Susep aposta em salto tecnológico no setorcom registro de apólices 29 set 2020

Susep aposta em salto tecnológico no setorcom registro de apólices

Fonte: Valor Econômico
Por Talita Moreira e Juliana Schincariol

Com a visão do todo, norma facilita o controle de riscos e viabiliza novos negócios

O setor de seguros está na iminência de uma mudança que pode levá-lo ao maior salto tecnológico em décadas. A partir de novembro, as apólices serão objeto de registro, instrumento por meio da qual a Superintendência de Seguros Privados (Susep) pretende ampliar a capacidade de supervisão e, ao mesmo tempo, organizar uma massa de dados para viabilizar novos modelos de negócios.

O Sistema de Registro de Operações (SRO) dará ao regulador acesso a informações das seguradoras em tempo real, facilitando o controle de riscos. Se o modelo já estivesse em vigor, a Susep poderia, por exemplo, ter identificado quase instantaneamente a exposição das seguradoras no rompimento da barragem da Vale em Brumadinho (MG) e na recuperação judicial da Odebrecht – dois eventos em que a coleta de dados, feita de forma manual, levou nada menos que seis meses cada. Situações como a do desenquadramento do IRB também seriam mais visíveis, ainda que a regulação não alcance, por enquanto, os resseguros.

Isso porque as apólices passarão a ser padronizadas e cadastradas em centrais registradoras no momento em que forem geradas, com atualizações sempre que houver um sinistro. Dessa forma, a Susep terá, de forma constante, uma visão ampla do setor. No sistema em uso atualmente, o regulador recebe os dados com defasagem de um mês e num formato pouco amigável. “Hoje, há uma situação em que temos os dados, mas não as informações”, afirma a superintendente da Susep, Solange Vieira.

A economista abraçou a causa logo depois que assumiu o cargo, no início do ano passado. Houve resistência de parte de setor, mas o recado foi claro: num evento com seguradoras alguns meses atrás, a superintendente chegou a dizer que a mudança não era uma questão de “se”, mas de “quando”.

Para Solange, a adoção do SRO vai melhorar a comunicação entre Susep e empresas, derrubar preços e ajudar a dobrar o mercado de seguros num prazo de cinco anos – o setor movimentou R$ 270,1 bilhões em 2019, sem contar saúde suplementar e DPVAT. Ela não descarta que, lá na frente, o setor chegue a uma apólice escritural.

“A tecnologia vai permitir que as seguradoras ousem mais nos produtos”, diz. “Quando o risco é maior, o preço é mais alto. Com o SRO, vão poder enxergar melhor os clientes e precificar perfis específicos de forma mais adequada.”

A intenção é que as companhias acessem uma base de dados mais potente e consigam ter uma melhor visão do todo (o que não significa enxergar a clientela do concorrente). Assim, poderão desenvolver produtos específicos e mais baratos. A Susep também tem a expectativa de que o “open insurance” e a portabilidade de apólices sejam facilitados pela tecnologia.

Há ainda planos de criação de uma central de apólices que possa ser consultada pelos segurados. O formato, entretanto, não está definido porque requer cuidado no acesso aos dados, explica Leonardo Brasil, chefe do Departamento de TI e Comunicação da autarquia.

Apoiada no SRO, a Susep também pretende desenvolver um mercado de títulos vinculados a seguros (ILS, na sigla em inglês), comum em países como Estados Unidos, mas inexistente no Brasil. São papéis geralmente ligados a catástrofes naturais, em que as seguradoras ou resseguradoras dividem riscos com investidores. “Uma seguradora do ramo de auto poderia emitir um ILS de enchente, por exemplo”, diz fonte de uma empresa do setor.

A mudança será gradual. A adoção do SRO começa em novembro no seguro garantia, e se estende ao longo de três anos, partindo dos grandes riscos até os ramos massificados. Nesse período, a intenção da Susep é ir desligando o FIP, sistema por meio do qual recebe informações das empresas atualmente.

Um passo importante foi dado na última semana com a conclusão das regras de interoperabilidade entre as registradoras, um mecanismo necessário para o SRO funcionar adequadamente. Três empresas estão homologadas para fazer o registro das apólices: B3, Central de Recebíveis (Cerc) e CSD.

