Uso de precatórios em concessões de aeroportos: o que impede a proposta de levantar voo
por Carolina Caiado e Marjorie Iacoponi
O uso de precatórios em concessões de infraestrutura é tema espinhoso, que vem frustrando as expectativas da iniciativa privada. Os precatórios são títulos de “crédito líquido e certo” oriundos de uma ordem judicial de pagamento, por meio da qual o Poder Judiciário exige que o governo pague valores à pessoa física ou jurídica como resultado de decisões definitivas de condenação do governo, já transitadas em julgado.
Recentemente o tema veio à tona no setor de aeroportos com a revogação, pela Advocacia Geral da União (AGU), da portaria n.º 73/2022 que regulamentava até então os procedimentos que deveriam ser observados para a utilização de precatórios. A AGU justificou a revogação com base na necessidade de atualizar a norma, que convivia com outros normativos do Ministério da Economia e do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
Desestímulo
A revogação jogou balde de água fria nos planos das concessionárias de serviços públicos aeroportuários federais e de seus investidores. As concessionárias foram obrigadas a reorganizar seus respectivos planejamentos financeiros, pois pretendiam utilizar o instrumento de precatórios para pagamento dos valores de outorga contratual. Esse valor de outorga é cobrado pela Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC) pelo direito concedido às concessionárias de explorar a atividade.
O valor que a União deve à concessionária como resultado das condenações judiciais definitivas seria abatido do valor da outorga. Por exemplo, caso a concessionária tenha assumido o compromisso de pagar R$ 300 milhões em outorga e o valor de precatórios totalize R$ 100 milhões, pagaria apenas R$ 200 milhões de outorga à ANAC, o que pode representar um impacto considerável em suas finanças afetas à concessão e, por consequência, no valor das tarifas cobradas dos usuários.
Em nota oficial de 19 de abril, a ANAC informou que não tem competência para aceitar ou não precatórios como forma de pagamento. De acordo com a ANAC, a prerrogativa cabe ao Ministério de Portos e Aeroportos, gestor do Fundo Nacional de Aviação Civil (FNAC), em coordenação com a AGU. A ANAC também esclareceu que não houve qualquer aprovação do uso de precatórios para as concessionárias, pois a imprensa veiculou informações de que a ANAC teria dado aval para o uso do instrumento pela concessionária Aena, espanhola que arrematou diversos aeroportos federais, incluindo o aeroporto de Congonhas, em São Paulo.
Emenda e decreto
Em 2021, foi instituído novo regime de pagamento de precatórios por meio da Emenda Constitucional 113. No ano seguinte, foi publicado o Decreto n.º 11.249/2022, que dispõe sobre o procedimento de uso compensatório de precatórios.
O texto já foi alterado em 2023 para estabelecer algumas condicionantes, entre as quais a edição de ato conjunto pelo Advogado-Geral da União e do Ministro de Estado da Fazenda, ouvidos os Ministérios do Planejamento e Orçamento e da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos, para dispor sobre a documentação necessária para instruir o pedido de utilização, bem como os procedimentos de finanças públicas necessários à realização do encontro de contas.
Interesse (ou a falta dele)
O instrumento, que deveria ser autoaplicável às concessionárias de aeroportos, na realidade, não é. Por trás da narrativa de necessidade de regulamentação da utilização dos precatórios, há um grande problema de liquidez.
O Governo Federal tem maior interesse em receber o dinheiro no valor presente e, portanto, em receber de imediato os valores pagos pela concessionária a título de outorga. O pagamento dos precatórios é feito a longo prazo, sabe-se que os titulares dos direitos demoram anos para receber os valores, até 20 anos em alguns casos e, com isso, o Governo consegue protelar ao máximo o pagamento da dívida.
A resolução do problema não depende apenas da esfera jurídica, pois a decisão de aceitar precatórios impacta diretamente os cofres públicos, em todos os setores da economia, não só o setor de infraestrutura de serviços públicos aeroportuários. A verdade é que a solução depende também das políticas econômicas e fiscais que estão sendo planejadas pelo Poder Executivo, por isso é necessário que o grupo técnico da AGU seja composto por representantes dos ministérios responsáveis pela economia, infraestrutura e orçamento público.
Se o Governo insiste na necessidade de regulamentação do uso dos precatórios, já passou da hora de fazê-lo. É fato que algumas questões procedimentais devem ser sanadas, até mesmo para garantir a segurança jurídica nas compensações a serem feitas, mas o mercado demanda uma solução definitiva, principalmente para que a saúde financeira das concessionárias seja preservada.
Aguardaremos a publicação do ato conjunto da AGU e do Ministro do Estado da Fazenda de regulamentação de uso dos precatórios, que será resultado de um grupo de trabalho criado para tal fim. A expectativa é de que a norma seja publicada até julho.
No setor de aeroportos, é essencial que a ANAC participe ativamente do grupo de trabalho para confecção da norma e confira oportunidade aos players do setor de apresentarem contribuições, por meio de consulta pública, por exemplo. A ANAC, por sua vez, no âmbito dos contratos de concessão, pode condicionar o uso do instrumento de compensação à promoção da modicidade tarifária, beneficiando todos os usuários do serviço público.
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