Quebrando tabus: o avanço bem-vindo das FemTechs no mercado de saúde
O Dia Internacional da Mulher, celebrado anualmente no dia 8 de março, comemora as tão merecidas realizações das mulheres ao longo dos anos em seus múltiplos aspectos culturais, políticos e socioeconômicos, sobretudo no que diz respeito aos direitos relativos à igualdade de gênero, aos direitos sexuais e reprodutivas e aqueles em combate à violência e/ou o abuso contra a população feminina. Neste contexto, importante salientar o recente desenvolvimento de novas tendências no mercado de saúde focadas especialmente na saúde da mulher – incluindo, por sua vez, mulheres cisgênero, transgênero e não-binárias.
Sob o ponto de vista do setor da saúde, o mercado emergente das FemTechs pode ser classificado, atualmente, em tecnologias (i) por tipo, como os dispositivos médicos propriamente ditos, bem como software como dispositivo médico e serviços médicos; (ii) por uso-final, como as iniciativas de direto do consumidor, hospitais, clínicas de fertilidade e centros cirúrgicos e de diagnóstico, e (iii) por aplicação, como saúde reprodutiva, cuidados de gravidez e enfermagem e saúde pélvica e uterina.
A partir da pandemia do coronavírus, em meio às regras de quarentena e de distanciamento e isolamento sociais, as chamadas FemTechs vêm ganhando força diante da necessidade em manter o acesso à saúde para mulheres e meninas através de meios clínicos remotos, especialmente relacionados ao acompanhamento ginecológico, de gravidez, fertilidade e período pós-parto, bem como aos cuidados de doenças crônicas, como a diabetes. Todos estes fatos atrelam-se à tendência estatística e histórica das mulheres serem mais adeptas aos cuidados com sua própria saúde do que o público masculino – muitas vezes estagnado na “mentalidade macho” sobre masculinidade – [1], incluindo check-ups de rotina e exames periódicos, consultas e rastreamento de potenciais doenças, bem como à particular supervisão que a saúde feminina requer durante fases como ciclo menstrual, gravidez, amamentação, câncer de mama ou uterino, menopausa entre outras preocupações específicas de gênero.
Considerando o cenário regulatório, as iniciativas das FemTechs podem estar sujeitas a uma série de regras que afetam a comercialização de produtos ou a prestação de serviços de saúde por meio do uso das novas tecnologias, por exemplo, relacionadas à regulação da telemedicina, dos dispositivos médicos, das técnicas de reprodução assistida, dos ensaios clínicos, da proteção de dados, entre muitos outros[2].
Vale destacar que tal segmento, focado no desenvolvimento de soluções tecnológicas para a saúde da mulher, gerou US$ 18,75 bilhões em 2019[3], quando do início do cenário pandêmico, e estima-se que atinja US$ 1,15 bilhão até 2025[4], segundo a consultoria americana Frost & Sullivan.
No Brasil, já existem 23 (vinte e três) startups totalmente dedicadas à segmentação FemTech, como, por exemplo, as empresas Alice, Theia, Pantys, Oya Care, entre outras, cujas propostas variam desde o rastreamento de menstruação e fertilidade, até a oferta de soluções para gravidez, amamentação, ciclo menstrual e menopausa. Tais dados dão margem a diversas oportunidades para o desenvolvimento de iniciativas das indústrias de Life Sciences, Healthcare e Healthtech, o que inclui, sem limitação, investimentos em dispositivos vestíveis (os denominados “wearable devices”) e aplicativos focados no monitoramento do tratamento de determinados pacientes; plataformas de telessaúde voltadas ao público feminino (como é o caso da recente associação entre as empresas brasileiras TytoCare e Alice)[5]; o uso de blockchain e ferramentas de análise preditiva para aconselhamento genético; apoio ao planejamento familiar, reposição hormonal e decisão clínica, entre muitas outras iniciativas sujeitas ao referido aparato regulatório brasileiro.
Fato é que, diante de todo o exposto, é preciso que as grandes empresas de saúde e tecnologia em saúde estejam cientes do potencial do novo mercado FemTech e, sobretudo, bem preparadas para as grandes mudanças que essa tendência já vem criando no ecossistema global de saúde – até porque, com as inovações que cercam tal segmento, vêm também os avanços tecnológicos em muitos outros mercados adjacentes.
O presente artigo descreve o pensamento atual do Campos Mello Advogados sobre estes temas e não deve ser visto como um parecer jurídico.
Campos Mello Advogados é um escritório de advocacia brasileiro que trabalha em cooperação com o DLA Piper LLP globalmente desde 2010.
Principais Contatos:
Sócia, Life Sciences, Healthcare, Cannabis
Victoria Cristofaro Martins Leite
Associada, Life Sciences, Healthcare, Cannabis
[1] HARVARD HEALTH PUBLISHING. Harvard Medical School. “Mars vs. Venus: The gender gap in health”. Publicado em 26 de Agosto de 2019. Disponível online: < https://www.health.harvard.edu/newsletter_article/mars-vs-venus-the-gender-gap-in-health >. “[…] Medical care. Women think about health, and they do more about it. Women are more likely than men to have health insurance and a regular source of health care. According to a major survey conducted by the Commonwealth Fund, three times as many men as women had not seen a doctor in the previous year; more than half of all men had not had a physical exam or cholesterol test in the previous year. In general, men who have the most traditional, macho views about masculinity are the least likely to get routine check-ups and necessary medical care”.
[2] Atuar neste ecossistema implica uma série de questões de ordem regulatória, saúde, banking & finance, tax, propriedade intelectual, proteção de dados, societário, seguros, contratos comerciais, bem como questões de natureza trabalhista; porém, neste momento, em sede de ilustração, devemos destacar duas tendências inegáveis que temos visto: (1) acordos de negócios inovadores, incluindo parcerias corporativas e alianças estratégicas, e (2) propriedade intelectual e desenvolvimento, exploração e proteção de tecnologia.
[3] EMERGEN RESEARCH. “Femtech Market”. Publicado em Agosto de 2020. Disponível online: < https://www.emergenresearch.com/industry-report/femtech-market >
[4] FROST & SULLIVAN. “Menopause to Become the Next Game-changer in the Global Femtech Solutions Industry by 2025”. Publicado em 8 de Março de 2022. Disponível online: < https://www.frost.com/news/press-releases/femtech-after-covid-19-how-to-break-the-bias-and-meet-womens-untapped-healthcare-needs-in-2022/ >
[5] TYTOCARE. “Brazilian Health Tech Company Alice Partners with TytoCare to Expand Telehealth Offerings with At-Home Medical Examinations”. Publicado em 22 de Fevereiro de 2022. Disponível online: < https://www.tytocare.com/professionals/brazilian-health-tech-company-alice-partners-with-tytocare-to-expand-telehealth-offerings-with-at-home-medical-examinations/ >
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