Senado aprova, com mudanças, projeto de lei que regulamenta telessaúde
Nesta terça-feira (29), o Plenário do Senado Federal aprovou o Substitutivo ao Projeto de Lei (“PL”) n° 1998/2020, que altera a Lei nº 8.080/1990 para autorizar e disciplinar a prática da telessaúde em todo o território nacional – em substituição à antiga, e já revogada, Lei n° 13.989/2020, que limitava a modalidade online à pandemia do covid-19. O projeto também revoga o Projeto de Lei nº 4.223/2021, que dispõe sobre as ações e serviços de telessaúde, e com o qual tramitava em conjunto por regularem a mesma matéria.
Tal como versado em nosso artigo “Telessaúde: Projeto de Lei vai ao Senado e CFM regulamenta a prática da Telemedicina”, publicado em maio deste ano, o projeto define regras e princípios para a telessaúde, tanto no Sistema Único de Saúde (“SUS”), quanto por meio particular e/ou por convênio médico, além de englobar não apenas a prestação de serviços de medicina, como também de fisioterapia, psicologia e enfermagem, por exemplo.
O texto vai de encontro aos padrões de ética profissional contemplados pelo Conselho Federal de Medicina (“CFM”), Conselho Federal de Farmácia (“CFF”) e Conselho Federal de Enfermagem (“COFEN”) em suas respectivas regulamentações (i.e., respectivamente, Resolução nº 2.314/2022; Resolução n° 722/2022, e Resolução n° 696/2022), bem como reforça a necessidade do consentimento livre e informado do paciente – com a plena garantia do direito de recusa ao atendimento na modalidade telessaúde, com a alternativa de atendimento presencial.
Em suma, diante das sete Emendas de Plenário apresentadas, o voto do Senado foi pela aprovação (i) do Projeto de Lei n°1.998, de 2020; (ii) da Emenda n° 2, a qual altera o Estatuto da Pessoa com Deficiência para estabelecer que compete ao SUS desenvolver ações de aprimoramento do atendimento neonatal, com a oferta de ações e serviços de prevenção de danos cerebrais e sequelas neurológicas em recém-nascidos, inclusive por telessaúde; (iii) da Emenda n° 5, a qual suprime dispositivo da Lei n° 9.656/98 que obrigava a paridade de prestação financeira entre os serviços presenciais e aqueles prestados remotamente (sob o argumento de que, em uma economia livre, o mercado deve ter a liberdade para definir seus preços e ajustá-los e acordo com a conjuntura, adaptando-os a fatores externos); e (iv) da Emenda n° 6, a qual veda ao prescritor e empresas que emitem documentos eletrônicos indicar e/ou direcionar suas prescrições a estabelecimentos farmacêuticos específicos, o que feriria o direito do paciente de escolher onde quer comprar seu medicamento.
A aprovação do projeto representa mais um passo oficial rumo à regulamentação definitiva da telessaúde no Brasil, cuja popularidade vem impulsionando o surgimento de inúmeras startups e healthtechs focadas na agilização de atendimentos, bem como na redução dos índices de internações, consultas e exames desnecessários – sabe-se que, entre 2021 e 2022, o setor cresceu 3,5%, segundo dados da Federação Nacional de Saúde Suplementar (“Fenasaúde”). É o que aponta também a relatório Distrito Healthtech Report 2022, produzido pela plataforma aberta de inovação Distrito e apresentado no 7º Encontro Fleury de jornalismo em Saúde, que destacou que o Brasil contabiliza, atualmente, 1.023 Healthtechs, um avanço de 60% se comparado com 2016.
Vale reforçar que, além das aprovações, o Senado votou pela rejeição das Emendas n° 1, 3, 4 e 7. As Emendas n° 1 e 3 estabeleciam que farmácias pudessem disponibilizar ou intermediar serviços de telessaúde em local privativo, restando vedada a prescrição condicionada à comercialização de produtos onde o serviço fosse realizado, e foram rejeitadas pelo relator por fugirem ao escopo do projeto, bem como pelo fato de que, ainda que se proibisse a comercialização de medicamentos aos pacientes atendidos por telessaúde na farmácia, isso aconteceria na prática, haja vista a dificuldade de fiscalização (o que poderia ensejar uma espécie de “venda casada”, além de configurar um claro conflito de interesses, onde o paciente seria sempre o prejudicado). Já as Emendas n° 4 e 7 autorizavam a utilização da telessaúde para a realização de exames físicos ocupacionais, quando os meios assim o permitissem, e foram rejeitadas pelo relator por considerar que a regulação da matéria, bastante delicada, demandaria estudos e debates mais profundos, levando em conta que a necessária ampla discussão desse tema inviabilizaria a necessária celeridade na aprovação do cerne do projeto em análise.
Por fim, o Senado votou também pela prejudicialidade (i) da Emenda n° 7 proveniente do CAS; (ii) do Projeto de Lei n° 4.223/2021, e (iii) das Emendas n° 8 e 9 oferecidas ao Projeto de Lei n° 4.223/2021, que pretendiam estabelecer em lei a exigência de que os exames físicos ocupacionais fossem obrigatoriamente realizados de maneira presencial.
Para o senador Carlos Portinho (PL-RJ), a proposta coloca o Brasil entre os países que já se valem de recursos tecnológicos para ampliar as possibilidades de atendimento médico. E, de fato, a telessaúde representa a democratização do acesso à saúde de forma ágil, rápida e segura pela população brasileira.
A modalidade remota deverá seguir os mesmos preceitos do atendimento presencial, tais como a autonomia do profissional de saúde; o consentimento livre e informado do paciente; a dignidade e valorização do profissional de saúde; a assistência segura e com qualidade ao paciente; a confidencialidade dos dados; a promoção da universalização do acesso às ações e serviços de saúde; a observância das atribuições legais de cada profissão, bem como a responsabilidade digital. Ainda, estará sob o guarda-chuva de uma série de leis e códigos, tais como o Marco Civil da Internet (Lei n° 12.965/2014), a Lei do Ato Médico (Lei n° 12.842/2013), a Lei Geral de Proteção de Dados (Lei n° 13.709/2018), o Código de Defesa do Consumidor (Lei n° 8.078/1990) e a Lei do Prontuário Eletrônico (Lei n° 13.787/2018).
A proposta, que prevê a validade de receitas e pedidos médicos de exames em todo o país, volta à Câmara dos Deputados para deliberação, após as mudanças aprovadas pelos senadores. Isso reforça o entendimento de que, considerando o panorama global e atual, bem como a grande expectativa de maior expansão nos próximos anos – principalmente com o advento do 5G e da inteligência artificial –, esta é a hora para que os diversos stakeholders que integram a cadeia de serviços e sistemas de atenção à saúde possam dirigir esforços no desenvolvimento e fortalecimento do ecossistema de saúde digital de forma oportuna, segura e inovadora.
Principais contatos:
Bruna B. Rocha, Sócia, Life Sciences, Healthcare, Cannabis
Juliana Marcondes de Souza, Associada, Life Sciences, Healthcare, Cannabis
Victoria Cristofaro Martins Leite, Associada, Life Sciences, Healthcare, Cannabis
* Com a colaboração de Luiza Meira Novaes, Trainee, Life Sciences, Healthcare, Cannabis
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