Virtual assignment’: um novo normal nos negócios internacionais? 1 out 2020

Virtual assignment’: um novo normal nos negócios internacionais?

Legislações devem ser atualizadas para acompanhar mudanças no mercado de trabalho

Fonte: Folha de S. Paulo

Autores:  Alex Jorge (sócio Tributário do Campos Mello Advogados), Mauricio Tanabe (Professor da FGV e sócio trabalhista do Campos Mello Advogados) e Diana Quintas (Sócia da Fragomen Brasil e vice-presidente da Abemmi – Associação Brasileira de Especialistas em Migração e Mobilidade Internacional)

Muito se fala do “novo normal”. O home office e as reuniões virtuais viabilizaram a continuidade de muitos negócios. E quando esse home office atravessa fronteiras? O chamado “virtual assignment“, transferência internacional feita de maneira virtual, onde o profissional trabalha de um país para outro, saiu da teoria para a prática com a
pandemia, consolidando-se como alternativa para empresas de todo porte.

Há poucos meses, esse conceito parecia mais uma aspiração do que uma realidade, mas, durante o isolamento social que atingiu o planeta, muitos negócios entre países foram feitos, e projetos internacionais continuaram, de maneira remota. Vários profissionais de diversas nacionalidades que estavam fora de seus países de origem ou residência foram obrigados ou preferiram

Mesmo antes da pandemia, essa modalidade vinha se tornando mais comum nas empresas, e paradigmas estavam sendo quebrados. Já há trabalhadores que mantém seu vínculo empregatício com o país de origem, embora preste seus serviços remotamente durante um “ano sabático”, aproveitando para estudar ou viver outra cultura.

Com a nova geração de talentos focada em viver experiências, a aplicação de “virtual assignment” tem sido uma solução interessante para o recrutamento de jovens talentos internacionais. Algumas startups brasileiras têm esse modelo de recrutamento em seu DNA corporativo e têm obtido sucesso, desde que minimizando riscos com planejamento prévio, apoiadas por especialistas na área.

Para grandes empresas internacionais, esse arranjo parece ser benéfico e tentador para redução de custos. Entretanto, muitas sabem da importância do intercâmbio presencial para que aspectos socioambientais e culturais sejam absorvidos.

Dentro desse contexto, começam a surgir iniciativas como da Estônia, conhecida como “nação blockchain” por seu alto grau de inovação e pelo uso intensivo de soluções virtuais. Depois de ter o “e-residence“, que possibilita que cidadãos de qualquer parte do mundo possam investir e trabalhar virtualmente para uma empresa na Estônia, o país criou também o visto de “nômade digital” em julho deste ano, autorizando o estrangeiro a residir no país e continuar a trabalhar para um empregador estrangeiro. Assim também fez Barbados, com o recém-lançado programa “Welcome Stamp Visa”, para quem quer morar na ilha por até de 12 meses, aproveitando suas belezas naturais, enquanto trabalha remotamente para outro país.

Alemanha, Austrália, Espanha, Portugal e Taiwan também oferecem alguns tipos de vistos para situações como freelancers, empreendedores, autônomos ou profissionais em sabático.

Assim, no pós-pandemia que se desenha, é possível que empresas e profissionais queiram continuar esses arranjos e que o “virtual assignment” venha para ficar.

Mas como toda mudança, há vantagens e desvantagens, além de riscos pelo caminho. Entre os pontos positivos, estaria o custo menor, dependendo da combinação de países e dos benefícios que deixarão de ser oferecidos, alinhado às melhorias cada vez maiores da tecnologia. Para contrapor, há falta de regulamentação, trazendo inúmeras dúvidas sobre questões migratórias, trabalhistas e tributárias, que podem sair muito caras.

Do ponto de vista imigratório, o Brasil e a grande maioria dos países não preveem o status desse profissional. A Lei de Migração, em vigor no país desde 2017, é uma legislação moderna e nova, mas não atende às questões sobre esse profissional que atuaria para o Brasil, mesmo estando residindo em outro país.

Para o direito do trabalho, são muitas as dúvidas. Qual a lei trabalhista que rege esse profissional? Ele terá direitos e deveres baseados nas leis brasileiras ou nas do país de origem?

Como não há uma legislação trabalhista internacionalmente integrada, cada caso deverá ser avaliado individualmente pois vai depender do país para onde o trabalhador estará prestando serviços e em qual país que ele ficará baseado. Como regra geral da legislação trabalhista brasileira, deveria prevalecer o princípio “in dubio pro operário”, ou seja, vale a legislação mais favorável ao trabalhador.

No entanto, há nuances e questões particulares de cada contrato, que apenas a análise individualizada poderá chegar à melhor legislação a encaixar os modelos de trabalho que estão surgindo.

Para a pessoa jurídica, empresas correm o risco de dupla tributação se a presença física de seus colaboradores em outros países caracterizarem uma unidade autônoma de negócio. Esse fato é conhecido no direito tributário internacional como um “estabelecimento permanente”.

A filial de uma empresa estrangeira deve ser um estabelecimento permanente formal, com registro junto a um órgão governamental e outros registros fiscais; portanto, um pagador de impostos. Já o empregado de uma empresa que estiver trabalhando em outro país, mesmo em casa, poderá ser entendido como um estabelecimento permanente e caracterizar seu empregador como pagador de impostos naquele país.

Como se verifica, o “virtual assignment” é complexo com implicações em várias áreas, nenhuma delas ainda previstas em legislações e, tampouco, jurisprudências.

De qualquer modo, a pandemia veio intensificar os contornos de um “novo normal”, no qual a mobilidade internacional, impactada pelos fechamentos de fronteiras e questões sanitárias, pode se transformar e solidificar modelos diferentes de trabalho e de se fazer negócios. Cabe aos países acompanhar essa evolução e ajustar suas legislações, para garantir o controle e viabilizar, na teoria, o que já existe na prática.

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