Qual o caminho projetado – e muito esperado – para o setor de saúde no Brasil em 2023? 17 jan 2023

Qual o caminho projetado – e muito esperado – para o setor de saúde no Brasil em 2023?

Especialistas engajados no tema “saúde”, durante o World Economic Forum 2023 em Davos, indicaram de forma unânime que “os últimos três anos da pandemia de COVID-19 expuseram as vulnerabilidades nos sistemas de saúde em todo o mundo e destacaram os perigos das desigualdades no atendimento – não apenas na criação de riscos globais para a saúde, mas também causando efeitos indiretos nas tensões geopolíticas e riscos econômicos”. E continuam indicando que “desde os impactos da migração em massa na segurança, até o fechamento de sociedades que afetam a capacidade das pessoas de trabalhar e as consequências para a saúde de desastres relacionados ao clima, os últimos anos demonstraram que a saúde está ligada à estabilidade e prosperidade dos países”. Estes mesmos especialistas, por fim, também defendem a “4th Industrial Revolution Technology” como o caminho ideal para impulsionar os objetivos de sustentabilidade na indústria, além da cooperação e troca de dados entre fronteiras.

Numa perspectiva otimista, é isto que temos visto no Brasil.

“Falo com segurança que o setor de saúde no país tem se posicionado além dos padrões mínimos de conformidade, incorporando meios tecnológicos seguros no seu dia a dia, seja sob uma perspectiva meramente institucional, seja mercadológica, como forma de se manter competitivo, resistir à disrupção desmedida – vista, por exemplo, na China –, e de quebra, ganhar a simpatia do capital estrangeiro” – disse Bruna.

Esta nova versão do mercado é chamada por especialistas da área de “Life Science 4.0.”, o que considera um processo revolucionário de mudanças nos paradigmas que norteiam a saúde a partir da inserção cada vez maior de mídias digitais, dados e tecnologias nos processos relacionados ao atendimento de pacientes, consumidores e parceiros de negócios.

Tais nuances indicam, portanto, que as empresas que operam neste campo por meio de modelos de negócios disruptivos devem explorar as oportunidades que a tecnologia oferece por trás de seus produtos e serviços com bastante cautela. Este é, aliás, um grande polo de preocupação jurídica, principalmente nesta nova era de informatização e monetização de dados.

Em síntese, o ano de 2022 foi marcado por uma série de mudanças à indústria da saúde, em resposta à constante e cada vez mais expressiva demanda popular por produtos e serviços alinhados às novas tecnologias disponíveis no mercado – é o caso do novo marco regulatório de softwares como dispositivos médicos e as respectivas regras de regularização; emprego de ferramentas orientadas por dados nos processos de pesquisa clínica e quantum computing; o crescimento exponencial das femtechs e de soluções no campo de digital therapeutics; a criação da bula digital de medicamentos; as novas regras para enquadramento, rotulagem, microbiologia e procedimentos de regularização de cosméticos, produtos de higiene pessoal e perfumes; os novos marcos regulatórios destinados à rotulagem de medicamentos e de frases de alerta para substâncias, classes terapêuticas e listas de controle em bulas e embalagens; a nova consulta pública sobre a modernização do marco regulatório para alimentos e embalagens, e a tão aguardada aprovação do projeto de lei que finalmente regulamenta a telessaúde no Brasil.

Fato é que, mais do que nunca, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (“Anvisa”) comprometeu-se com a implementação de medidas de harmonização e convergência regulatória, reconhecidas como o movimento de alinhamento técnico internacional que leva em consideração melhores práticas da indústria, princípios e padrões legitimados internacionalmente no processo de regulamentação, bem como a aplicação ou adaptação de requisitos regulatórios locais que se justifiquem tecnicamente.

Neste sentido, destaca-se o encorajamento à estratégia de confiança regulatória (“regulatory reliance”), vulgarmente identificada como o aproveitamento de estudos e análises feitos por outras agências ou autoridades internacionais (as chamadas “Autoridades Reguladoras Estrangeiras Equivalentes”, ou simplesmente “AREEs”), que vem sido defendida pela Anvisa como um mecanismo apto à conferir (i) agilidade às avaliações de petições de registro e/ou regularização de produtos e serviços de saúde, sobretudo no que tange à seus padrões de qualidade, segurança e eficácia, bem como (ii) acesso em caso de eventual emergência em saúde pública.