Essas empresas vêm disputando a primazia das operações e a preferência do mercado. Cerc e B3 registraram suas primeiras apólices há mais de um mês – das seguradoras de grandes riscos Junto e Pottencial, respectivamente. A CSD tem contratos com clientes como BTG Pactual Seguros, Too e Austral.

Os modelos de negócio das registradoras preveem a oferta de serviços associados ao registro em si, cujo preço é baixo – a estimativa é que custe o equivalente a 0,01% do valor da apólice.

É o caso da Cerc, cuja proposta se baseia em tecnologia para gestão de riscos, inteligência e controles internos. “O registro em si é commodity”, afirma Marcelo Maziero, sócio-fundador da companhia, que também foi a primeira a receber autorização do Banco Central para atuar no registro de recebíveis e vem sendo uma grande incentivadora desse modelo no país. A registradora fechou em agosto uma captação de R$ 67,7 milhões e pretende segregar a área de seguros numa empresa à parte.

Na B3, a proposta é criar uma “infraestrutura para o mercado securitário”, o que inclui o SRO e outras frentes de negócios em desenvolvimento, afirma Ícaro Leite, superintendente de produtos de seguros. Para ele, o novo sistema aumenta a transparência do mercado e vai beneficiar o consumidor.

A CSD tem uma proposta baseada em gestão de risco e análise de dados. O presidente da empresa, Edivar de Queiroz Filho, diz que o objetivo é oferecer inteligência, mas esclarece que as informações não serão abertas ou vendidas para terceiros, um receio de algumas seguradoras. “O jogo vai começar a ficar mais tecnológico. Quem resistir vai ficar para trás ”, afirma o executivo em sua primeira entrevista. “O SRO vai ser benéfico para a população e para as seguradoras.”

O tema desperta sentimentos mistos no setor. A CNSeg, que representa as seguradoras, considera a adoção do registro positiva, já que vai melhorar a capacidade de supervisão da Susep e o controle de riscos. No entanto, o presidente da entidade, Márcio Coriolano, enumera algumas preocupações. Uma delas é com a preservação do sigilo das informações pelas credenciadoras, que, segundo ele, são agentes privados introduzidos na regulação. “Informação é o maior ativo de uma seguradora”, afirma.

Outra questão é que, até agora, não está claro quais dados serão solicitados das empresas, diz Coriolano. Por ora, a Susep só deu essa definição para o seguro garantia. O presidente da CNSeg argumenta que, sem isso, fica difícil saber se de fato haverá redução no custo de observância sob o novo sistema, como alega o regulador.

Segundo Coriolano, a implantação do SRO trará mais custos para as empresas num primeiro momento, pois será necessário continuar pagando a tquatro pessoas e uma empresa terceirizada só para preparar as informações que são enviadas mensalmente ao regulador. “As seguradoras enviam informações prudenciais à Susep e mantêm as gerenciais num mundo paralelo”, diz.

Alvaro Igrejas, diretor de linhas financeiras da Willis Towers Watson, acha que o projeto terá efeito positivo no seguro garantia, ramo em que atua, porque tornará mais ágil o processamento das informações. No modelo atual, há defasagem de alguns dias entre a apólice ser emitida e aparecer no site da Susep, o que muitas vezes gera dúvidas sobre sua veracidade. “O maior ganho será dar mais credibilidade”, afirma.

A seguradora mineira Pottencial fará o registro das novas operações a partir de novembro, mas ao longo do tempo o estoque também será atualizado. A empresa emitiu 100 mil apólices de grandes riscos no ano passado e deve repetir esse patamar em 2020. “Acredito que seja um caminho para começar a se falar sobre open insurance. Empresas internacionais e insurtechs começarão a ter interesse pelo mercado brasileiro, que ainda é concentrado”, diz João Géo Neto, presidente da Pottencial.

O SRO também ajudará no cumprimento da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), afirma o advogado Pedro Ivo Mello, sócio do Raphael Miranda Advogados. “Um dos requisitos essenciais, também considerando a LGPD, é a imutabilidade das informações registradas. A norma diz que qualquer alteração precisa ficar registrada para que a Susep possa averiguar.”

A advogada Marcela Hill, do escritório Campos Mello, diz que as seguradoras se adaptarão com certa facilidade ao SRO porque a transição será faseada. Para ela, o projeto mostra que há “compromisso com a transparência” na Susep.

 

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