STJ posiciona-se sobre presunção de veracidade em assinatura eletrônica sem credenciamento junto à ICP Brasil 20 dez 2024

STJ posiciona-se sobre presunção de veracidade em assinatura eletrônica sem credenciamento junto à ICP Brasil

Por Carolina Caiado e Marjorie Iacoponi

 

No início de dezembro, o STJ entendeu que a presunção de veracidade de uma assinatura eletrônica, certificada por pessoa jurídica de direito privado, não pode ser afastada pelo simples fato de a entidade não estar credenciada na ICP-Brasil.

No Recurso Especial nº 2159442, a Corte discutiu se seria válido um contrato de alienação fiduciária assinado nessas condições. Embora as instâncias inferiores tenham rejeitado a validade das assinaturas por não estarem credenciadas na Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira (ICP-Brasil), os ministros consideraram que outros métodos de autenticação também são permitidos legalmente e que a forma adotada no contrato foi acertada livremente pelas partes contratantes.

O Recurso Especial foi interposto por um fundo de investimento em direitos creditórios, que buscava executar credor que assinou cédula de crédito bancária com pacto de alienação fiduciária, documentada e assinada eletronicamente pela plataforma Clicksign.

Inovação

O STJ reforçou que, nos últimos anos, está atento à evolução tecnológica nas comunicações e na celebração de negócios jurídicos entre os particulares e acompanhando o espírito do legislador em buscar maior segurança jurídica às transações comerciais privadas conduzidas em meio eletrônico.

Para assinatura de títulos de crédito, por exemplo, o STJ já havia flexibilizado o tradicional requisito formal da assinatura de próprio punho antes da MPV 2200/2001, que instituiu a ICP-Brasil. Nesses casos, o STJ admitia o “excepcional reconhecimento da executividade”. Atualmente, o antes excepcional reconhecimento da executividade passou a ser a regra geral.

O STJ discordou das instâncias inferiores que julgaram o caso quanto ao risco de fraude no documento. Para a Corte, a intenção do legislador é de conferir validade legal às assinaturas eletrônicas em documentos particulares, independentemente do grau de robustez do método de autenticação, ressaltando que “a assinatura eletrônica avançada possui uma presunção menor de veracidade quando comparada com a assinatura eletrônica qualificada que utiliza certificação ICP-Brasil, porém, ainda assim, ela possui uma carga razoável de força probatória”. 

No caso em discussão, o fundo de investimento e o credor acordaram expressamente em utilizar o método de “assinatura eletrônica da CCB através de plataforma indicada pela Credora”, ou seja, há presunção de acordo de vontades quanto à utilização do método de assinatura eletrônica por meio da plataforma Clicksign.

O caso analisado pelo STJ tratou de cédula de crédito bancária com pacto de alienação fiduciária. Poderia o mesmo entendimento do STJ aplicar-se a outros tipos de documentos, transações e negócios jurídicos?

Nos últimos anos, os órgãos da Administração Pública têm substituído a assinatura presencial pela assinatura eletrônica. Com a mudança, muitas empresas têm dúvidas acerca dos requisitos legais para a assinatura de documentos, que devem ser apresentados no âmbito de processos licitatórios, processos administrativos e transações jurídicas em geral. 

Em processos licitatórios, por exemplo, a regra é que os documentos sejam assinados com a classificação de assinatura eletrônica qualificada ICP – Brasil. A Lei Federal nº 14.133/2021 (Lei de Licitações e Contratos Administrativos) estabelece que, no processo licitatório, “é permitida a identificação e assinatura digital por pessoa física ou jurídica em meio eletrônico, mediante certificado digital emitido em âmbito da Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira (ICP-Brasil).” (art. 12, §2º).

Por outro lado, de acordo com nossa experiência prática, muitos editais não exigem que as declarações do licitante – como declaração de atendimento a todos os requisitos do edital – sejam assinados com a assinatura ICP Brasil. Essa flexibilização da formalidade da assinatura é compreensível, pois pode prejudicar licitantes que não tenham adquirido o serviço da assinatura ICP-Brasil em tempo hábil. Como resultado, licitantes que ofertam propostas mais vantajosas para a administração pública podem ser inabilitados por excesso de formalismo.

