Você sabia que o Peru foi condenado por danos ao meio ambiente e à saúde de moradores da cidade de La Oroya? 18 jun 2024

Você sabia que o Peru foi condenado por danos ao meio ambiente e à saúde de moradores da cidade de La Oroya?

Em 22.03.2024, a Corte Interamericana de Direitos Humanos publicou sua sentença, proferida no dia 27 de novembro de 2023, no caso entre a população da cidade de La Oroya contra o Estado-Nação do Peru. A referida decisão condenou o Estado peruano por violações a direitos relacionados à proteção do meio ambiente, saúde, vida digna, acesso à informação, participação política, garantias e proteção judiciais, decorrentes das atividades do Complexo Metalúrgico de La Oroya (“CMLO”).[1]

Em 1922, o Complexo Metalúrgico iniciou suas operações com o propósito de explorar o processamento de concentrados polimetálicos contendo elevados teores de chumbo, cobre, zinco, prata, ouro e outras substâncias[2]. Durante o período de 1922 e 1993, o Peru carecia de legislação específica concernente ao controle ambiental e prevenção da poluição no setor minero-metalúrgico. Em 1993, foi promulgado o Regulamento para a Proteção Ambiental na Atividade de Mineração Metalúrgica, determinando que as operações em curso deveriam contar com um Programa de Adequação e Gestão Ambiental (“PAMA”)[3].

Apesar da elaboração do PAMA para o Complexo de La Oroya em 1996, com prazo de 10 anos para sua execução, houve modificações no escopo do referido instrumento e sucessivas prorrogações de prazo de cumprimento, mediante autorização do Estado peruano em sucessivas ocasiões. Em 2010, o PAMA chegou ao seu termo sem que as adaptações necessárias nos projetos relacionados ao ácido sulfúrico e à modificação do circuito de cobre fossem concluídas. Consequentemente, após mais de 70 anos de exploração das referidas atividades, a cidade de La Oroya tornou-se notória por seus altos índices de poluição com impacto direto e extenso sobre sua população.

Diante do contexto ambiental e de saúde pública, em 2002, um grupo de residentes de La Oroya ajuizou um processo de cumprimento contra o Ministério da Saúde e a Direção Geral de Saúde Ambiental com o objetivo de resguardar seus direitos à saúde e meio ambiente saudável, em decorrência das operações da fábrica de ácido sulfúrico. Em 2006, obtiveram uma decisão parcialmente favorável do Tribunal Constitucional do Peru, que ordenou a implementação de medidas protetivas[4]. No entanto, apesar da decisão, o Estado peruano continuou sendo acusado de omissão.

O caso foi submetido à Corte Interamericana de Direitos Humanos (“CIDH”) em 21 de novembro de 2005, quando os residentes da cidade interpuseram um pedido de medidas cautelares visando proteger os direitos à vida, à integridade pessoal e à saúde de 66 indivíduos. Em 31 de agosto de 2007, a Comissão concedeu as medidas em favor de 65 pessoas. Posteriormente, em 3 de maio de 2016, a Comissão decidiu estender a medida em favor de mais 14 pessoas.

Em 27 de dezembro de 2006, a Associação Interamericana de Defesa Ambiental (“AIDA”), Centro de Derechos Humanos y Ambiente (“CEDHA”), EarthJustice e Asociación Pro Derechos Humanos (“APRODEH”) apresentaram a petição inicial à Comissão. Em 19 de novembro de 2020, a Comissão aprovou o Relatório de Mérito nº 330/20[5], no qual fez diversas recomendações ao Estado do Peru para mitigar as violações de direitos.

Em 30 de setembro de 2021, a Comissão submeteu o caso La Oroya à Corte Interamericana, momento em que solicitou  a declaração da responsabilidade internacional do Peru pelas violações dos direitos consagrados nos artigos 4.1, 5.1, 8.1, 13.1, 19, 23.1.a, 25.1, 25.2.c. e 26 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, em relação aos artigos 1.1 e 2 do mesmo instrumento[6]. A Comissão argumentou que essa medida era necessária para garantir a justiça e a reparação das vítimas, que aguardavam por mais de 15 anos o cumprimento das medidas por parte do Estado Peruano.

Após um período de dois anos de tramitação processual perante na Corte, a sentença foi proferida no dia 27 de novembro de 2023 e publicada no dia 22 de março de 2024. Em sede de sentença, a Corte concluiu que “as violações foram consequência da poluição do ar, água e solo causada pelas atividades minerometalúrgicas no Complexo Metalúrgico de La Oroya (doravante também “o CMLO”), e pelo descumprimento do Estado em regular e fiscalizar as atividades do CMLO[7]. Assim, em outras palavras, firmou-se o entendimento de que as ações do Estado peruano configuraram uma violação ao dever de diligência.

Em outro aspecto, a Corte concluiu que o Estado peruano é responsável por (i) violar os direitos das crianças do Distrito devido à ausência de medidas adequadas de proteção; (ii) não garantir a participação pública das vítimas, as quais também não foram devidamente informadas sobre as medidas que impactaram seus direitos; (iii) infringir o direito à proteção judicial, uma vez que, passados mais de 17 anos desde uma decisão do Tribunal Constitucional do Peru para proteger os residentes de La Oroya, o Estado não tomou medidas efetivas para cumprir a sentença; (iv) não conduzir investigações sobre os supostos casos de assédio, ameaças e represálias denunciados por algumas vítimas. Diante de todo o exposto, a Corte concluiu que o Estado violou os artigos 26, 5, 4.1, 8.1, 13, 19, 23 e 25, em conexão com os artigos 1.1 e 2 da Convenção Americana.

