Você sabia que foi instituída a Política Nacional de Direitos das Populações Atingidas por Barragens? 15 fev 2024

Você sabia que foi instituída a Política Nacional de Direitos das Populações Atingidas por Barragens?

Em 18 de dezembro de 2023, foi publicada a Lei Federal nº 14.755/2023, que institui a Política Nacional de Direitos das Populações Atingidas por Barragens (“PNAB”), disciplina os direitos das Populações Atingidas por Barragens (“PAB”), prevê a criação do Programa de Direitos das Populações Atingidas por Barragens (“PDPAB”) e estabelece regras de responsabilidade social dos empreendedores.

A PNAB contará com um órgão colegiado nacional, de natureza consultiva e deliberativa, composto por representantes do poder público, dos empreendedores e da sociedade civil, com a finalidade de acompanhar, fiscalizar e avaliar sua formulação e implementação, devendo ser garantida a participação do Ministério Público e da Defensoria Pública como convidados permanentes, com direito a voz, tanto nas reuniões do órgão colegiado nacional, como nas discussões no âmbito dos Comitês Locais. Os Comitês Locais terão de composição tripartite e caráter provisório, e terão como atribuições o acompanhamento, fiscalização e avaliação do PDPAB em cada caso concreto.

As obrigações e direitos previstos na PNAB somente se aplicarão às barragens enquadradas na Lei Federal nº 12.334/2010, que instituiu a Política Nacional de Segurança de Barragens (“PNSB”), isto, àquelas destinadas à acumulação de água para quaisquer usos, à disposição final ou temporária de rejeitos e à acumulação de resíduos industriais, desde que apresentem pelo menos uma das seguintes características:

  • Altura do maciço, medida do encontro do pé do talude de jusante com o nível do solo até a crista de coroamento do barramento, maior ou igual a 15 metros;
  • Capacidade total do reservatório maior ou igual a 3.000.000m³;
  • Reservatório que contenha resíduos perigosos conforme normas técnicas aplicáveis;
  • Classificação na categoria de dano potencial associado médio ou alto, em termos econômicos, sociais, ambientais ou de perda de vidas humanas; e
  • Classificação na categoria de risco alto, a critério do órgão fiscalizador.

Caso a barragem possua uma das características indicadas, o empreendedor responsável deverá custear um PDPAB, que estabelecerá programas específicos  voltados à mitigação dos impactos na área de saúde, saneamento básico, habitação e educação dos entes municipais que receberão os trabalhadores da obra de construção da barragem ou os afetados por eventual vazamento ou rompimento, bem como destinados à recomposição das perdas decorrentes de enchimento do reservatório, do vazamento ou do rompimento da barragem. Além disso, o PDPAB também deverá contemplar programas específicos que visem assegurar os direitos das populações indígenas e comunidades tradicionais afetadas, dos pescadores e da atividade pesqueira, das comunidades receptoras de reassentamento ou realocação de famílias atingidas, das mulheres, idosos, crianças, pessoas com deficiência e em situação de vulnerabilidade, bem como dos animais domésticos e de criação.

  1. Antes de ser colocado em prática, o PDPAB deve ser aprovado pelo Comitê Local da PNAB.
  2. O empreendedor deverá estabelecer um plano de comunicação contínuo e eficaz que demonstre a implementação do PDPAB.

As obrigações e direitos previstos na PNAB deverão ser observados tanto no licenciamento de barragem, momento em que será previsto o custeio do PDPAB, quanto no caso de emergência decorrente de vazamento ou rompimento dessa estrutura, conforme definido em regulamento a ser editado.

De acordo com a nova lei, é considerada PAB aquela população que se enquadre em, pelo menos, uma das seguintes situações provocadas pela construção, operação, desativação ou rompimento de barragens, quais sejam:

  • Perda da propriedade ou da posse de imóvel;
  • Desvalorização de imóveis em decorrência de sua localização próxima ou a jusante dessas estruturas;
  • Perda da capacidade produtiva das suas terras;
  • Perda do produto ou de áreas de exercício da atividade pesqueira ou de manejo de recursos naturais;
  • Interrupção prolongada ou alteração da qualidade da água que prejudique o abastecimento;
  • Perda de fontes de renda e trabalho;
  • Mudança de hábitos de populações, bem como perda ou redução de suas atividades econômicas e sujeição a efeitos sociais, culturais e psicológicos negativos devidos à remoção ou à evacuação em situações de emergência;
  • Alteração no modo de vida de populações indígenas e comunidades tradicionais;
  • Interrupção de acesso a áreas urbanas e comunidades rurais.

São direitos das PABs a reparação dos impactos sofridos, que poderá se dar por meio de indenizações por danos materiais e morais, compensações sociais, reassentamento coletivo, auxílio emergencial nos casos de acidentes ou desastres, e implementação de planos de recuperação e desenvolvimento econômico e social. Ademais, as PABs ainda possuem direito de acesso à informação e consulta pública, assessoria técnica independente, negociação quanto às formas de reparação, dentre outros, conforme pactuado no processo de participação e negociação do PDPAB.

Alguns desses direitos também são extensíveis às PABs que exploram a terra em regime de economia familiar (como, por exemplo, proprietários, meeiros ou posseiros) e às PABs que possuam vínculo de dependência com a terra para sua reprodução física e cultural, em especial as reparações das perdas materiais, as compensações pelo deslocamento em virtude de reassentamento e compensações imateriais, por meio do estabelecimento de programas de assistência técnica que permitam a reconstituição dos modos de vida e das redes de relações sociais, culturais e econômicas.

Até então, somente os Estados de Minas Gerais (Lei Estadual nº 23.795/2021), Maranhão (Lei Estadual nº 11.687/2022) e Piauí (Lei Estadual nº 7.790/2022) possuíam políticas estaduais próprias, e o Estado do Rio de Janeiro contava com alguns dispositivos relacionados aos direitos dos atingidos por desastres em sua Política Estadual de Segurança de Barragens. Assim, a norma já era bastante esperada tanto pelas PABs, que não dispunham de norma protetiva específica, quanto pelos empreendedores, que necessitavam de contornos mais delineados sobre as obrigações relacionadas aos impactos causados pela construção, operação, desativação ou rompimento de barragens.

De todo modo, entendemos que a criação da PNAB é apenas o pontapé inicial regulatório. Além da necessidade de regulamentação específica de diversas previsões, a Lei Federal nº 14.755/2023 foi sancionada com 11 vetos que ainda serão objeto de deliberação do Plenário do Congresso Nacional. Tais vetos, se derrubados, acarretarão relevantes alterações na norma, conforme abaixo:

Principal contato:

Vilmar Gonçalves

E: vilmar.goncalves@cmalaw.com

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