TCU determina que lucro ilegítimo por fraude em contratos públicos deve ser devolvido 16 set 2022

TCU determina que lucro ilegítimo por fraude em contratos públicos deve ser devolvido

Por Marjorie Iacoponi

Em decisão recente, o TCU firmou o entendimento de que as empresas envolvidas em fraudes de licitação e contratos administrativos deverão restituir o “lucro ilegítimo”.
O entendimento do Tribunal formalizou-se por meio do Acórdão nº 1842/2022, emitido na sessão de julgamento de 10/8/2022, no âmbito de um processo de tomada de contas iniciado como desdobramento da Operação Lava Jato.
O processo teve por objetivo quantificar eventual dano residual, causado à Petrobras, pelas empreiteiras que foram contratadas para implantação de conjuntos de instalações na Refinaria Abreu e Lima.
A tese foi emplacada pelo ministro Antonio Anastasia, recém-chegado no TCU. Até então, o Tribunal entendia não lhe caber buscar a restituição dos lucros indevidos.

Origem

No argumento utilizou-se, por analogia, a teoria do “produto líquido”, praticada na Espanha, bem como a teoria do disgorgement, adotada nos Estados Unidos, sendo essa última a mais conhecida pelos estudiosos do mundo jurídico.
Pela teoria do disgorgement, quando existe algum tipo de fraude contratual, a exemplo da formação de cartel e uso de documentos falsos, não bastaria simplesmente cortar o sobrepreço ou ressarcir o superfaturamento. Em outras palavras, a pessoa física ou jurídica não pode lucrar com seu próprio erro às custas de terceiro, beneficiando-se de quantia acrescida a seu patrimônio.
Para o Tribunal, essa teoria é cabível no Direito Brasileiro, conforme interpretação das disposições da legislação. Além disso, o TCU menciona que o próprio Superior Tribunal de Justiça (STJ) tem exigido, desde 2012, a restituição dos lucros ilegítimos em razão de ilícito oriundo de contrato administrativo, sendo uma das teses a necessidade de buscar o status quo ante, que deve ser restaurado a partir da declaração de nulidade do contrato administrativo.

Entendimento

Com base nas teorias estrangeiras, na legislação e jurisprudência do STJ, o TCU chegou às seguintes conclusões:

(i) a restituição de lucros ilegítimos está fundamentada no princípio da vedação do enriquecimento sem causa, assim como no princípio de que ninguém pode se beneficiar da própria torpeza e ainda nos efeitos retroativos da declaração de nulidade;

(ii) a restituição dos lucros ilegítimos tem amparo legislativo no Código Civil e na Lei Federal nº 8.666 de 1993;
(iii) o enriquecimento sem causa de uma pessoa não necessariamente decorre do empobrecimento de outra;
(iv) a restituição dos lucros ilegítimos não importa qualquer redução do patrimônio das empresas infratoras, mas apenas promove o seu retorno ao estado em que se encontrava antes da prática do ilícito; e
(v) a restituição de lucros ilegítimos não é, em regra, uma sanção, mas sim uma consequência jurídica de natureza predominantemente civil, ainda que possa ser exigida também nas esferas penal e administrativa.
Ou seja, para o TCU, o lucro ilegítimo difere-se da reparação por danos causados ao erário e do superfaturamento dos contratos.

Incertezas

O Tribunal, contudo, no caso concreto, não chegou a uma conclusão acerca do valor de lucro ilegítimo que deveria ser restituído, determinando à Petrobras que verifique junto à Advocacia Geral da União (AGU) e à Controladoria Geral da União (CGU) se a exigência de restituição dos lucros ilegítimos foi incluída nos acordos de leniência e de colaboração celebrados com a Odebrecht e com a OAS.
Com relação aos particulares de boa-fé, a unidade técnica do Tribunal ressalta que a indenização deve ser a mais ampla possível, ou seja, equivaler ao preço justo e abarcar a execução do objeto e os danos emergentes (lucros cessantes e eventuais prejuízos decorrentes da anulação).
Portanto, o entendimento do Tribunal foi fundamentado em bases teóricas, sem enfrentar parâmetros práticos de cálculo. O racional de lucros legítimos adotado pelo TCU faz sentido do ponto de vista jurídico, mas é preciso ter cautela com o uso concomitante de conceitos teóricos, até mesmo para evitar o enriquecimento sem causa, como defende o próprio Tribunal.
Nesse contexto, diversas perguntas ainda devem ser respondidas, tais quais: como esses conceitos jurídicos devem ser aplicados no cálculo dos valores a serem restituídos? Teria o TCU, de fato, competência para aplicar a sanção de perda de bens e valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio do particular?
Acompanharemos de perto de que forma a decisão do TCU será aplicada pelas autoridades públicas, Poder Judiciário e demais órgãos de controle, principalmente para defender o direito dos particulares de boa-fé que sejam impactados por essa decisão.

 

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