Testes clínicos em seres humanos: nova regulação exige proteção de dados, mas publicidade para recrutamento de voluntários segue sem normas específicas 25 fev 2025

Testes clínicos em seres humanos: nova regulação exige proteção de dados, mas publicidade para recrutamento de voluntários segue sem normas específicas

Por Paula Mena Barreto, Carolina Caiado e Carolina Pazzoti

A fim de se adequar à Lei nº14.874/2024, que dispõe sobre regras para pesquisas com seres humanos no Brasil, a ANVISA publicou em novembro passado a Resolução da Diretoria Colegiada (RDC) nº 945/2024. O texto estabelece diretrizes para a realização de ensaios clínicos, com foco na concessão de registro de medicamentos. Para assegurar a proteção dos direitos, a segurança e o bem-estar dos participantes do ensaio clínico, bem como a confiabilidade dos dados a serem obtidos, a RDC estabelece que a Anvisa poderá realizar inspeções nos centros de ensaios clínicos, nos laboratórios e em outras instituições envolvidas com os testes, com o intuito de verificar o grau de aderência à legislação brasileira vigente.

A medida prevista pela RDC nº 945/2024 é de extrema importância, tendo em vista que os estudos clínicos devem respeitar a privacidade do participante e as normas relativas à confidencialidade de seus dados. A identidade dos participantes deve ser mantida em sigilo, garantindo que nenhuma informação permita sua identificação direta ou indireta sem seu consentimento expresso. Ademais, o tratamento de dados pessoais deve atender aos princípios da LGPD, incluindo finalidades determinadas e compatíveis, segurança, transparência, minimização dos dados e prevenção contra acessos não autorizados.

Regras
A pesquisa clínica envolvendo seres humanos no Brasil está sujeita a rigoroso arcabouço regulatório que busca garantir a segurança dos participantes e a integridade dos dados coletados. A Lei nº 14.874/2024 e a recente RDC nº 945/2024 da Anvisa são os principais marcos normativos que disciplinam a realização de ensaios clínicos no país, estabelecendo diretrizes específicas para a proteção dos participantes e a condução ética das pesquisas.

A Lei nº 14.874/2024 estabelece boas práticas para a realização de pesquisas clínicas com seres humanos por instituições públicas ou privadas no Brasil, além de instituir o Sistema Nacional de Ética em Pesquisa com Seres Humanos. Entre suas diretrizes fundamentais, destaca-se a exigência de que toda pesquisa assegure a dignidade, segurança, privacidade e bem-estar dos participantes.

No que diz respeito à proteção de dados, a lei determina que o processamento de dados pessoais no contexto de pesquisas científicas deve seguir padrões rígidos de segurança e ética, em conformidade com os princípios da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD).

O texto prevê que as instituições responsáveis pela pesquisa adotem protocolos robustos de segurança para proteger os dados coletados. Isso inclui a implementação de mecanismos para resguardar a confidencialidade das informações vinculadas aos dados, compartilhando apenas dados anônimos ou codificados, de modo a impossibilitar a associação dos dados ao indivíduo original.

Recrutamento
Embora a RDC nº 945/2024 da Anvisa represente um avanço nas normas de testes clínicos em seres humanos, questões de suma importância, como a divulgação direcionada aos voluntários, seguem sem regulação, tendo em vista que não foram abordadas pela resolução.

No que tange a campanhas de publicidade de ensaios clínicos em seres humanos, atualmente não há regulação específica sobre a publicidade destinada ao recrutamento de participantes para testes clínicos no Brasil. No entanto, qualquer divulgação realizada para essa finalidade deve observar as normas éticas estabelecidas pelos conselhos profissionais correspondentes.

Os conselhos profissionais são responsáveis por fornecer orientações sobre a condução ética das pesquisas, incluindo aspectos relacionados à divulgação e recrutamento de voluntários, garantindo que as informações sejam transmitidas de maneira clara, precisa e não coercitiva, respeitando os direitos e a autonomia dos potenciais participantes.

Além disso, devem ser observadas as disposições do Código do Conselho Nacional de Autorregulação Publicitária – Conar, criado por entidades representativas do mercado brasileiro de publicidade e que estabelece normas éticas de autorregulamentação aplicáveis à publicidade e propaganda para diferentes setores econômicos.

Além das disposições gerais previstas no Código do Conar, como os princípios da legalidade e da veracidade, que exigem que todos os anúncios sejam respeitosos, estejam em conformidade com as leis do país, sejam honestos e verídicos (artigo 1º do Código do Conar), vale ressaltar o princípio da identificação publicitária, de modo a garantir a que o anunciante responsável pela mensagem publicitária e a natureza comercial da propaganda sejam claramente identificáveis (artigo 2.1).

O Anexo G, por sua vez, trata especificamente da publicidade de profissionais, serviços e tratamentos de saúde, que deve seguir uma série de restrições. Dentre elas, destacam-se a proibição de anunciar: (i) a cura de doenças para as quais ainda não exista tratamento apropriado, de acordo com os conhecimentos científicos comprovados; (ii) métodos de tratamentos e diagnósticos ainda não consagrados cientificamente; e (iii) atividades proibidas nos respectivos códigos de ética profissional.

Ainda, a publicidade de tratamentos clínicos e cirurgias deverá ser regida pelos seguintes princípios: estar em conformidade com a disciplina dos órgãos de fiscalização profissional e governamentais competentes; mencionar a direção médica responsável; fornecer uma descrição clara e adequada do caráter do tratamento; não poderá conter testemunhais prestados por leigos e nem promessa de cura ou de recompensa para aqueles que não obtiverem êxito com a utilização do tratamento. Embora tais normas estabeleçam diretrizes a serem observadas para publicidade na área da saúde, essas disposições ainda não são especificamente direcionadas para testes clínicos em seres humanos.

Portanto, a ausência de regulação específica sobre a publicidade direcionada a participantes de testes clínicos exige que as instituições de pesquisa e os patrocinadores atuem com cautela ao elaborar campanhas de divulgação. A adoção de boas práticas, alinhadas aos princípios éticos da pesquisa em seres humanos é fundamental para assegurar a integridade do processo de recrutamento e a proteção dos direitos dos participantes.

Seguimos acompanhando as normas da Anvisa sobre a publicidade direcionada ao recrutamento de participantes de ensaios clínicos para mantê-los informados sobre o tema.

 

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