Retroatividade dos efeitos da nova Lei de Improbidade Administrativa: como o tema tem sido interpretado por autoridades jurídicas 18 fev 2022

Retroatividade dos efeitos da nova Lei de Improbidade Administrativa: como o tema tem sido interpretado por autoridades jurídicas

Por Guilherme Nunes

 

A entrada em vigor da Lei Federal nº 14.230/2021 (nova Lei de Improbidade Administrativa ou nova LIA), em outubro de 2021, promoveu alterações substanciais na Lei Federal nº 8.429/92 (Lei de Improbidade Administrativa ou LIA).

Agora, a prescrição conta-se a partir da ocorrência do fato ou do dia em que cessou a permanência, na hipótese das infrações permanentes. Além disso, os prazos que, em regra, eram de 5 (cinco) anos, passaram a ser de 8 (oito) anos (cf. art. 23, caput, da LIA).

A reforma elimina diversas dúvidas de interpretação e aplicação dos prazos prescricionais, simplificando o entendimento com relação à prescrição ordinária.

O art. 23, § 4º, da LIA elenca as hipóteses de interrupção do prazo prescricional, são elas: (i) o ajuizamento da ação de improbidade; (ii) a publicação da sentença condenatória; (iii) a publicação de decisão ou acórdão de TJ ou TRF que confirma sentença condenatória ou que reforma sentença de improcedência; (iv) a publicação de decisão ou acórdão do STJ que confirma acórdão condenatório ou que reforma acórdão de improcedência; e (v) pela publicação de decisão ou acórdão do Supremo Tribunal Federal que confirma acórdão condenatório ou que reforma acórdão de improcedência.

Já o art. 23, § 5º, da LIA estabelece que, interrompida a prescrição (ordinária), prescreverão em 4 (quatro) anos as sanções possíveis por atos de improbidade (metade do prazo de 8 (oito) anos previsto no caput).

Uma das alterações mais importantes trazidas pela Nova LIA diz respeito à possibilidade de se reconhecer a prescrição intercorrente em tais ações (cf. art. 23, § 5º, da LIA).

Tal inovação legal provocou a discussão acerca da retroatividade dos seus efeitos, gerando o seguinte questionamento: “Por ser matéria nova, a prescrição intercorrente teria o condão de retroagir para extinguir processos iniciados antes da reforma promovida pela Nova LIA, caso superados os marcos interruptivos do art. 23, §4º, da LIA?”

Por se tratar de Lei muito recente, ainda não há entendimento consolidado dos Tribunais a respeito do tema. Contudo, mesmo sabendo que a jurisprudência acerca dessa matéria será construída com o tempo, cabendo ao STJ e STF definir qual corrente deverá ser adotada, de acordo com as primeiras decisões proferidas sobre a questão controvertida (especialmente no TJSP) se percebe um início tendente à formação de uma jurisprudência no sentido do reconhecimento da retroatividade da prescrição intercorrente nos casos de improbidade administrativa.

Os magistrados reconheceram a retroatividade e incidência no caso concreto da prescrição intercorrente (art. 23, § 5º, da Nova LIA), aplicando as normas mais benéficas da Nova LIA aos réus das ações de improbidade administrativa em curso, mesmo que ajuizadas antes da vigência da nova Lei. Um dos fundamentos utilizados nas referidas decisões foi a imposição da extensão ao direito administrativo sancionador de princípios do direito penal, dentre os quais o da retroatividade da lei mais benigna ao réu.

Entendimento do MP

Por outro lado, o posicionamento majoritário que vem se formando dentro do Ministério Público (MP) vai no sentido de que a Nova LIA não deveria afetar os “atos de improbidade ocorridos anteriormente ao início de sua vigência“. Para fundamentar tal entendimento o MP vem lançando, em inúmeros casos em que atua, a tese de que a prescrição seria regra puramente processual e, portanto, irretroativa, nos termos do art. 14 do CPC e art. 6º da Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro (LINDB)

Jurisprudência em formação

Essa questão foi enfrentada em julgado de 17.12.2021 pelo TRF3, que, em decisão proferida pelo relator Desembargador Federal Luis Carlos Hiroki Muta, extinguiu de ofício a ação de improbidade administrativa proposta em 2008, com sentença condenatória publicada em 2017 (portanto, sem a ocorrência do evento interruptivo do art. 23, §4º, II, da LIA), por reconhecer a retroatividade e incidência no caso concreto da prescrição intercorrente.

No mesmo sentido foi a decisão proferida pelo Juízo da 11ª Vara Federal de Curitiba, Seção Judiciária do Paraná, que julgou pela improcedência do feito com base na prescrição intercorrente aplicada de forma retroativa.

Nas palavras da Juíza Federal Silvia Regina Salau Brollo, a “a ação de improbidade administrativa tem cunho repressivo e sancionatório. Por isso, aplicam-se os princípios constitucionais do Direito sancionador, como o artigo 5º, inciso XL — a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu“, e continuou, afirmando que “a Lei 14.230/2021 retroage seus efeitos para fatos ocorridos antes da sua vigência” e que, naquela hipótese, parraram-se mais de “quatro anos desde o ajuizamento da ação … e hoje… Assim, é de ser reconhecida a prescrição intercorrente a que se refere o §5º do artigo 23 da Lei 8.429/1992.”

A retroatividade da lei mais benéfica, além de importante preceito constitucional (art. 5º, XL, da Constituição Federal), tem previsão também no art. 9º do Decreto Federal nº 678/1992, que promulga em nosso ordenamento jurídico a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (“Pacto de São José da Costa Rica”), decreto que goza de status de norma supralegal, subordinada apenas a Constituição Federal.

 

Apreciação do STF

Em 04.02.2022, o Ministro Alexandre de Moraes do STF se manifestou pelo reconhecimento da repercussão geral da matéria constitucional para definição de eventual retroatividade das disposições da Nova LIA, em especial, em relação:

  1. A necessidade da presença do elemento subjetivo (dolo) para a configuração do ato de improbidade administrativa, inclusive no art. 10 da LIA; e
  2. A aplicação dos novos prazos de prescrição geral e intercorrente.

Ou seja, ainda teremos uma longa rodada de discussões no STF sobre a aplicação da prescrição intercorrente pela LIA e a eventual retroatividade dos seus efeitos.

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