Ainda, a recente eleição de Luiz Inácio Lula da Silva à presidência do Brasil para os anos de 2023 a 2026 trouxe consigo novidades para a gestão do Ministério da Saúde, agora assumido por Nísia Trindade, primeira mulher a chefiar a Pasta.

Em seu discurso de posse, de forma sintética, a ministra (i) defendeu a ciência e o diálogo com a comunidade científica, (ii) afirmou que serão revogadas medidas que “ofendem a ciência, os direitos humanos, os direitos sexuais e reprodutivos e que transformaram várias posições do ministério da saúde em uma agenda conservadora e negacionista”, (iii) destacou a importância do fortalecimento da produção local e do complexo econômico da saúde, sobretudo de modo a encorajar a autonomia do país na produção de fármacos e imunizantes, bem como o aumento da cobertura vacinal infantil e adulta, (vi) garantiu a reestruturação da Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (“Conitec”), (v) e também criou nova Secretaria de Informação e Saúde Digital, que deverá focar na implementação da Estratégia de Saúde Digital para o Brasil 2020-2028 (“ESD28”), bem como das iniciativas que compõem o Programa Conecte SUS, como a Rede Nacional de Dados em Saúde (RNDS) e o Informatiza APS.

Inclusive, algumas medidas já vêm sido tomadas pelo Ministério da Saúde recém-assumido por Nísia Trindade: nesta segunda-feira (16), foram revogadas seis portarias e notas técnicas – dentre elas, norma que dificultava o aborto legal (por estupro), e nota técnica que autorizava a prescrição da cloroquina e da hidroxicloroquina no tratamento da Covid-19.

Considerando, ainda, a recente sanção da Lei nº 14.510/22, que finalmente regulamenta a telessaúde de forma definitiva no país, a expectativa é de que outros assuntos atinentes à Saúde Digital sejam ainda mais debatidos e incentivados – como é o caso das prescrições digitais e dos testes de diagnósticos remotos (Point-of-Care Testings – PoCTs), e também a solicitação remota de dispensação de medicamentos.

É inegável que vivemos em tempos de profunda transformação no setor de saúde global e nacional, com o aparecimento de tecnologias cada vez mais avançadas e aptas a revolucionar o mercado, bem como o acesso à produtos, serviços e terapias de qualidade.

É o que se espera, inclusive, em relação à tão aguardada revisão de normas atinentes ao cultivo, à importação, comercialização, prescrição, dispensação e ao uso terapêutico da Cannabis e de seus produtos derivados para fins medicinais, cuja indústria já configura um sucesso econômico e social mundo afora – a estimativa é de que o segmento atinja um ganho global de US$ 105 bilhões até 2026, segundo pesquisa desenvolvida pela Prohibition Partners, com a região latino-americana responsável por US$ 824 milhões dos US$ 55,3 bilhões estimados para o mercado mundial de cannabis no ano de 2024[1].

No campo transacional, 2022 foi um ano relativamente quieto para a indústria de saúde. De toda forma, uma série de fatores estruturais, somados à crescente maturidade do sistema regulatório no país, sinalizam um provável retorno aos níveis de normalidade em 2023. Esta retomada, em grande parte – e conforme já esperando, em virtude do que foi exposto acima –, será impulsionada pelo avanço da confiabilidade do “digital”, implicando no maior emprego de ferramentas orientadas por dados para melhor oferta de soluções personalizadas aos destinatários de bens ou serviços. Além disto, a investigação de terapias celulares e genéticas, que por si só movimentam todo o ciclo de vida desta indústria, também compõem o nicho de investimento de biopharmas e biotechs que já se valem do uso de AI, big data, machine learning, quantum computing, automação, IoMT, etc., e se apresentam como uma alavanca certeira dos seus respectivos portifólios de soluções.

Inovação, então, é realmente a palavra da vez.

Por fim – mas não menos importante –, como também bem falado durante a preparação do World Economic Forum 2023 em Davos, a saúde do planeta depende da saúde humana, então o ciclo de vida de parte considerável do fluxo de investimentos visto ao redor do mundo, mais cedo ou mais tarde, esbarrará no setor de saúde – e o Brasil, mais do que nunca, está no caminho certo para o aproveitamento desta onda.

[1] VALOR ECONÔMICO. “Mercado de cannabis mundial deve crescer US$ 105 bilhões até 2026”. Publicado em: 26 de junho de 2022. Acesso eletrônico em < https://valor.globo.com/patrocinado/dino/noticia/2022/05/26/mercado-de-cannabis-mundial-deve-crescer-us-105-bilhoes-ate-2026.ghtml >

 

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