WhatsApp é salvação para os pequenos negócios na crise
Por: Mariana Barbosa
Fonte: O Globo
Empreendedores e varejistas aproveitam contato direto com consumidor
SÃO PAULO – Na pizzaria Toscana, na Rocinha, não tem iFood, Rappi ou UberEats. Os pedidos de entrega, cerca de 50 por dia, chegam por WhatsApp. Apesar de não ter sido concebido como plataforma de e-commerce, o aplicativo de mensagens mais utilizado pelos brasileiros, com 120 milhões de usuários, tem sido a salvação dos pequenos negócios e atividades informais, uso que tem se intensificado no período de pandemia.
– É como um bazar digital, um espaço por onde todo mundo passa, sem taxa para participar – diz Juliano Spyer, antropólogo digital e diretor de Insight Humano na Behup, empresa que estuda comportamento em ambientes digitais e que conduziu recentemente uma pesquisa qualitativa sobre hábito de compras nos meios digitais.
A pesquisa constatou que, junto às classes mais baixas, o WhatsApp, ou ‘Zap’, como o app de mensagens do Facebook é popularmente conhecido no Brasil, é o preferido para comprar e vender.
– É uma cultura muito disseminada. Nas entrevistas, era quase como que as pessoas bufassem com a pergunta sobre o uso do Zap para compras de tão óbvio para elas – diz Spyer.
Os aplicativos de entrega são uma realidade distante para empreendedores e consumidores da baixa renda. No Rappi, que tem um perfil ainda mais elitizado que o iFood, 70% das compras realizadas pelo aplicativo no mundo são feitas por meio de um aparelho iPhone.
Pelo alcance que possuem, os aplicativos de entrega podem ainda gerar uma demanda que os negócios informais, tocados da garagem ou da cozinha de casa, não estão preparados para atender.
– Sei que se eu colocar nesse iFood posso dobrar de tamanho. Mas sem estrutura pra atender um volume tão grande, vou acabar me queimando – diz Antonio Edson Costa Vieira, proprietário da pizzaria Toscana.
Efeito vitrine
Pelo bazar do WhatsApp passam desde negócios estruturados, como farmácias e restaurantes e produtos de Avon e Natura, até informais, como bolos e salgados, botijão de gás, roupas e acessórios.
Para Juliano Spyer, o apelo do app para os negócios está na sua facilidade e versatilidade, sem barreiras de entrada em termos de custo ou usabilidade. – Os recursos de áudio e vídeo permitem ao açougue do bairro fotografar a carne e mandar para o cliente. Há um vínculo de confiança muito importante – diz.
Para as novas gerações – e negócios com algum apelo estético –, o WhatsApp ganha a companhia do Instagram, que funciona como uma vitrine.
O combo Insta-Zap é a base do negócio na Donuts Amora. Com um perfil no Instagram para as suas criações e um link na bio que conecta diretamente ao WhatsApp, a proprietária Marcela Almeida viu as encomendas dispararem na pandemia.
– Meu apartamento não comporta mais tanto saco de farinha – diz ela, que entregou 200 donuts no Dia dos Namorados e já pensa em alugar uma cozinha para expandir a produção.
Os pedidos chegam por Zap ou Insta, o que implica em dois canais para administrar.
– Tem que ficar esperto pra não se perder. Tenho um caderninho onde anoto cada pedido que chega – diz Marcela.
Grandes empresas
Mas nem só de pequenos negócios vive o bazar do Zap. O fechamento das lojas físicas por conta da pandemia do coronavírus fez grandes varejistas como Magazine Luiza e Casas Bahia descobrirem o potencial do WhatsApp como canal de vendas. As duas colocaram os vendedores conversando diretamente com os consumidores pelo aplicativo.
Na Via Varejo, dona das Casas Bahia, 7 mil vendedores interagem com os clientes pelo WhatsApp. Batizado de “Me Chama no Zap” o novo canal já representa 20% de todas as vendas do varejo digital das Casas Bahia. As vendas fechadas pelo WhatsApp ainda têm valor médio 25% maior do que o registrado em outros canais digitais.
No Magalu, que já utilizava o WhatsApp para o relacionamento pós-venda com o consumidor, já são 4 mil vendedores de celular na mão interagindo com cliente. – É um novo canal de vendas que se abriu, e que permite fazer uma venda digital com calor humano – diz o vice-presidente de operações da Magalu, Fabrício Garcia.
Com um resultado “acima das expectativas”, Garcia diz que mesmo após a reabertura das lojas a empresa vai seguir com a venda pelo Zap.
Diante do uso orgânico do Whatsapp para vendas, o aplicativo lançou em 2018 um perfil Business gratuito, que permite classificar as mensagens para organizar pedidos e programar respostas automáticas. Há ainda versão paga, que permite integração com os sistemas de relacionamento com cliente.
O Facebook Pay, lançado esta semana, é a grande aposta de Mark Zuckerberg para a monetizar o Whatsapp e tem potencial para resolver a última ponta do e-commerce para os empreendedores que usam o aplicativo de mensagens.
No entanto, para o consultor em serviços financeiros Boanerges Ramos Freire, o Facebook Pay poderá enfrentar a concorrência do Pix, o sistema de pagamento instantâneo por QR Code e que o Banco Central vai lançar em novembro.
O ponto de partida que eles adotaram, com a parceria com a Cielo e outros, é como oferecer um tráfego em uma estrada antiga, enquanto uma nova infra-estrutura estará disponível brevemente com o Pix –, diz Freire. – O Pix terá a função de inclusão financeira e vai funcionar de todos para todos de forma instantânea. É uma nova infraestrutura de tráfego intenso e quase sem pedário, e que deverá roubar mercado de dinheiro vivo, TEDs, DOCs e cartões de débito.
O Facebook tentou lançar o serviço na Índia primeiro, mas acabou enfrentando resistência do Banco Central e do CADE local.
Para Roberto Barros, sócio do Campos Mello Advogados na área de direito bancário, a nova ferramenta também vai enfrentar desafios de segurança no Brasil:
– O aplicativo terá que garantir que os usuários não serão alvos de ataques cibernéticos e hackeamentos. E os usuários terão que se sentir seguros de que suas informações pessoais e bancárias não serão vazadas ou usadas indevidamente. Temos que ver que normas o BC poderá vir a atualizar e também como a Lei Geral de Proteção de Dados será aplicada nesses casos –, diz Barros.
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