silva reconhece nos shoppings brasileiros alguns atrativos que não se repetem, por exemplo, em shoppings americanos, estes sim experimentando já um profundo esvaziamento. Se nos Estados Unidos eles são majoritariamente instalados em locais isolados, aqui viraram centros de referência das cidades. E, em muitos casos, único local de lazer e de vida social dos municípios. “Há até fatores climáticos: em muitas cidades do interior do país, em regiões quentes, o shopping é o único lugar climatizado ao alcance das pessoas”, afirmou Theo Keiserman de Abreu, sócio do Campos Mello Advogados, especialista em varejo.
A pandemia do novo coronavírus fez o consumidor que ainda não tinha entrado na onda do consumo digital perder o medo de se aventurar nesse novo mundo. Se a crise sanitária se arrastar por mais tempo e o brasileiro chegar até as proximidades do Natal ainda em reclusão, o clique é certo. Nas contas do professor Barros, cinco meses é o prazo máximo que as pessoas comuns conseguem ficar sem comprar nada. Depois disso, seja na rua, no shopping ou pelo computador, as vendas vão voltar.
Comentários