Eduardo Bolsonaro: uma exceção à regra? 26 jul 2019

Eduardo Bolsonaro: uma exceção à regra?

Fonte: Blog Fausto Macedo – Estadão

Autores: Ricardo Caiado Lima e Ana Júlia Andrade Vaz de Lima*

As recentes notícias de que o presidente da República cogita indicar seu filho e deputado federal, Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), para o cargo de embaixador do Brasil nos Estados Unidos têm provocado diversas discussões de cunho jurídico e moral. Uma das principais questões em debate diz respeito à possibilidade de a nomeação configurar ato de nepotismo.

O nepotismo é caracterizado quando um agente público usa de sua posição para nomear, contratar ou favorecer um ou mais parentes (1), tanto de forma direta quanto de forma indireta (cruzada). Trata-se de prática proibida no Brasil pela Constituição Federal de 1988, principalmente pelo artigo 37, que impõe à Administração Pública o dever de observar diversos princípios, dentre os quais o de impessoalidade e moralidade.

Em linhas gerais, o princípio da impessoalidade é uma expressão do próprio princípio da igualdade. Ele determina à Administração Pública o dever de tratar todas as pessoas de forma igual, sem “favoritismos nem perseguições”. O princípio da moralidade, por sua vez, constitui-se no dever de a Administração Pública e seus agentes atuarem conforme padrões éticos (2). Tamanha é a relevância de tais princípios, que a Lei n. 8.429/1992 (Lei de Improbidade Administrativa) prevê sanções a agentes públicos por práticas que os violem (3).

Nepotismo, portanto, é prática que viola princípios constitucionais e que deve ser rechaçada e punida nos termos da lei. Apesar da clara vedação ao nepotismo no Brasil, a sua caracterização ainda provoca questionamentos quando se refere à nomeação de familiares para cargos políticos – como é o caso de Eduardo Bolsonaro.

Parte da controvérsia se deve ao pronunciamento do Supremo Tribunal Federal por meio da Súmula Vinculante n. 13 (4), cujo teor afirma haver violação à Constituição Federal em casos de nomeação de companheiro ou parente em linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, para o exercício de cargo em comissão ou de confiança na administração pública. A referida Súmula evidencia a proibição do nepotismo para cargos administrativos ou em comissão, mas não disciplina a nomeação de familiares para cargos políticos.

Sempre que provocado, o Supremo Tribunal Federal tem decidido que a Súmula Vinculante n. 13 não se aplica a cargos de natureza política, “ressalvados os casos de inequívoca falta de razoabilidade, por manifesta ausência de qualificação técnica ou idoneidade moral” (5). A Suprema Corte, portanto, tem limitado o espectro de nomeações a cargos políticos para fins de cumprimento do comando constitucional de vedação ao nepotismo.

Definidos os contornos jurídicos do nepotismo, resta avaliar se a nomeação de Eduardo Bolsonaro ao cargo de embaixador nos Estados Unidos corresponderia a uma inequívoca falta de razoabilidade, seja por manifesta ausência de qualificação técnica seja por manifesta ausência de idoneidade moral.

Não há resposta fácil a tal pergunta, mas o ordenamento jurídico brasileiro possui mecanismos que indicam possíveis caminhos. A Lei n. 11.440/2006, que dispõe sobre as carreiras do Itamaraty, por exemplo, determina que poderão ser nomeados como embaixador aqueles que já exerciam atividade de diplomacia e que foram aprovados na carreira mediante concurso público. De forma excepcional, a lei permite que sejam escolhidas pessoas fora do quadro das carreiras do Itamaraty, desde que sejam brasileiros natos, maiores de 35 anos, e de “reconhecido mérito e com relevantes serviços prestados ao País”.

As informações publicadas no site da Câmara dos Deputados indicam que Eduardo Bolsonaro é formado há pouco mais de 10 anos em Direito e atuou como escrivão de Polícia Federal até ser eleito, em 2015 (6). Não constam de seu currículo público informações sobre experiências prévias em atividades relacionadas à diplomacia, tampouco relevantes serviços prestados ao país.

Já o presidente da República se posicionou publicamente sobre a questão em vídeo postado nas redes sociais no dia 18 de julho. Apesar de ter negado a prática de nepotismo na específica questão, Jair Bolsonaro afirmou a possibilidade de beneficiar seu filho, fato que pode constituir violação ao princípio constitucional da impessoalidade, se efetivamente realizado.

Caso a indicação de Eduardo Bolsonaro ao posto de embaixador seja confirmada, a palavra final sobre a regularidade da indicação caberá à Comissão de Relações Exteriores do Senado Federal, órgão que possui atribuição legal para aprovar ou rejeitar os nomes de chefes de missões diplomáticas. Sem sombra de dúvidas, a possibilidade de configuração de nepotismo será objeto de avaliação e debates pelos senadores da República.

(1) Disponível em: https://www.cgu.gov.br/assuntos/etica-e-integridade/nepotismo.

(2) MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 33. ed. rev. e atual. até a Emenda Constitucional 92, de 12.7.2016. São Paulo: Malheiros, 2016. p. 117.

(3) A Lei de Improbidade Administrativa também pune o enriquecimento ilícito de agentes públicos e práticas que ocasionem danos ao erário.

(4) Verbete do STF emitido em 2008 que tem efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à Administração Pública. Disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/glossario/.

(5) Rcl 28.024 AgR, rel. min. Roberto Barroso, 1ª T, j. 29-5-2018, DJE 125 de 25-6-2018.

(6) Disponível em: https://www.camara.leg.br/deputados/92346/biografia

*Ricardo Caiado Lima é especialista em Direito Penal Econômico (Universidade de Coimbra), em Gestão de Riscos de Fraudes e Compliance (FIA) e é sócio do escritório Campos Mello Advogados

*Ana Júlia Andrade Vaz de Lima é Mestra em Direito (PUC-SP), autora do livro Programa de Integridade e Lei Anticorrupção – o Compliance na Lei Anticorrupção Brasileira e é associada do escritório Campos Mello Advogados

Link:https://politica.estadao.com.br/blogs/fausto-macedo/eduardo-bolsonaro-uma-excecao-a-regra/

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