A Corte fundamentou, ademais, a necessidade de assegurar a divulgação dos riscos ambientais, o direito à informação e a participação cidadã nas deliberações estatais relativas a assuntos que impactem o meio ambiente, em conformidade com o Acordo de Escazú e com pronunciamentos de órgãos regionais de direitos humanos[8]. Adicionalmente, constatou-se que o Estado peruano agiu em desacordo com a jurisprudência da Corte, a qual estipula que os Estados têm o dever de proteger os defensores dos direitos humanos quando estes são alvo de ameaças, bem como de investigar minuciosamente as violações cometidas contra eles.

É inegável o caráter histórico da decisão no caso Peru vs. La Oroya sobre a jurisprudência ambiental internacional. A Corte ressaltou três conclusões significativas decorrentes da sentença: (i) o estabelecimento de um precedente na jurisprudência interamericana ao considerar o Direito ao Meio Ambiente saudável como um direito difuso, cuja violação pode resultar em responsabilidade internacional de um Estado-Nação; (ii) o reconhecimento da obrigação dos Estados de proteger o meio ambiente, entendendo-o como uma norma cogente cujos efeitos se estendem por todo o sistema do Direito Internacional; e (iii) a importância da gestão ambiental por parte dos Estados considerando a equidade intergeracional, especialmente diante da necessidade de garantir condições equitativas de desenvolvimento em meio às mudanças climáticas.

A íntegra da sentença pode ser acessada por meio do link.

 

REFERÊNCIAS

Corte IDH condena Peru por danos ao meio ambiente e à saúde de moradores de La Oroya – JOTA

Acto de Notificación de Sentencia en el Caso Comunidad de La Oroya Vs. Perú – YouTube – Publicação da sentença

La Oroya Vs. Peru: Corte Interamericana responsabiliza Estado peruano por violações socioambientais – Justiça Global – amicus curiae do caso

O direito ao meio ambiente saudável no sistema interamericano: o caso La Oroya vs. Peru – BLOG DO VLAD (vladimir aras.blog)

Corte Interamericana condena Peru por violação de direitos ambientais em cidade mineradora (uol.com.br)

Comunidade de La Oroya versus Peru: Justiça Global é amicus curiae na Corte IDH – Justiça Global

A CIDH apresenta caso perante a Corte IDH sobre a responsabilidade do Peru por efeitos da contaminação na Comunidade de La Oroya (oas.org)

Corte IDH – A CIDH apresenta caso perante a Corte IDH sobre a responsabilidade do Peru por efeitos da contaminação na Comunidade de La Oroya (oas.org)

SENTENÇA DA CORTE IDH – serie _511 _esp.pdf (corteidh.or.cr)

 

[1] A sentença pode ser acessada por meio do site da Corte Intermarinana dos Direitos Humanas Corte IDH. Caso Habitantes de La Oroya Vs. Perú. Excepciones Preliminares, Fondo, Reparaciones y Costas. Sentencia de 27 de noviembre de 2023. Serie C No. 511.;

[2] Idem § 67 e 68;

[3] §2º do resumo da sentença;

[4] Determinou-se na sentença do Tribunal Constitucional (i) ordena ao Ministério da Saúde que, no prazo de trinta (30) dias, implemente um sistema emergencial de atenção à saúde das pessoas contaminadas por chumbo na cidade de La Oroya, priorizando a atenção médica especializada a crianças e mulheres grávidas, com a finalidade de sua imediata recuperação, conforme estabelecido nos fundamentos 59 a 61 da presente sentença, sob pena de aplicar aos responsáveis as medidas coercitivas estabelecidas no Código de Processo Constitucional; (ii) ordena ao Ministério da Saúde, por meio da Direção Geral de Saúde Ambiental que, no prazo de trinta (30) dias, realize todas as ações destinadas a emitir o diagnóstico de base, conforme previsto no artigo 11 do Decreto Supremo 074-2001-PCM, Regulamento de Padrões Nacionais de Qualidade do Ar Ambiental, para que, o mais rápido possível, sejam implementados os respectivos planos de ação para a melhoria da qualidade do ar na cidade de La Oroya; (iii)  ordena ao Ministério da Saúde que, no prazo de trinta (30) dias, realize todas as ações para declarar o Estado de Alerta na cidade de La Oroya, conforme previsto nos artigos 23 e 25 do Decreto Supremo 074-2001-PCM e no artigo 105 da Lei 26842. (iv) ordena à Direção Geral de Saúde Ambiental (Digesa) que, no prazo de trinta (30) dias, realize ações destinadas a estabelecer programas de vigilância epidemiológica e ambiental na área que compreende a cidade de La Oroya. (v) ordena ao Ministério da Saúde que, uma vez transcorridos os prazos mencionados nos parágrafos anteriores, informe ao Tribunal Constitucional as ações realizadas para dar cumprimento ao disposto na presente Sentença (página 107 da Sentença da Corte, § 284)

[5] Resolução de Mérito nº 330/2020. Link de acesso: pe_12.718_es.pdf (oas.org)

[6] Solicitudes de  la  Comisión. –  La  Comisión solicitó a  la  Corte  que  concluyera y declarara  la responsabilidad internacional de Perú  por las violaciones  a los derechos contenidos  en los artículos 4.1, 5.1, 8.1, 13.1,  19, 23.1.a, 25.1, 25.2.c. y  26 de la Convención Americana,  en relación con los artículos  1.1 y  2 del  mismo instrumento, y que ordenara al Estado, como medidas de reparación, las recomendaciones incluidas en dicho Informe. (Página.5 da sentença da Corte, § 4º).

[7] Resumo oficial emitido pela Corte Interamericana. Link de acesso: resumen_511_esp.pdf (corteidh.or.cr)

[8] (Página 60 da Sentença da Corte, § 148).

 

Principal contato:

Vilmar Gonçalves

E: vilmar.goncalves@cmalaw.com

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