O uso de dados de geolocalização na Justiça do Trabalho
Nos últimos anos a Justiça do Trabalho já vem se utilizando de diversos meios digitais como prova. Hoje são comuns em processos trabalhistas prints de conversas de whatsapp e páginas de redes sociais, e-mails, fotos, áudios e vídeos serem juntados aos autos durante a instrução processual.
Recentemente, inclusive, o próprio Judiciário Trabalhista vem investindo na capacitação de magistrados e servidores para que tenham a possibilidade de utilização deste recurso para a análise de provas digitais, como por exemplo o Programa Provas Digitais, lançado pelo Conselho Superior da Justiça do Trabalho, como se pode verificar da notícia veiculada no site da entidade.
“O Programa Provas Digitais é uma ação institucional de formação e especialização de magistrados e de servidores da Justiça do Trabalho na produção de provas por meios digitais, dando maior celeridade à tramitação processual, além de contribuir para a busca da verdade dos fatos. A iniciativa visa fazer uso de informações tecnológicas para auxiliar os magistrados na instrução processual, especialmente na produção de provas para aspectos controvertidos, e acelerar a tramitação dos processos.
As capacitações relacionadas ao tema estão sendo realizadas desde 2020 em uma cooperação entre o CSJT e a Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados do Trabalho (Enamat). Já foram treinadas mais de mil pessoas, entre juízes e servidores, em seminários, cursos de formação continuada de magistrados e webinários.
Registros em sistemas de dados das empresas, ferramentas de geoprocessamento, dados publicados em redes sociais e até biometria são algumas das informações digitais armazenadas em bancos de dados diversos que podem comprovar, em processos trabalhistas, a efetiva realização de horas extras ou confirmar que um trabalhador mentiu sobre um afastamento médico, por exemplo.”
Assim, é nítida a constatação de que existe por parte do Judiciário Trabalhista um ímpeto de acompanhar as mudanças tecnológicas e comportamentais, de maneira que, com a capacitação de juízes e servidores, poderia se dar mais celeridade aos processos trabalhistas e contribuir na análise de provas.
Convém mencionar que a produção de provas digitais possui embasamento do Código de Processo Civil, através do artigo 369.
Art. 369. As partes têm o direito de empregar todos os meios legais, bem como os moralmente legítimos, ainda que não especificados neste Código, para provar a verdade dos fatos em que se funda o pedido ou a defesa e influir eficazmente na convicção do juiz.
Merece relevo o fato de que as provas digitais são informações tecnológicas capazes de trazer ao juízo elementos de convencimento importantes e que podem ser muito úteis para a busca da verdade real dos fatos controvertidos no processo, atendendo assim ao Princípio da Primazia da Realidade, um dos basilares do Direito do Trabalho.
Os dados de geolocalização, ou geolocalização IP são informações obtidas através do sistema de coordenadas e que podem revelar a posição geográfica de determinada pessoa e podem trazer aos autos diversas informações, tais como, como país, região, cidade, CEP / Código Postal, latitude, longitude, domínio, ISP, código de área, dados móveis, dados meteorológicos, tipo de uso, dados proxy, dentre outros.
Desta forma, para os casos em que existe pedido de pagamento de horas extras, é possível verificar, por exemplo, em que local estava determinada pessoa, em determinada data e horário, para confrontar com a alegação feita em petição inicial de que esta pessoa estaria trabalhando em horário extraordinário.
Na prática, estes dados podem ser obtidos através das operadoras telefonia, Google, Apple e outras, através de requerimento de expedição de ofícios às mesmas, para que informem os dados de geolocalização de uma determinada pessoa que possua aparelho celular em determinados períodos e horários.
Porém, ainda é possível verificar receio por parte de alguns juízes, que hesitam em deferir a produção deste meio de prova, por dois motivos principalmente: i) a incerteza em relação a exatidão destes dados, que não é negada por empresas como a Google, na medida em que alguns aparelhos poderiam apenas fornecer a localização aproximada; e ii) risco de violação do direito à privacidade e intimidade do indivíduo.
Sobre este segundo ponto, temos a Constituição Federal, que dispõe em seu artigo 5º, inciso XII, que é “inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal”.
Existe também a preocupação sobre a Lei Geral de Proteção de Dados, que dispõe sobre o tratamento de dados pessoais, inclusive, nos meios digitais. O intuito desta Lei é garantir e proteger os direitos fundamentais, dentre eles, a liberdade e a privacidade.
Abaixo, exemplos de decisões recentes sobre o tema, para se ter uma ideia da incerteza acerca da aplicabilidade desta novidade.
