Sancionada Lei que regula as pesquisas clínicas com seres humanos no Brasil 3 jun 2024

Sancionada Lei que regula as pesquisas clínicas com seres humanos no Brasil

Após longa tramitação no Congresso Nacional, na última quarta-feira, dia 29 de maio, foi publicada no Diário Oficial da União a Lei n. 14.784/2024, que regula a realização de pesquisas clínicas e não clínicas envolvendo seres humanos em todo o território nacional, e estabelece direitos e deveres para seus respectivos pesquisadores, patrocinadores e participantes. O texto provém do  Projeto de Lei (“PL”) n. 6007/2023, aprovado recentemente pelo Senado Federal, e a vigência tem início em 90 (noventa) dias.

A nova lei está dividida em nove capítulos, detalhando a definição de mais de cinquenta termos legais e científicos, bem como os princípios e exigências éticas e científicas aplicáveis às pesquisas com seres humanos. A lei aborda também a instituição do Sistema Nacional de Ética em Pesquisa com Seres Humanos; o funcionamento dos Comitês de Ética em Pesquisa; os parâmetros de proteção e remuneração dos sujeitos da pesquisa; as responsabilidades do pesquisador e do patrocinador; os requisitos para fabricação, uso, importação e exportação de bens ou produtos para fins de pesquisa clínica com seres humanos; a continuidade do tratamento pós-ensaio clínico; o armazenamento e a utilização de dados e material biológico humano; a publicidade, transparência e monitoramento da pesquisa, entre outros aspectos.

A Lei n. 14.784/2024 foi sancionada com veto a dois artigos do PL n. 6007/2023, quais sejam:

~ O parágrafo 3º do inciso II do artigo 24, que estabelecia a obrigatoriedade de comunicação ao Ministério Público quando da participação de membro de grupo indígena na pesquisa. O argumento foi de que a aludida obrigatoriedade feriria o princípio da isonomia, apontando para possível situação de tutela do estado em relação aos povos indígenas; e

~ O inciso IV do artigo 33, que estabelecia prazo máximo de 5 (cinco) anos, após finalizado o estudo, para o fornecimento pós-estudo de medicamento experimental aos participantes das pesquisas, contados a partir da disponibilidade comercial do medicamento no país. A justificativa foi de que estabelecer um limite temporal ao fornecimento gratuito feriria os direitos dos participantes da pesquisa e comprometeria o eventual desenvolvimento de pesquisas éticas baseadas nos princípios da dignidade, da beneficência e da justiça. Portanto, o fornecimento deve ser continuado enquanto perdurar o tratamento, independentemente da disponibilidade comercial pela iniciativa privada.

Os vetos serão deliberados por Deputados e Senadores em sessão conjunta a ser designada, oportunidade em que ou restarão acatados, mantendo-se o texto tal como publicado, ou rejeitados, reintegrando-se ao texto os trechos ora suprimidos.

Afora o supracitado, o texto do PL aprovado pelo Senado foi integralmente acolhido pela Presidência da República, incluindo o Sistema Nacional de Ética em Pesquisa Clínica com Seres Humanos, que havia sido suprimido pela Câmara dos Deputados, e excluindo a figura do “pesquisador-patrocinador”, que transferiria às instituições às quais o pesquisador está vinculado as mesmas responsabilidades dos patrocinadores.

Conforme destacamos em nota publicada recentemente, na ocasião da aprovação do PL pelo Senado Federal, essa normativa é muito aguardada e de extrema relevância para o setor da saúde no Brasil, que até então era regulado apenas por resoluções e instruções normativas da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e do Conselho Nacional de Saúde (CNS). Com essa lacuna legislativa preenchida, estabelece-se um ambiente mais estável e seguro, e a expectativa é que o Brasil se desenvolva significativamente nessa área, atraindo investimentos e se destacando no ranking global de pesquisas clínicas.

Ainda no horizonte

Há grande expectativa em torno da discussão sobre o veto ao inciso IV do artigo 33, que trata do fornecimento gratuito de medicamentos experimentais aos participantes das pesquisas por um período máximo de cinco anos contados de sua disponibilidade comercial no país. O veto está justificado pela preservação dos direitos dos participantes, argumentando que limitar temporalmente o fornecimento comprometeria esses direitos e afetaria a continuidade dos tratamentos.

Entretanto, o fornecimento gratuito por tempo indeterminado cria uma imprevisibilidade econômica significativa para o setor. As empresas que patrocinam esses estudos enfrentariam custos contínuos e indefinidos, o que naturalmente poderia desestimular novos investimentos. Além disso, essa prática não é comum mundo afora, onde existem limites claros para o fornecimento gratuito após a conclusão dos estudos.

A incerteza financeira resultante deste veto pode ter um efeito cascata negativo no desenvolvimento de novas pesquisas no Brasil. Fala-se que a imprevisibilidade dos custos pode levar as empresas a optarem por realizar estudos em países com ambientes regulatórios mais previsíveis e alinhados com as práticas internacionais, resultando na perda de oportunidades de inovação e avanços científicos no setor de saúde brasileiro.

Espera-se, então, que esse veto seja rejeitado, mantendo-se o limite temporal para o fornecimento gratuito conforme previsto no artigo do PL. Essa medida equilibraria a proteção dos direitos dos participantes com a viabilidade econômica das pesquisas, tornando o Brasil um ambiente regulatório mais atrativo e competitivo.

Como temos dito repetidamente até então, a oportunidade está posta e a dúvida, agora, é sobre o quanto ela será aproveitada.

 

Para mais informações, entre em contato com o nosso time de Life Sciences, Healthcare e Cannabis.

Bruna B. Rocha – Sócia

Juliana Marcondes – Associada (juliana.marcondes@cmalaw.com)

Victoria Cristofaro  – Associada (victoria.cristofaro@cmalaw.com)

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