TCU determina que lucro ilegítimo por fraude em contratos públicos deve ser devolvido
Por Marjorie Iacoponi
Em decisão recente, o TCU firmou o entendimento de que as empresas envolvidas em fraudes de licitação e contratos administrativos deverão restituir o “lucro ilegítimo”.
O entendimento do Tribunal formalizou-se por meio do Acórdão nº 1842/2022, emitido na sessão de julgamento de 10/8/2022, no âmbito de um processo de tomada de contas iniciado como desdobramento da Operação Lava Jato.
O processo teve por objetivo quantificar eventual dano residual, causado à Petrobras, pelas empreiteiras que foram contratadas para implantação de conjuntos de instalações na Refinaria Abreu e Lima.
A tese foi emplacada pelo ministro Antonio Anastasia, recém-chegado no TCU. Até então, o Tribunal entendia não lhe caber buscar a restituição dos lucros indevidos.
Origem
No argumento utilizou-se, por analogia, a teoria do “produto líquido”, praticada na Espanha, bem como a teoria do disgorgement, adotada nos Estados Unidos, sendo essa última a mais conhecida pelos estudiosos do mundo jurídico.
Pela teoria do disgorgement, quando existe algum tipo de fraude contratual, a exemplo da formação de cartel e uso de documentos falsos, não bastaria simplesmente cortar o sobrepreço ou ressarcir o superfaturamento. Em outras palavras, a pessoa física ou jurídica não pode lucrar com seu próprio erro às custas de terceiro, beneficiando-se de quantia acrescida a seu patrimônio.
Para o Tribunal, essa teoria é cabível no Direito Brasileiro, conforme interpretação das disposições da legislação. Além disso, o TCU menciona que o próprio Superior Tribunal de Justiça (STJ) tem exigido, desde 2012, a restituição dos lucros ilegítimos em razão de ilícito oriundo de contrato administrativo, sendo uma das teses a necessidade de buscar o status quo ante, que deve ser restaurado a partir da declaração de nulidade do contrato administrativo.
Entendimento
Com base nas teorias estrangeiras, na legislação e jurisprudência do STJ, o TCU chegou às seguintes conclusões:
(i) a restituição de lucros ilegítimos está fundamentada no princípio da vedação do enriquecimento sem causa, assim como no princípio de que ninguém pode se beneficiar da própria torpeza e ainda nos efeitos retroativos da declaração de nulidade;
(ii) a restituição dos lucros ilegítimos tem amparo legislativo no Código Civil e na Lei Federal nº 8.666 de 1993;
(iii) o enriquecimento sem causa de uma pessoa não necessariamente decorre do empobrecimento de outra;
(iv) a restituição dos lucros ilegítimos não importa qualquer redução do patrimônio das empresas infratoras, mas apenas promove o seu retorno ao estado em que se encontrava antes da prática do ilícito; e
(v) a restituição de lucros ilegítimos não é, em regra, uma sanção, mas sim uma consequência jurídica de natureza predominantemente civil, ainda que possa ser exigida também nas esferas penal e administrativa.
Ou seja, para o TCU, o lucro ilegítimo difere-se da reparação por danos causados ao erário e do superfaturamento dos contratos.
Incertezas
O Tribunal, contudo, no caso concreto, não chegou a uma conclusão acerca do valor de lucro ilegítimo que deveria ser restituído, determinando à Petrobras que verifique junto à Advocacia Geral da União (AGU) e à Controladoria Geral da União (CGU) se a exigência de restituição dos lucros ilegítimos foi incluída nos acordos de leniência e de colaboração celebrados com a Odebrecht e com a OAS.
Com relação aos particulares de boa-fé, a unidade técnica do Tribunal ressalta que a indenização deve ser a mais ampla possível, ou seja, equivaler ao preço justo e abarcar a execução do objeto e os danos emergentes (lucros cessantes e eventuais prejuízos decorrentes da anulação).
Portanto, o entendimento do Tribunal foi fundamentado em bases teóricas, sem enfrentar parâmetros práticos de cálculo. O racional de lucros legítimos adotado pelo TCU faz sentido do ponto de vista jurídico, mas é preciso ter cautela com o uso concomitante de conceitos teóricos, até mesmo para evitar o enriquecimento sem causa, como defende o próprio Tribunal.
Nesse contexto, diversas perguntas ainda devem ser respondidas, tais quais: como esses conceitos jurídicos devem ser aplicados no cálculo dos valores a serem restituídos? Teria o TCU, de fato, competência para aplicar a sanção de perda de bens e valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio do particular?
Acompanharemos de perto de que forma a decisão do TCU será aplicada pelas autoridades públicas, Poder Judiciário e demais órgãos de controle, principalmente para defender o direito dos particulares de boa-fé que sejam impactados por essa decisão.
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