Favorável:
PROCESSO nº 0000955-41.2021.5.12.0000 (MSCiv)
IMPETRANTE: xxxxxxxxxxxxxx
IMPETRADO: JUÍZO DA 2ª VARA DO TRABALHO DE JOINVILLE, BANCO xxx (BRASIL) S.A.
RELATOR: GRACIO RICARDO BARBOZA PETRONE
PRODUÇÃO DE PROVA DIGITAL, CONSISTENTE EM PESQUISA DE GEOLOCALIZAÇÃO. O requerimento formulado por uma das partes no sentido de produção de determinada prova, inclusive digital, revela o exercício regular de um direito, notadamente considerando a maior solidez e alto grau de confiabilidade das informações que dela possam advir, em comparação com outros meios probatórios clássicos. Não se tratará de prova obtida por meio ilícito, nem tampouco se estará desprezando os direitos à privacidade assegurados pelos arts. 5º, X e XII da CF e arts. 7º, I e II, e 10 da Lei nº 12.965/2014 (Marco Civil da Internet) quando conferido aos dados coletados o adequado sigilo, reservada sua análise às partes envolvidas no processo e com vista à confirmação dos fatos afirmados pela própria parte.
Desfavorável:
0010851-37.2021.5.03.0137 (ROT) (PJe – assinado em 17/08/2022)
Disponibilização: 18/08/2022.
Órgão Julgador: Nona Turma
Relator: Convocado Alexandre Wagner de Morais Albuquerque
EQUIPARAÇÃO SALARIAL. O art. 461 da CLT, na redação anterior à Lei 13.467/2017, assegura o pagamento de salário igual a todos os empregados que, prestando serviço ao mesmo empregador e na mesma localidade, desempenhem funções idênticas, com a mesma produtividade e perfeição técnica, desde que a diferença de tempo de serviço na função não ultrapasse dois anos e que não haja, na empresa, pessoal organizado em quadro de carreira (art. 461, §§ 1º e 2º, da CLT). Nesse contexto, o reconhecimento da equiparação salarial exige, por parte do reclamante, a prova da identidade de funções com os paradigmas apontados, competindo ao reclamado comprovar os fatos impeditivos ou extintivos do direito pleiteado, nos termos do entendimento sedimentado na Súmula 6, VIII, do Col. TST. Demonstrado no caso a existência de fato obstativo do direito, o indeferimento das diferenças pleiteadas é medida que se impõe.
INTEIRO TEOR: O indeferimento da realização da denominada “prova digital” (geolocalização do reclamante nos horários em que indicou estar realizando horas extras
(TRT da 3.ª Região; PJe: 0010851-37.2021.5.03.0137 (ROT); Disponibilização: 18/08/2022; Órgão Julgador: Nona Turma; Relator: Convocado Alexandre Wagner de Morais Albuquerque)
[…]
NULIDADE DA SENTENÇA – INDEFERIMENTO DE PROVA DIGITAL – CERCEAMENTO DE DEFESA
O reclamado alega que o indeferimento da produção de prova digital lhe gerou prejuízo e cerceamento ao direito de defesa. Requer a reabertura da instrução processual com o deferimento da produção da prova em comento.
Conforme se verifica das atas de audiência de fls. 931 e 949 e da decisão de fl. 997, o pedido de produção de provas digitais foi indeferido, ao argumento de que há outros meios de prova mais céleres, em respeito ao que preceituam os princípios da razoável duração do processo, economia, instrumentalidade e celeridade processual, norteadores do processo do trabalho.
Em conformidade com a origem, entendo que as provas oral e documental produzidas foram suficientes para o deslinde do feito. O indeferimento da realização da denominada “prova digital” (geolocalização do reclamante nos horários em que indicou estar realizando horas extras) não configura nulidade, pois esta medida seria de pouca ou nenhuma utilidade ao processo, além de violar a intimidade do autor.
Ao magistrado cumpre dirigir a instrução processual (artigo 765 da CLT), competindo-lhe indeferir provas desnecessárias para a solução da lide, observando a celeridade e economia processual (art. 370 do CPC).
Rejeito.
Verifica-se assim que, ao analisar decisões recentes a respeito do tema, a utilização de dados de geolocalização como meio de prova é bastante controvertida, com parte dos juízes ainda visivelmente desconfortável na utilização deste recurso, e outros, entusiastas deste meio de prova.
De toda sorte, a tendência é que o assunto seja amadurecido nos próximos anos para que se possa ter uma melhor visão sobre a possibilidade ou não de utilização destes dados como meio de prova com segurança jurídica. Existem possibilidades de se minimizar os argumentos usados para o indeferimento do requerimento de produção destas provas e a análise deve ser feita caso a caso.
Principais contatos:
Marcio Meira, Sócio de Direito Trabalhista
Giancarlo Borba, Associado de Direito Trabalhista
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