Reestruturação das agências reguladoras de SP: o que esperar diante do novo marco legal?
Por Carolina Caiado e Marjorie Iacoponi
A organização das agências reguladoras estaduais paulistas passa por intensa reestruturação, que terá impacto na fiscalização e regulação de diversos serviços públicos, como serviços de transporte, saneamento, gás canalizado, serviços sociais, bem como na gestão dos recursos hídricos de domínio do Estado.
Em 10 de setembro de 2024, a Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo aprovou o Projeto de Lei Complementar nº 35/2024 de autoria do Governador Tarcísio de Freitas, que propôs a reforma das agências reguladoras. No momento, o texto final do Projeto de Lei aguarda sanção pelo Governador[1].
Ao reformar a estrutura das agências, o Governador pretende implementar política pública que visa ao aprimoramento da gestão, do processo decisório e dos cargos das agências reguladoras, além de reduzir o ônus para o tesouro estadual.
Agências
Atualmente, o Estado de São Paulo conta apenas com duas agências reguladoras[2], a Agência Reguladora de Serviços Públicos Delegados de Transporte do Estado de São Paulo (ARTESP) e a Agência Reguladora de Serviços Públicos Delegados do Estado de São Paulo (ARSESP).
A ARTESP é a agência reguladora mais proeminente, uma vez que regula e fiscaliza as rodovias do Estado de São Paulo, que conta extensa malha rodoviária concedida à iniciativa privada, com 21 concessionárias[3]. A agência também é responsável pela regulamentação e fiscalização dos serviços de cerca de 600 empresas operantes no Sistema de Transporte Coletivo Intermunicipal de Passageiros[4], além dos serviços aéreos prestados pelas concessionárias dos aeroportos regionais paulistas.
Portanto a ARTESP é uma agência de destaque, uma vez que fiscaliza serviços públicos e ativos relevantes, que movimentam elevados recursos financeiros junto ao Estado e geram eficiência na prestação do serviço. De acordo com o último ranking das melhores rodovias brasileiras elaborado pela Confederação Nacional dos Transportes (CNT), das 10 melhores rodovias do país, 5 estão em São Paulo[5], o que indica o sucesso do programa de concessões estaduais.
Além da ARTESP e ARSESP, há outros órgãos e entidades que desempenham competências relevantes no setor de infraestrutura, como a Companhia Paulista de Parcerias – CPP, que viabiliza a implementação de parcerias público-privadas e presta garantias contratuais para assegurar o pagamento das contraprestações do Estado.
Reestruturação
A Secretaria de Parcerias em Investimentos, que ficou responsável pela exposição de motivos do Projeto de Lei, destacou a importância de reestruturação da ARTESP, ARSESP e da criação de uma nova agência, a Agência de Águas do Estado de São Paulo (SP-ÁGUAS)[6].
Com a nova estrutura, a ARTESP assumirá novas competências: além do transporte rodoviário, coletivo intermunicipal e aeroportuário, a Agência será responsável pela regulação de infraestruturas e serviços de transporte hidroviário, metroferroviário e metropolitano. Também fará a gestão das infraestruturas associadas aos serviços de transporte coletivo, a exemplo das vias, terminais e garagens de propriedade estadual.
Por sua vez, a ARSESP regulará, fiscalizará e controlará os serviços de gás canalizado, saneamento básico e a geração, transmissão e distribuição de energia elétrica,dentro dos limites de competência delegados pela autoridade federal, além de outros serviços que lhe forem delegados pelo Estado, como serviços sociais e serviços lotéricos.
Nova agência
Sob o modelo aprovado, a SP – ÁGUAS, terá a função de fiscalizar, controlar e regular a gestão e o uso dos recursos hídricos de domínio do Estado, assumindo as funções do Departamento de Águas e Energia Elétrica – DAEE, que é deficitário.
Os Conselhos Diretores das agências reguladoras do Estado de São Paulo serão padronizados de modo a comportar cinco membros, sendo quatro Diretores e um Diretor-presidente, cabendo a este o voto de qualidade nas decisões. As agências também contarão com 222 cargos em comissão, e 30% desses cargos devem necessariamente ser ocupados por servidores titulares de cargo efetivo.