Origem

Durante a pandemia de COVID-19, a utilização de assinaturas eletrônicas para validação de documentos aumentou significativamente em razão da necessidade de distanciamento social e impossibilidade de comparecimento físico das partes signatárias ou de suas testemunhas  em órgãos públicos e empresas privadas. A assinatura de próprio punho e presença de testemunhas no ato da assinatura tornou-se cada vez menos frequente. Paralelamente, as autoridades públicas flexibilizaram as formalidades processuais e passaram a utilizar, com mais frequência, o sistema de assinatura eletrônica.

Foi nesse contexto que, em 2020, o Governo Federal publicou a Lei Federal nº 14.063/2020 (Lei da Assinatura Eletrônica), que trouxe regras mais detalhadas para a utilização de assinaturas eletrônicas em interações com o poder público, atos de pessoas jurídicas, questões de saúde e para licenças de softwares desenvolvidos por entes públicos. A Lei da Assinatura Eletrônica define as modalidades de assinatura de acordo com o nível de confiança sobre a identidade e a manifestação de vontade de seu titular, ou seja, de acordo com a força probatória. São 3 classificações: (i) assinatura eletrônica simples: é a que permite identificar o seu signatário,  que anexa ou associa dados a outros dados em formato eletrônico do signatário; (ii) assinatura eletrônica avançada: é a que utiliza certificados não emitidos pela ICP-Brasil ou outro meio de comprovação da autoria e da integridade de documentos em forma eletrônica, desde que admitido pelas partes como válido ou aceito pela pessoa a quem for oposto o documento, de acordo com determinadas características e (iii) assinatura eletrônica qualificada: é a que utiliza certificado digital emitido pela ICP-Brasil.

A Lei de Assinatura Digital traz as hipóteses em que cada assinatura pode ser admitida. No caso da assinatura eletrônica qualificada (ICP Brasil), por exemplo, o uso está previsto nos atos assinados por chefes de Poder ou Ministros de Estado, atos de transferência e de registro de bens imóveis, dentre outras hipóteses previstas no art. 5º, § 2º, IV.

ICP-Brasil

A Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira (ICP-Brasil) é uma infraestrutura instituída por uma medida provisória (MPV 2.200/2001), com o objetivo de “garantir a autenticidade, a integridade e a validade jurídica de documentos em forma eletrônica, das aplicações de suporte e das aplicações habilitadas que utilizem certificados digitais, bem como a realização de transações eletrônicas seguras” (art. 1). 

O instrumento é composto por uma rede de entidades públicas e privadas que emitem certificados para que pessoas e empresas possam se identificar de forma digital nas assinaturas. A assinatura com chave ICP Brasil é legalmente conceituada como “assinatura eletrônica qualificada”.

Em 2008, o Governo Federal editou Decreto Federal nº 6.605/2008 para regulamentar o Comitê Gestor da ICP- Brasil, que exerce a função de autoridade gestora de todas as políticas da infraestrutura. O Comitê Gestor é vinculado à Casa Civil da Presidência e composto por diversos representantes dos Ministérios e da sociedade civil. 

Avanços

Todas essas mudanças ocorridas nos últimos anos contribuíram para retirar a assinatura de documentos do “modo analógico” e promovê-la ao sistema digital. Além do avanço inquestionável em termos de agilidade, o uso das assinaturas eletrônicas se consolidou como prática comum devido à segurança e redução de custos. 

A transformação digital permitiu que as assinaturas eletrônicas sejam amplamente aceitas em contratos, procurações, emissão de atos administrativos, dentre outros atos jurídicos e documentos. Não há dúvidas de que o procedimento passou a ser a regra geral, mas as empresas devem analisar cautelosamente qual é a modalidade de assinatura eletrônica legalmente exigida para atestar a validade do documento objeto da transação.

E diante do contexto inovador, nossa equipe de Direito Público e Assuntos Governamentais permanece acompanhando a transformação digital e todos os requisitos exigidos pela legislação e jurisprudência.

 

 

[1] STJ. Recurso Especial (“Resp”) nº 2159442 – PR (2024/0267355-0). Relatora Ministra Nancy Andrighi. Data de julgamento: 24/09/2024. Notícia do acórdão publicada no site do STJ em 03/12/2024: https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias/2024/03122024-Falta-de-credenciamento-da-entidade-certificadora-na-ICP-Brasil–por-si-so–nao-invalida-assinatura-eletronica-.aspx

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