PL 442: o que está em jogo no projeto que regulariza cassinos, apostas e bingos no Brasil
Por Fernanda Calmon
O Plenário da Câmara dos Deputados aprovou, no final de fevereiro, o Projeto de Lei n. 442/1991 (“PL”), que dispõe sobre a regularização de jogos de azar, como bingos, cassinos, caça-níqueis, jogo do bicho e apostas no país. O PL agora seguirá para a análise e deliberação do Senado Federal.
De acordo com o texto atual, os cassinos poderão ser instalados em resorts como parte de complexo integrado de lazer que deverá conter, no mínimo, 100 quartos de hotel de alto padrão, locais para reuniões e eventos, restaurantes, bares e centros de compras.
No entanto, haverá limitação de número de cassinos, a depender do tamanho populacional do estado em que ele será registrado. Uma novidade trazida pelo texto aprovado é a possibilidade de funcionamento de cassinos em embarcações fluviais, assim como ocorre em países vizinhos, como na Argentina. O texto também prevê a possibilidade de exploração dos bingos em casas específicas e em estádios com capacidade acima de 15.000 torcedores.
A proposta, como prevista atualmente, cria o “Sistema Nacional de Jogos e Apostas”, composto por entidades operadoras e por um órgão regulador e supervisor federal de jogos e apostas. Além disso, o PL prevê a criação de uma CIDE, com alíquota fixada em 17%, para incidir sobre cada uma das atividades de jogos de azar. Adicionalmente, ainda no campo tributário, o PL dispõe sobre o imposto sobre o prêmio.
Outro destaque do PL é o chamado “registro de proibidos”, que consistirá em um grande banco de dados voltado para o registro dos jogadores impedidos de adentrarem em ambientes de jogos. Por fim, o PL prevê, ainda, a constituição de crimes contra o jogo e apostas e a constituição de infrações e sanções administrativas decorrente do funcionamento das casas de apostas, ressaltando um capítulo destacado para a prevenção à lavagem de dinheiro e ao financiamento do terrorismo.
Neste sentido, de uma forma geral, podemos considerar que o projeto de lei que será debatido pelo Senado Federal é um projeto robusto e consolidado, que atende grande parte das preocupações endereçadas sobre o tema até então.
Jogos de interesses
O objeto desta discussão, no entanto, envolve, além das questões políticas, aspectos econômicos, jurídicos, sociais e até mesmo religiosos, o que traz para o debate que será iniciado no Senado uma complexidade de temas e diretrizes de difícil congruência. Neste sentido, vale recordar que a iniciativa do PL ocorreu na Câmara dos Deputados, em 1991, voltava-se apenas para tratativas referentes ao chamado “jogo do bicho” e somente conseguiu ter sua deliberação concluída agora em 2022 com a proposta de regularização integral dos jogos de azar.
No entanto, não se trata de um assunto novo no Brasil. Por algumas vezes durante as décadas de 1930 e 1940 houve a permissão, ainda que a título precário, para exploração de jogos de azar no país.
O assunto, porém, nunca foi unanimidade no país. Enquanto as elites e turistas nacionais e internacionais aproveitavam o ambiente proporcionado pelos cassinos, a igreja e os extratos mais conservadores eram contrários. Os argumentos sustentados por estes últimos à época praticamente não se alteraram ao longo do último século, sendo os mesmos utilizados por quem atualmente critica eventual retorno do jogo de azar à legalidade, que incluem: violação da moral e bons costumes, meio facilitador para lavagem de dinheiro e risco de aumento do vício em jogo.
Neste cenário, antes mesmo que a atual proposta chegasse ao Senado Federal, já houve diversos senadores que se manifestaram contra a iniciativa, afirmando que a permissão para apostas por meio de entes privados levará a prejuízos sociais. Dentre esses Senadores, podemos mencionar o vice-líder do governo, Senador Carlos Viana (MDB-MG).
Em recente manifestação o Senador afirmou que “a experiência internacional mostra que os grandes cassinos são usados para lavagem de dinheiro, tráfico de drogas e prostituição. A fiscalização desse setor é muito difícil. Além disso, o vício em jogos e apostas integra o Código Internacional de Doenças”.
Pelo lado dos que defendem a regularização de jogos de azar, estão os argumentos de arrecadação, a geração de empregos e as oportunidades para promoção do desenvolvimento regional e do turismo.
No exterior
Em um contexto internacional, podemos dizer que, atualmente, o Brasil está em contraste com o restante do mundo. Segundo publicação de Karla Monteiro, dos 108 países que integram a Organização Mundial de Turismo, apenas dois países coíbem os jogos de azar: Cuba e Brasil. Dos países integrantes da ONU, aproximadamente 75% permitem e exploram de alguma forma o jogo em seus territórios.
No âmbito da OCDE, apenas a Islândia não permite o jogo em seu território. No G-20, 93% dos países integrantes permitem o jogo, sendo que apenas 3 países não permitem: Brasil, Arábia Saudita e Indonésia, ressalvando que os dois últimos são países de religião predominantemente islâmica. Na América do Sul, apenas Brasil, Guiana, Guiana Francesa e Bolívia não permitem a exploração comercial dos jogos em seus territórios.
No país que detém a cidade mais famosa por seus jogos, Las Vegas, o entendimento que prevaleceu foi que a exploração ilegal, assim como também ocorre com as drogas ilícitas, apenas acarreta custos aos Estados, que mobilizam recursos financeiros e humanos para o combate de tais práticas.
Nesse sentido, foi defendida que a atuação estatal tivesse outra abordagem, não de combate, mas sim de legalização de certas práticas atualmente consideradas criminais, visando assim apenas a regulação ou supervisão do novo mercado nascente, que geraria uma nova fonte de arrecadação tributária, a diminuição da atividade criminosa e a possibilidade de fiscalização da qualidade dos produtos e serviços oferecidos ao público. Foi assim que 48 (quarenta e oito países) dos 50 (cinquenta) estados Norte Americano legalizaram, de alguma forma, a exploração de jogos.
Já no Canadá, um estudo constatou que com a implementação de novos cassinos tanto a renda dobrou em localidades com tais empreendimentos, quanto houve surgimento de novos postos de emprego, bem como houve algum efeito benéfico sobre os mesmos aspectos nas regiões próximas e a criação ainda de vagas no ramo de hospedagem na mesma ou maior proporção.
Nossos vizinhos
Voltando para a América Latina, de acordo com uma acurada análise elaborada pela PwC (2011) sobre o panorama global dos jogos no período compreendido entre os anos de 2011 e 2015, a América Latina é considerada a região com o segundo melhor resultado na expansão das receitas advindas da exploração comercial dos jogos, ficando atrás apenas da região da Ásia/Pacífico no quesito crescimento.
Todavia a América Latina ainda é a região com menor representatividade no mercado mundial de jogos, respondendo por algo em torno de apenas 3% do mercado global[1]. É claro que tais números não refletem o cenário brasileiro, mas servem para nos balizar quanto ao potencial da legalização dos jogos em nosso país.
Conclui-se, portanto, que estamos diante de um cenário desafiador para o poder legislativo brasileiro. Se por um lado, temos grande parte do mundo regulamentando os jogos de azar e auferindo benefícios decorrentes de aumento de arrecadação de impostos, aumento de emprego e incremento no setor turístico, por outro, temos a total desconfiança que o enforcement brasileiro, mesmo diante de uma legislação madura, possa coibir problemas sociais e lavagem de dinheiro nos estabelecimentos de jogos.
Comentários