Novas normas
As novas regras incluem outras obrigações: introdução do instrumento de análise de impacto regulatório, a obrigatoriedade de condução de consultas públicas de forma prévia à edição e alteração de atos normativos e a realização de audiências públicas antes da tomada de decisão de matérias relevantes, incluindo quando há fixação de tarifas e estruturas tarifárias.
Outra novidade é a obrigatoriedade de que as agências reguladoras tenham maior planejamento das suas atividades. Além da confecção do relatório anual, que já é exigido para fins de prestação de contas ao Legislativo e ao Tribunal de Contas do Estado de São Paulo (TCE/SP), as agências deverão elaborar plano estratégico, plano de gestão anual e agenda regulatória.
Muitas dessas práticas já eram adotadas pelas agências paulistas, mas não estavam expressas na legislação estadual. Com a aprovação do texto, as novas regras do Governo do Estado estarão alinhadas com a Lei Federal nº 13.848/2019 (Lei das Agências Reguladoras Federais), que dispõe sobre a gestão, a organização, o processo decisório e o controle social das agências reguladoras federais. A Lei das Agências Reguladoras Federais trouxe regras mais detalhadas para combater a falta de autonomia das agências nos processos decisórios, conflitos operacionais e politização.
Diante do novo marco legal, o que esperar das agências reguladoras estaduais?
Além de modernizar e uniformizar a atuação das agências reguladoras estaduais, as novas regras propõem o fortalecimento da governança. Para o Executivo estadual, o novo marco legal assegura autonomia técnica, administrativa e financeira para as agências, e ainda estabelece controle de resultados e metas objetivas.
O Governo defende que a reforma também é benéfica ao Estado em termos fiscais, ao reduzir o ônus para o Tesouro. No caso da ARTESP, os novos integrantes assumirão responsabilidades que são atualmente exercidas por consultores e terceirizados, o que representa economia de R$ 146 milhões anuais. Para a ARSESP, o equilíbrio orçamentário será mantido, enquanto para a SP-Águas, estima-se que haverá redução de 70% da folha de pagamentos em comparação à folha do DAEE.
Há muita expectativa do mercado e das próprias agências para os próximos passos operacionais. O Governo não divulgou detalhes da reforma, como cronograma de implementação, se as agências serão transferidas para novos endereços, tampouco de que forma será feita a realocação dos servidores públicos existentes.
De um lado, ao mesmo tempo que os cargos em comissão trazem maior flexibilidade orçamentária ao Estado, uma vez que podem ser extintos a qualquer tempo, ocupantes de cargo em comissão e funções de confiança podem ficar sujeitos à maior pressão política. Além disso, não há uma metodologia precisa para avaliar se os ocupantes detêm competência técnica e interpessoal para exercer o trabalho.
Por outro lado, qualquer reestruturação gera incertezas e nem todos os resultados podem ser benéficos aos usuários dos serviços públicos. Nossa expectativa é que, no geral, os resultados sejam positivos. Esperamos que as agências sejam modernizadas, fortalecidas e mais aptas a exercerem suas respectivas funções. A regulação eficaz resulta em decisões e normas mais técnicas e menos contestáveis, uma vez que o setor privado participa de suas respectivas produções.
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[1] Informação obtida em 19/09/2024, em consulta ao status do Projeto de Lei Complementar nº 35/2024: Disponível em: https://www.al.sp.gov.br/spl/2024/06/Propositura/1000555309_1000695917_Propositura.pdf. Acesso em 16/09/2024.
[2] Informação obtida do Projeto de Lei e do Decreto Estadual nº 67.435/2023, que dispõe sobre as alterações de denominação das secretarias e transferências de atribuições.
[3] Projeto de Lei Complementar nº 35/2024 (página 1).
[4] Dados disponíveis em http://www.artesp.sp.gov.br/Style%20Library/extranet/rodovias/rodovias-e-concessionarias.aspx. Acesso em 20/09/2024.
[5] CNT – Ranking de Rodovias de 2023: https://static.poder360.com.br/2023/11/pesquisa-cnt-rodovia-2023.pdf e https://monitormercantil.com.br/sao-paulo-tem-5-das-10-melhores-rodovias-do-brasil/. Acesso em 20/09/2024.
[6] Projeto de Lei Complementar nº 35/2024 (página 1).
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