Retroatividade da nova Lei de Improbidade Administrativa: dolo e dano ao erário devem ser comprovados em todas as ações 2 abr 2024

Retroatividade da nova Lei de Improbidade Administrativa: dolo e dano ao erário devem ser comprovados em todas as ações

Por Carolina Caiado e Mellina Bulgarini

As ações civis públicas por improbidade administrativa sofreram impactos significativos na sua tramitação desde a publicação da Lei Federal nº 14.230/2021, chamada também de nova Lei de Improbidade Administrativa ou nova LIA. A nova lei reformou a Lei Federal nº 8.429/1992, a LIA, trazendo alteração legislativa que passou a exigir a comprovação de dolo, ou seja, da intenção de cometer a irregularidade, para a condenação de agentes públicos ou particulares pela prática de condutas ímprobas.

Antes da entrada em vigor do novo texto , a LIA permitia a condenação por omissões ou atos dolosos e culposos, ou seja, a punição poderia ser aplicada mesmo se a investigação não conseguisse caracterizar o aspecto subjetivo associado à vontade do agente público ou, em outras palavras, a má-fé do gestor e do particular eventualmente beneficiado ou que havia concorrido de alguma forma pelo ato considerado ímprobo.

Aplicação
A LIA prevê três tipos de atos de improbidade: a) os que importam em enriquecimento ilícito do agente (art. 9º); b) os que causam lesão ao patrimônio público ou danos ao erário (art. 10º); e c) os que atentam contra os princípios da Administração Pública (art. 11). Em todas as hipóteses, exige-se a configuração de uma ação ou omissão dolosa, ou seja, é preciso demonstrar que o agente tinha consciência do agir de forma ilegal.

A LIA trata não só das sanções aplicáveis aos agentes públicos para a prática de atos de improbidade administrativa no exercício de suas funções, mas também aos particulares que, mesmo não sendo agente público, induzam ou concorram para a prática do ato de improbidade.

Retroatividade
A necessidade de comprovação da conduta dolosa por parte dos autores da ação civil pública de improbidade é benefício que deve ser aplicado a todas as ações, já ajuizadas ou novas. A nova LIA aplica-se às demandas sem condenação transitada em julgado que tratam de atos praticados sob a vigência do texto anterior da lei, ainda que classificados como de conduta culposa, porém devendo o juízo competente analisar eventual dolo por parte do agente.

A retroatividade da lei mais benéfica é um direito fundamental e um princípio geral garantido pelo inciso XL do artigo 5º da Constituição Federal. Não obstante o texto constitucional refira-se expressamente à “lei penal”, a doutrina[1] e a jurisprudência do STJ[2] admitem a sua aplicação no âmbito do direito sancionatório, na medida em que consideram o dispositivo constitucional um princípio geral do direito sancionatório.

Da mesma forma que ocorre no Direito Penal[3], a regra aplicável ao direito sancionatório também é a retroatividade da lei mais favorável e a irretroatividade da lei mais severa.  A nova LIA estabelece em seu art. 1º, §4º[4], que se aplicam ao sistema da improbidade os princípios do direito administrativo sancionador. Além disso, a legislação também apresenta disposição expressa[5] de que a ação por improbidade administrativa é repressiva, de caráter sancionatório, destinada à aplicação de sanções de caráter pessoal.

Segurança jurídica
A necessidade da comprovação de dolo nas ações de improbidade administrativa, aliada à necessidade de comprovação dos danos ao erário, constitui garantia que trouxe mais estabilidade para os particulares que contratam com o poder público.

Antes da nova LIA, a tipificação das condutas como atos atentatórios contra os princípios da Administração Pública era muito ampla, sobretudo diante do princípio da legalidade. Poderia se ver envolvido em ação de improbidade o particular que se engajasse em contratações que, consideradas irregulares, ainda não resultasse em danos ao erário.

Hoje, a jurisprudência do STJ[6] também já se consolidou no sentido de que o dano ao erário deve ser comprovado e não presumido. Além de irregular, a conduta para ser classificada como ímproba também deve causar dano efetivo ao erário, o que deverá ser demonstrado pelo autor da ação em juízo.

Os avanços são importantes e merecem registro, pois, além de poder implicar em condenações de ressarcimento de danos e suspensão de direitos políticos, a condenação por ato de improbidade administrativa pode implicar a imposição da sanção de proibição de contratar com o poder público. Trata-se de vedação que impacta não só a participação dos condenados em licitações, mas que impactam o recebimento de incentivos fiscais e inscrição no CEIS – Cadastro Nacional das Empresas Inidôneas e Suspensas, administrado pela CGU.

Na próxima edição da P&N, traremos análise sobre as inovações legislativas trazidas tanto pela nova LIA quanto pela nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos no que tange aos efeitos da sanção de proibição de contratar com o poder público.

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[1] CALDAS, Roberto Correia da Silva Gomes. O direito-garantia fundamental ao devido processo legal administrativo apenatório de trânsito: interpretação in bonam partem e retroatividade irrestrita da jurisprudência e legislação mais benéficas. Revista de Estudos Constitucionais, Hermenêutica e Teoria do Direito (RECHTD), Janeiro-Abril de 2022. Disponível em https://revistas.unisinos.br/index.php/RECHTD/article/view/25737/60749285. Acesso em: 26 de março de 2024

[2] STJ- AgInt no REsp n. 2.024.133/ES, relatora Ministra Regina Helena Costa, Primeira Turma, julgado em 13/3/2023, DJe de 16/3/2023; STJ- REsp n. 1.153.083/MT, relator Ministro Sérgio Kukina, relatora para acórdão Ministra Regina Helena Costa, Primeira Turma, julgado em 6/11/2014, DJe de 19/11/2014.

[3]Não há, pois, cogitar de qualquer distinção substancial entre infrações e sanções administrativas e infrações e sanções penais”. (MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 34. ed. São Paulo: Malheiros, 2019, p. 898). “Compreende-se que o ilícito penal e a infração administrativa em sua essência são equivalentes, possuem a mesma qualidade. A diferença entre ambos seria apenas quantitativa, havendo na infração administrativa um menor teor de injusto do que no ilícito penal”. (FÉO, Rebecca. Direito administrativo sancionador e os princípios constitucionais penais: análise de processos da ANP. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2021, p. 65). “Não há diferença de conteúdo entre crime, contravenção e infração administrativa. Avém ela de lei exclusivamente. Inexiste diferença de substância entre pena e sanção administrativa”. (OLIVEIRA, Régis Fernandes de. Infrações e sanções administrativas. 3. ed. São Paulo: RT, 2012, p. 29).

[4] Art. 1º, § 4º, da Lei nº 8.429/1992: Aplicam-se ao sistema da improbidade disciplinado nesta Lei os princípios constitucionais do direito administrativo sancionador.

[5] Art. 17-D, da Lei nº 8.429/1992: A ação por improbidade administrativa é repressiva, de caráter sancionatório, destinada à aplicação de sanções de caráter pessoal previstas nesta Lei, e não constitui ação civil, vedado seu ajuizamento para o controle de legalidade de políticas públicas e para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos.

[6] STJ – AgInt no REsp: 1451163 PR 2014/0091297-1, Relator: Ministro SÉRGIO KUKINA, Data de Julgamento: 05/06/2018, T1 – PRIMEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 11/06/2018.; STJ – AgInt no REsp: 1585939 PB 2016/0044404-1, Relator: Ministro SÉRGIO KUKINA, Data de Julgamento: 26/06/2018, T1 – PRIMEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 02/08/2018

 

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