Fortalecimento regulatório ou controle disfarçado? Os impactos do novo decreto na autonomia das agências
O “Regula Melhor” busca definir diretrizes para a melhoria contínua das práticas regulatórias, com foco na evolução do ambiente de negócios e na proteção dos cidadãos.
O Decreto nº 12.150/2024, assinado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva e publicado nesta última terça-feira (20), estabelece a Estratégia Nacional de Melhoria Regulatória (“Regula Melhor”) como parte do Programa de Fortalecimento da Capacidade Institucional para Gestão em Regulação (PRO-REG), atualizado no ano passado através do Decreto n° 11.738/2023. A medida visa aprimorar a qualidade regulatória, observada a necessidade de reduzir assimetrias na adoção de boas práticas entre agentes reguladores, assegurando uma melhor coordenação do ambiente regulatório na administração pública federal direta, autárquica e fundacional.
Além disso, o Decreto prevê que o Comitê Gestor do PRO-REG disponha sobre a “coordenação, o monitoramento e a avaliação das atividades necessárias à implementação da Estratégia Regula Melhor”, além das ações relacionadas a ela.
Neste domínio, o Regula Melhor definirá diretrizes e objetivos para a melhoria contínua das práticas regulatórias, com foco na evolução do ambiente de negócios e na proteção dos interesses da sociedade e do cidadão. A estratégia, com um horizonte de 10 anos, inclui ações que buscam simplificar e tornar mais eficiente a elaboração, implementação, monitoramento e revisão das regulamentações.
Entre as diretrizes e objetivos para alcançar um ambiente regulatório “mais seguro, previsível e confiável”, destacam-se:
- Governo aberto: modelo de governança que promove a colaboração entre governo e sociedade, por meio de transparência, participação social, responsabilidade e responsividade.
- Atividade regulatória baseada em evidências: decisões regulatórias fundamentadas em dados e informações confiáveis, com o objetivo de minimizar erros e gerar o máximo benefício para a sociedade.
- Eficiência alocativa e efetividade: alocação de tempo e recursos no processo regulatório de acordo com o impacto estimado e a efetividade das medidas, focando em soluções que atendam às demandas sociais.
- Uso de linguagem simples: adoção de uma linguagem clara e concisa para tornar as regulações acessíveis, permitindo que as partes interessadas compreendam facilmente seus direitos e obrigações.
- Accountability: responsabilização, integridade e obrigação de prestar contas, garantindo a necessidade de justificar as ações tomadas ou omitidas.
- Justiça e bem-estar social: consideração dos efeitos regulatórios no bem-estar social, especialmente os redistributivos, como parte da busca por um desenvolvimento econômico e sustentável.
- Incentivo à concorrência: promoção da concorrência no mercado regulado, visando à eficiência e à melhoria na qualidade de produtos e serviços para a sociedade.
- Inovação: criação de um ambiente regulatório favorável à inovação, ao desenvolvimento, atrativo para investimentos e comprometido com o interesse público.
O texto também aborda os objetivos específicos que serão perseguidos pela estratégia. Entre eles, destacam-se:
- Incentivo à cooperação: fortalecimento da colaboração entre reguladores de diferentes esferas federativas e outros atores relevantes no processo regulatório.
- Revisão periódica do estoque regulatório: realização de revisões regulares das normas existentes, com foco na simplificação da regulação, redução da burocracia e dos custos.
- Capacitação dos reguladores: desenvolvimento contínuo das habilidades e competências dos reguladores para garantir a eficácia e eficiência do processo regulatório.
- Ampliação da participação social: promoção de uma participação social que seja efetiva, inclusiva e contínua, garantindo que a sociedade tenha um papel ativo na construção das normas.
Para muitos, o Regula Melhor promove a modernização e harmonização da atividade regulatória, estimulando a competitividade e a segurança jurídica no ambiente de negócios, alinhadas aos princípios de eficiência, justiça social e sustentabilidade. Busca inaugurar um importante incentivo à inovação bem como à promoção de parcerias estratégicas de cooperação articulada com órgãos e entidades da administração pública federal direta, autárquica e fundacional. Isto posto, ao focar na capacitação e no fortalecimento da infraestrutura regulatória, visa-se não só melhorar a qualidade da regulação, mas também proteger a autonomia e a flexibilidade decisória das agências.
Em que pese tal autonomia, contudo, percebem-se pontuais ambiguidades na nova redação, ao passo que ao mesmo tempo que promove a proteção de tal flexibilidade, deixa claro, pelo expresso interesse de articulação entre órgãos, seu ponto de apoio para uma possível judicialização da atividade regulatória, com o Judiciário se envolvendo mais na definição de parâmetros regulatórios, como no caso do REsp referente à normatividade da RDC 96/2008, onde o STJ adentrou em questões típicas do Legislativo e Executivo. Aponta-se, aqui, para uma tendência crescente de interferência judicial em esferas tradicionalmente reguladas por outras competências, o que levanta preocupações sobre o equilíbrio entre os poderes. Assim, mesmo com a maior clareza das competências, o novo decreto pode fornecer margens para que o Judiciário atue em áreas regulatórias sob o argumento de proteção de direitos, fato este que deverá ensejar nosso monitoramento.
Em resposta às críticas sobre a ampliação do papel do Executivo no monitoramento e controle das agências reguladoras, a Secretária de Competitividade e Política Regulatória, Andrea Macera, esclareceu ao portal Tele. Síntese que o objetivo não é impor obrigações às agências, mas sim promover a adoção de boas práticas regulatórias. A intenção é reduzir os gaps regulatórios entre as agências federais e outros órgãos reguladores.
Tendo tais considerações em vista, assim, o Decreto nº 12.150/2024, além de expandir as bases institucionais para uma regulação mais integrada, flexível e eficiente, refletindo o compromisso do governo em fortalecer a governança das agências regulatórias no Brasil, promovendo transparência e resultados tangíveis; também desperta reflexões a respeito dos limites da atuação judicial em questões regulatórias, sugerindo a contínua necessidade de um equilíbrio institucional e abrindo margem para novos debates acerca dos limites da intervenção do Judiciário nas autarquias, assim como acerca do consequente movimento de relativização do estado administrativo que veem ocorrendo não só no Brasil , mas mundo a fora.
Para mais informações, entre em contato com o nosso time de Life Sciences, Healthcare e Cannabis.
Autores
- Bruna B. Rocha, Sócia
- Juliana Marcondes de Souza, Associada
- Victoria Cristofaro Martins Leite, Associada
- Camila Dulcine, Trainee
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