Prestação regionalizada de serviços de saneamento básico em regiões metropolitanas: quais funções estados e municípios podem exercer? 20 maio 2022

Prestação regionalizada de serviços de saneamento básico em regiões metropolitanas: quais funções estados e municípios podem exercer?

por Vilmar Gonçalves, Carolina Caiado e Marjorie Iacoponi

A Constituição Federal não traz um modelo rígido para a prestação dos serviços públicos de saneamento básico. O artigo 23, inciso IX determina que é de competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios “promover programas de construção de moradias e a melhoria das condições habitacionais e de saneamento básico”.

Diante dessa atribuição comum, a interpretação das regras constitucionais segue o critério  da predominância do interesse territorial para definir o ente federativo responsável pela prestação do serviço sempre, critério este que sempre foi objeto de amplos debates no mundo jurídico.

O Novo Marco Legal do Saneamento, instituído pela Lei Federal nº 14.026/2020, trouxe maior detalhamento acerca do tema. De acordo com o Marco Legal, quem exerce a titularidade dos serviços públicos de saneamento básico são: (i) os Municípios e o Distrito Federal, no caso de interesse local e (ii) o Estado, em conjunto com os Municípios, nos casos em que há compartilhamento efetivo de instalações operacionais integrantes de regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões, instituídas por lei complementar estadual.

Se havia dúvidas com relação à competência dos Estados e Municípios para prestação de serviços de saneamento em regiões metropolitanas, tais dúvidas foram sanadas pelo Supremo Tribunal Federal (STF) após o julgamento de quatro Ações Diretas de Inconstitucionalidade ajuizadas por partidos políticos. Em dezembro de 2021, o STF julgou as Ações Direitas de Inconstitucionalidade improcedentes, concluindo  que o Novo Marco Legal do Saneamento Básico é constitucional.

No que diz respeito à competência dos Municípios em regiões metropolitanas, o STF retomou acórdãos já emitidos sobre o tema e manifestou-se no sentido de que a obrigatoriedade do Estado de prestar os serviços em regiões metropolitanas não é incompatível com a autonomia municipal. Para o STF, uma vez que o Município tem a faculdade de aderir ao arranjo de consórcio público ou de convênio de cooperação, a atuação do Estado nas regiões metropolitanas não se opõe à autonomia do Município.

Mas a partir do momento em que o Município adere ao modelo de prestação regionalizada, quais são as funções inerentes à prestação do serviço que o Estado pode assumir nas regiões metropolitanas? O que significa atribuir ao Estado a competência de prestar o serviço? O Estado do Rio de Janeiro, por exemplo, poderia ficar responsável pelo licenciamento ambiental dos projetos de concessão de saneamento que contemplam as regiões metropolitanas?

Entendemos que a resposta é sim. O caráter regional da execução dos serviços afasta a definição de impacto meramente local e/ou municipal. Se a concessão for estruturada para ser regionalizada, nada mais justo que o Estado assuma o protagonismo na organização e gestão dos serviços, funções estas que podem incluir a condução do processo de licenciamento ambiental do projeto como um todo.

O licenciamento ambiental feito de forma individual e isolada em cada Município gera risco de atraso no licenciamento e aumento de custos do projeto, tendo em vista que os Municípios poderão seguir procedimentos próprios, além de exigir condicionantes particulares e específicas para a emissão da licença, de forma díspar dos procedimentos e condicionantes do órgão ambiental estadual.

A concentração de funções no Estado no projeto também pode ser condição para obtenção de financiamento da União Federal. Isso porque o Novo Marco Legal de Saneamento estabeleceu que a alocação de recursos públicos federais e os financiamentos com recursos da União ou suas entidades serão condicionados à estruturação de prestação regionalizada (art. 50, VII da Lei de Saneamento).

Isso não quer dizer que os Municípios devam ficar totalmente afastados dos processos de licenciamento. O Estado também deverá considerar os eventuais impactos ambientais locais individualmente aferidos e, para tanto, nada mais razoável que ele garanta a participação dos Municípios no licenciamento ambiental, ainda que seja o Estado o ente federativo responsável pela tomada de decisão.

O licenciamento ambiental é só uma das diversas tarefas do Estado em grandes projetos de infraestrutura no setor de saneamento. Diante dos múltiplos interesses envolvidos, as concessionárias, os investidores e órgãos reguladores devem estar preparados para enfrentar debates dessa natureza.

A definição de competências deve guardar coerência com as normas vigentes, sem deixar de lado os principais objetivos da prestação regionalizada, que são: ganhos de escala, universalização da prestação do serviço e viabilidade técnica e econômico-financeira do projeto como um todo.

Comentários