Setor ferroviário: perspectivas e balanço regulatório de 2022
Por Carolina Caiado e Caio Faria
O ano de 2022 se encerra com sinalização de avanços e transformações para o setor ferroviário nos próximos meses. No começo deste mês de dezembro ocorreu audiência composta por várias comissões da Câmara dos Deputados para discutir o impacto da retomada das obras da Ferrogrão em terras indígenas. O projeto prevê modal ferroviário com extensão de 933 km, ligando a região produtora de grãos do Centro-Oeste ao estado do Pará, desembocando no Porto de Miritituba.
A audiência se insere na série de questões legais e judiciais que permeiam o projeto, de enorme porte. Além das discussões relativas ao impacto das obras em terras indígenas, o projeto ainda passa, até o momento, por análise do Tribunal de Contas da União. Além disso, desde março deste ano as obras se encontram paralisadas por conta de decisão liminar proferida no Supremo Tribunal Federal, pelo Ministro Alexandre de Morais, a qual suspendeu os efeitos da Lei Federal nº 13.452/2017, que alterou os limites do Parque Nacional do Jamanxim, no Pará; na visão do Ministro, o traçado da ferrovia cortaria unidade de conservação federal, com potenciais danos ao meio ambiente.
Para o setor, trata-se de um dos maiores projetos recentes, com impactos não apenas na infraestrutura, mas também fiscais – ante a potencial redução no preço do frete de produtos como soja e milho – além de ambientais, por conta da potencial diminuição de emissões de carbono. Trata-se de um grande passo na garantia de maior equilíbrio dos modais de transporte no país, historicamente dominados pelas rodovias. O transporte de grãos objeto da Ferrogrão é, atualmente, realizado por caminhões via BR-163.
Alguns dias antes da audiência sobre Ferrogrão, ocorreu reunião entre os servidores da ANTT e o consultor e especialista europeu em ferrovias, Peter Mihn. No âmbito deste encontro, Rafael Vitale, diretor-geral da ANTT, discorreu brevemente sobre as tendências da agência reguladora para o setor em 2023: “nosso maior interesse atual é ampliar a malha ferroviária brasileira para logística e transporte de passageiros, levando em conta processos de fiscalização, certificação e inspeção de acidentes, além da construção de uma legislação sólida. Precisamos conhecer de perto projetos inovadores com esta temática”.
Balanço normativo
O cenário apontado por Vitale reforça uma tendência de mudanças positivas para o setor ferroviário, que começou em 2022. Recentemente a Resolução nº 5.990/2022 foi publicada pela Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), com regulamentação para registro e atuação do Agente Transportador Ferroviário de Cargas (ATF-C). O ATF-C é conceituado legalmente como “pessoa jurídica responsável pelo transporte ferroviário de cargas, desvinculada da exploração da infraestrutura ferroviária”.
A mencionada resolução sobre o ATF-C foi uma das medidas oriundas da Lei Federal nº 14.273/2021, a Lei das Ferrovias, sancionada neste ano em substituição à Medida Provisória nº 1.065/2021. Este novo marco legal foi orientado pela modernização do setor, com foco na atração de investimentos privados, redução da burocracia e diminuição do peso regulatório.
O primeiro ano de vigência da Lei de Ferrovias foi o ponto alto do setor. A lei dispõe sobre a organização do transporte ferroviário, o uso da infraestrutura ferroviária, os tipos de outorga para a exploração indireta de ferrovias em território nacional e as operações urbanísticas a elas associadas.
Além da exploração ferroviária privada pelo regime de autorização, também foi prevista a possibilidade dos autorizatários associarem-se para constituir uma entidade com o fim de autorregulação, para gerenciamento de questões e conflitos de natureza técnico-operacional.
Lei de Ferrovias
Outro ponto alto do ano foi, justamente, a regulamentação da Lei de Ferrovias, em setembro, pela ANTT, no que concerne ao processo administrativo de requerimento para exploração de novas ferrovias, pátios ferroviários e instalações acessórias, por meio de autorização.
Trata-se da Resolução nº 5.987/2022, que tem como uma de suas diretrizes o afunilamento da análise pela ANTT de requerimentos apenas que tratem da autorização para exploração de ferrovias que liguem portos brasileiros e fronteiras nacionais, que atravessem os limites de estado ou território, que componham o Subsistema Ferroviário Federal ou cujos projetos contemplem conexão com outras ferrovias sob jurisdição da União.
Além da regulamentação pela ANTT, a Lei de Ferrovias também foi regulamentada pelo Executivo, por meio do Decreto nº 11.245/2022, de outubro deste ano. Por meio do decreto, dentre outros pontos, foi instituído o Programa de Desenvolvimento Ferroviário, que tem entre seus objetivos a promoção de realização de investimentos privados no setor ferroviário por meio de outorgas e a articulação com o setor produtivo para priorização, planejamento, supervisão e oferta de segmentos ferroviários. O Ministério da Infraestrutura deverá coordenar e editar normas complementares necessárias à implementação deste programa.
Impacto
Com a facilitação da exploração ferroviária por entes privados ante o regime de autorização foram protocolados ao longo do ano dezenas de pedidos de autorizações, totalizando 22 mil km de novas ferrovias, com investimentos previstos na ordem de R$ 295 bilhões.
Para além das novidades ligadas à Lei de Ferrovias, neste ano também ocorreu a renovação antecipada por mais 30 anos do contrato de concessão ferroviária operada pela MRS Logística. Trata-se de ferrovia de 1,6 mil km que atravessa os Estados de Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo. A renovação foi autorizada pelo Tribunal de Contas da União em junho de 2022 e formalizada pela ANTT no último trimestre do ano.
Houve ainda novos investimentos na ferrovia Transnordestina, de 1.753 km de extensão, que passará por 81 municípios, investimentos estes na ordem de R$402 milhões no último semestre. Por consequência, as obras no momento encontram-se 55% concluídas.
As tendências trazidas pela Lei de Ferrovias são, certamente, a maior perspectiva para o setor no ano que vem: o aumento exponencial no número de ferrovias concedidas, com maior presença privada na exploração deste ramal de transporte.
O aumento da presença privada, inclusive, contribui para o desenvolvimento deste modal de transporte e pode significar um novo boom ferroviário, como o ocorrido no início do século 20, justamente pelo interesse do setor privado em projetos deste tipo.
Além do aumento quantitativo de ferrovias existentes, a maior participação privada também significa a realização de projetos que atendam demandas específicas de transporte, refletindo as necessidades dos produtores de carga e as empresas envolvidas.
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